Combinando desenvolvimento profissional e condições especiais de trabalho, o Programa Jovem Aprendiz tem se tornado uma alternativa cada vez mais atrativa para a primeira experiência de emprego. Neste ano, entre janeiro e junho, 58.656 pessoas ingressaram no mercado por meio da Lei da Aprendizagem (Lei 10.097/00), criada para regulamentar o trabalho de jovens de 14 a 24 anos no país.
Os dados, do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), representam um crescimento de mais de 100 mil pessoas (8,39%) em relação ao mesmo período de 2023. “É um conjunto de fatores que tem contribuído para isso, como o crescimento da economia e dos empregos formais. A reestruturação do MTE e, dentro dessa estrutura, a criação de uma diretoria específica para elaborar políticas públicas para a juventude”, justifica ao Correio Magno Lavigne, secretário de Qualificação e Fomento à Geração de Emprego e Renda do MTE.
Além disso, o número de vínculos ativos no país manteve-se acima de 614 mil entre maio e junho deste ano. No Distrito Federal, esse vínculos saltaram de 13.400, em dezembro de 2023, para 14.222 em junho de 2024. Levantamento do Banco Nacional de Empregos (BNE) confirma esse aumento com a abertura de 4.024 vagas para jovem aprendiz neste ano — 91,89% a mais em relação ao ano passado. Já o número de currículos cadastrados cresceu 51,37%, chegando a 66.581 em 2024.
“Esse crescimento na contratação de jovens aprendizes é um indicador extremamente positivo para o Brasil. Ele reflete uma maior inserção dos jovens no mercado de trabalho, o que contribui para a formação de mão de obra qualificada e a redução do desemprego juvenil. A Lei 10.097/00 foi fundamental para esse avanço. Ela criou um marco regulatório que obrigou empresas de médio e grande porte a contratar aprendizes, estabelecendo cotas específicas para essa modalidade”, pontua José Tortato, COO do BNE.
Benefícios
Tortato explica que “as empresas também se beneficiam ao poder formar profissionais desde o início de suas carreiras, criando uma base sólida de talentos para suas necessidades futuras. Outro benefício relevante é a possibilidade de redução da alíquota do FGTS para aprendizes, que se torna um incentivo financeiro para as empresas que contratarem”.
Segundo ele, as empresas vêm utilizando a aprendizagem como parte de suas estratégias de ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) e diversidade e inclusão produtiva por meio de jovens em vulnerabilidade. “As empresas percebem que ela não está apenas beneficiando os jovens, mas também beneficiando o próprio negócio, pois os aprendizes trazem às organizações visões que normalmente elas não teriam. Isso dinamiza os ambientes de trabalho, pluraliza as equipes e potencializa o desenvolvimento de inovações, garantindo sustentabilidade”, pontua o COO.
Condições especiais
Legalmente, o jovem aprendiz recebe uma remuneração mensal calculada com base no salário mínimo vigente em proporção às horas trabalhadas. “Há uma variação de renda oferecida por cada empresa, sendo que algumas companhias chegam a pagar R$ 1.500 para os seus jovens aprendizes, acima até do salário mínimo. “Além disso, o contrato inclui benefícios obrigatórios como vale transporte, FGTS (2%), férias e décimo terceiro salário com base no período trabalhado. Ele atuará na empresa quatro dias da semana e um dia fará uma capacitação, justamente para complementar a formação e apoiar o jovem a ter na empresa cada vez mais novos desafios”, detalha Tiago Mavichian, CEO da Companhia de Estágio.
De acordo com ele, ser aprendiz é um diferencial e garante portas abertas para futuras entrevistas. “Uma vaga de Jovem Aprendiz, embora tenha carga horária menor — carga horária de até 6 horas diárias, totalizando 30 horas semanais para jovens matriculados na escola — vai proporcionar ao jovem assumir responsabilidades e ser exposto a vários aprendizados, Isso acelera o desenvolvimento da sua maturidade, contribui positivamente com sua formação profissional e garante uma renda adicional para a família”.
Perfil
Pesquisa recente do Ensino Social Profissionalizante (Espro), entidade sem fins lucrativos que capacita adolescentes e jovens adultos no mundo do trabalho, traçou um perfil dos atuais aprendizes em relação às principais aspirações e expectativas profissionais. Intitulado Satisfação Jovem 2024, o levantamento foi feito durante o mês de abril com 4.781 aprendizes atendidos pelo Espro em todo o Brasil. Os resultados revelam que a média de idade desses jovens é de 19 anos considerando que 85% têm entre 18 a 24 anos e 15% têm de 14 a 17 anos. Além disso, seis em cada 10 jovens estão nos primeiros 6 meses do contrato de jovem aprendiz.
Em relação a aspirações relacionadas ao trabalho, independência financeira foi a mais apontada (84%); seguida do desejo de ter equilíbrio entre vida pessoal e profissional (72%); comprar uma casa própria (68%); e sair da casa dos pais (52%). Já sobre os impactos da aprendizagem em suas vidas, 91% consideram importante o fato de terem novas experiências e contato com o mundo do trabalho; 89% acreditam que a experiência os tornam mais responsáveis; 86% sentem que se tornam protagonistas do desenvolvimento pessoal e profissional; e 79% relatam que aprendem a questionar.
Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em 2023, o Brasil registrou 24,4% de jovens de 18 a 24 anos de idade sem acesso ao trabalho e aos estudos. A porcentagem cai para 8% no caso de jovens da mesma faixa etária que passaram pelo programa de aprendizagem, de acordo com o estudo Empregabilidade Jovem 2023, do Espro.
“A pesquisa mostra como o jovem aprendiz é uma excelente porta de entrada para a vida profissional. Um ano após terem finalizado o programa de aprendizagem do Espro, oito em cada dez jovens seguem empregados, sendo 70% com carteira assinada e, desses, 31% efetivados na empresa em que foram aprendizes. Além disso, 60% dos jovens de 18 a 24 anos de idade que foram aprendizes conciliam trabalho e estudo. Quando eles têm oportunidade de trabalho de qualidade, conseguem conciliar os estudos e se sentem mais motivados a estudar”, aponta Maria Elisa Muntaner, especialista em inteligência de mercado do Espro.
Perfil dos aprendizes do DF
– Homens: 6.737
– Mulheres: 7.477
– Negros e pardos: 9.142
– Até 17 anos: 10.027
– 18 a 24 anos: 4.140
Fonte: MTE
Experiências
Aos 17 anos, Paulo Henrique Mendes da Silva participou de um processo seletivo para jovem aprendiz numa empresa de engenharia e tecnologia. Morador de Santa Maria (DF), ele diz que decidiu começar a trabalhar no final do 2º ano do ensino médio, principalmente, para ajudar a família. No ano passado, ele concluiu a etapa no Centro de Ensino Médio 417 de Santa Maria, e hoje, com 18 anos, recebeu uma proposta de efetivação na empresa. “Eu lembro que, quando comecei, passei todo o 3º ano do ensino médio trabalhando e estudando. Primeiro, eu ia para a escola, depois, para o trabalho. E o horário reduzido ajudou bastante, até porque seria impossível trabalhar oito horas e estudar nas outras cinco”, comenta.
Paulo Henrique tem planos de fazer concurso público e, para isso, busca uma formação de duração mais curta, como um curso técnico ou profissionalizante, na área de recursos humanos. Ele conta que a habilidade que mais desenvolveu durante a experiência foi a relação interpessoal. “Geralmente, os jovens não têm essa capacidade de interagir com outras pessoas de modo profissional. Eu acho que tanto curso quanto o próprio emprego te capacita para ter essa interação, para o jovem amadurecer na vida também. Então, não mudou só minha vida profissional, mas mudou também minha relação com as pessoas de modo geral. Isso foi muito importante para mim também”, conclui.
Moradora de Valparaíso de Goiás, Julia de Sales Monteiro, 16 anos, está no 2° ano do ensino médio no Instituto Federal de Brasília e iniciou seu contrato como jovem aprendiz no mês passado numa empresa privada de eletricidade. “Tive influências que procuravam experiências diferentes e independência financeira, e quando vi essa oportunidade, me interessei. Está sendo uma experiência muito enriquecedora, com colegas de trabalho que me apoiam e sempre tentam tornar um ambiente de trabalho melhor. Também trabalho perto da escola, e entre o fim de expediente e o começo da aula, consigo estudar na biblioteca da escola e organizar minha semana de estudos”, relata.
“Começar desde hoje no mercado de trabalho me ajuda muito para trabalhos futuros, como me portar diante de figuras soberanas a mim e criar relações profissionais. As principais coisas que estou trabalhando e convivendo são os aplicativos do pacote Office e também visualizando críticas e sugestões dos clientes, como colocá-las em prática e como podemos ajudar”, detalha. O contrato de Julia tem vigência até julho de 2026 e, após o encerramento, ela pretende fazer o vestibular da Universidade de Brasília (UnB) para arquitetura e urbanismo.
Isaac da Cruz Cirqueia, 20, mora em Ceilândia, formou-se no Colégio WGS e conheceu o programa por meio do portal de empregos LinkedIn. “A minha vaga foi através de uma tele-entrevista e alguns testes. Eu comecei aos 19 anos. O que mais me interessou foi a grande oportunidade de entrar no mercado de trabalho em uma grande empresa, aprender a evoluir pessoal e profissionalmente, abrir meus olhos e meus horizontes, além de conseguir uma vaga no mercado de trabalho mesmo em meio a uma situação não tão favorável no nosso país.”
Para ele, o desenvolvimento está sendo o ponto alto da experiência. “Algumas das principais habilidades que estou desenvolvendo e melhorando são a minha comunicação, minha capacidade analítica, como me portar e mostrar uma boa imagem pessoal e profissional e a relação no ambiente de trabalho como um todo”, enumera. Agora, Isaac busca efetivação na empresa onde trabalha ou uma vaga em sua área de interesse: programação.
Desafios
Apesar do número recorde de jovens aprