Um dos principais temas que integra atualmente as discussões econômicas e políticas do Brasil gira em torno da Reforma Tributária, cujo principal objetivo é simplificar o sistema tributário e melhorar o ambiente de negócios. No entanto, para o setor cooperativista, existem pontos específicos que ainda levantam dúvidas tanto para cooperativas quanto cooperados.
No entanto, antes de entrar em como a Reforma Tributária impacta o setor, é importante entender que a discussão que envolve o tema ganhou força em 2023 quando o Congresso Nacional promulgou, em dezembro, a Emenda Constitucional 132, que tratou, de fato, do texto constitucional da Reforma Tributária.
Segundo a gerente de relações institucionais do Sistema OCB, Clara Maffia, o texto aprovado previu um regime específico para as cooperativas optativo, com o intuito de assegurar sua competitividade, isso ao serem observados os princípios de livre concorrência e de isonomia tributária (Art. 156-A, § 5º, inciso V, alínea d). “O documento também definiu as hipóteses de não incidência de tributação ao ato cooperativo para assegurar a justiça tributária ao modelo de negócio, sendo regulamentadas em Lei Complementar. Já a norma infraconstitucional deveria detalhar, ainda, o regime de aproveitamento de crédito das etapas anteriores das cadeias produtivas das quais a cooperativa fizer parte”, comenta a especialista.
Outro ponto de destaque foi a inclusão da autorização a concessão de crédito ao contribuinte adquirente de resíduos e demais materiais destinados à reciclagem, reutilização ou logística reversa, de pessoa física, cooperativa ou outra forma de organização popular. Clara adiciona que essas foram conquistas fundamentais para o movimento que lutava, desde a promulgação da Constituição de 1988, pela definição do adequado tratamento tributário ao ato cooperativo.
Portanto, já no início deste ano, o governo federal encaminhou ao Congresso o PLP 68/2024, com uma proposta de regulamentação dos dois novos tributos sobre consumo que foram introduzidos a partir da EC 132/23: o IBS, imposto sobre bens e serviços, e a CBS, contribuição sobre bens e serviços. O projeto também traz a regulamentação dos regimes específicos, nos quais o cooperativismo se enquadra. “Neste sentido, o texto apresentado pelo governo trouxe várias preocupações específicas para o cooperativismo, dado que as cooperativas operam sob um regime societário específico, com princípios e estrutura diferenciados das empresas tradicionais. A proposta inicial apresentada, entre outros pontos, excluía ou limitava cinco dos sete ramos do regime específico de tributação das cooperativas: Consumo, Crédito, Saúde, Agropecuário e Transporte. Estes setores somam mais de 19 milhões de cooperados, que seriam severamente prejudicados. Se aprovada nestes termos, a regulamentação poderia inviabilizar a continuidade do movimento no Brasil”, alerta Clara.
Para evitar que o cenário se tornasse negativo para o setor foi necessário, então, uma intensa mobilização que incluiu dezenas de rodadas de debate e negociações com líderes partidários e parlamentares do grupo de trabalho da Reforma Tributária, além de autoridades do Poder Executivo e entidades representativas do setor produtivo. “Também contamos com o engajamento estratégico e primordial de representantes das Organizações Estaduais (OCEs) e de cooperativas de todo o país. O apoio dos membros das frentes parlamentares do Cooperativismo (Frencoop) e da Agropecuária (FPA) também foi fundamental para garantir os avanços na proposta aprovada pela Câmara dos Deputados em julho deste ano”, relembra a gerente de operações do Sistema OCB.
Com isso, as melhorias incluídas na proposta de regulamentação se tornaram fundamentais em benefício do setor. Mas Clara alerta para o fato de que o movimento cooperativista ainda pleiteia mais clareza em relação às especificidades das cooperativas. “O Sistema OCB tem solicitado que a legislação final seja sensível às peculiaridades do setor, evitando a criação de obrigações fiscais que possam onerar excessivamente as cooperativas ou comprometer sua competitividade”, avisa.
No entanto, o setor comemorou o fato de que, após amplos debates e negociações, muitos dos pleitos do movimento cooperativista foram contemplados no texto aprovado pela Câmara dos Deputados. Entre as conquistas estão as hipóteses de alíquota zero nas operações entre cooperativa e cooperado, a preservação da não cumulatividade entre singulares e centrais, e o beneficiamento realizado pela cooperativa. Clara afirma que tais disposições representam um avanço significativo para o fortalecimento do movimento cooperativista. “Isso permite que nossas cooperativas continuem a operar de forma eficiente e mantenham a competitividade de seus produtos e serviços no mercado”, pontua.
Ela diz ainda que, com a proposta em tramitação no Senado Federal, o Sistema OCB segue desempenhando um papel ativo nas discussões, promovendo diálogos com parlamentares, representantes do governo e assessores técnicos para assegurar que as particularidades do cooperativismo sejam respeitadas. “Entre as ações efetivas, estão a participação em audiências públicas, a produção de estudos técnicos sobre o impacto da reforma no setor, a realização de reuniões com senadores e suas assessorias, além da constante mobilização de líderes cooperativistas para defender a sustentabilidade do movimento”, observa Mafia.
Para ela, a Reforma Tributária representa tanto uma oportunidade quanto um desafio para o cooperativismo. E, para isso, diz ser crucial que todos os envolvidos estejam cientes das mudanças propostas e participem ativamente do processo de discussão e adequação. “A participação ativa e a mobilização do setor serão fundamentais para garantir que as cooperativas possam continuar a prosperar em um ambiente tributário mais simplificado e justo. Por isso, reafirmo que o Sistema OCB continuará a trabalhar para garantir que as cooperativas sejam tratadas de forma justa e que possam continuar a contribuir para o desenvolvimento econômico e social do Brasil”, finaliza.
PONTOS CONTEMPLADOS NA REFORMA TRIBUTÁRIA QUE BENEFICIAM O SETOR
Em julho, a maior parte dos pleitos do cooperativismo foi contemplada no texto da regulamentação da Reforma Tributária (PLP 68/2024), aprovado pelo Plenário da Câmara dos Deputados. Foram 336 votos favoráveis e 142 contrários ao relatório apresentado pelo deputado Reginaldo Lopes (MG). Intensas rodadas de debate e negociações com líderes partidários e com parlamentares do GT da Reforma Tributária, além de autoridades do Poder Executivo e entidades representativas do setor produtivo, foram necessárias para garantir conquistas importantes para o cooperativismo dentro do texto, como a definição de hipóteses de redução de alíquota nas operações entre cooperativa e cooperado; a preservação da não cumulatividade entre singulares e centrais;a não incidência tributária sobre o beneficiamento realizado pela cooperativa; e a dedução de 50% do repasse a médicos cooperados.
PONTOS FUNDAMENTAIS QUE DEVEM SER INCLUÍDOS PARA GARANTIR A SUSTENTABILIDADE DO SETOR
- Extensão do regime específico aos cooperados não sujeitos ao regime regular para os ramos crédito e transporte
- Detalhamento de todas as operações entre cooperativa e cooperado com alíquota zero
- Dedução integral dos custos com repasse de honorários aos cooperados de operadoras de planos de saúde
- Garantia expressa de apropriação e repasse de créditos das etapas anteriores
- Previsão expressa de não incidência sobre a remuneração ao capital pago aos cooperados
- Alcance do diferimento no fornecimento de insumos agropecuários a não cooperados
- Aplicação sincrônica do regime específico das cooperativas com os regimes diferenciados, específicos ou favorecidos
+ PARA SABER MAIS
Apesar de importantes passos, as conversas sobre a Reforma Tributária não acabaram; e demandam do setor uma profunda mobilização para que todas as particularidades do setor sejam acatadas pelo texto.
Para entender melhor sobre os impactos, o Papo Coop recebeu Marina Lopes, sócia do escritório BMAS advogados e membro da Comissão de Cooperativismo da OAB/SP. Em conversa, ela fala sobre o atual texto e destaca como as cooperativas devem se mobilizar para os próximos passos dessa importante discussão.
Por Leticia Rio Branco – Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na edição 119 da Revista MundoCoop
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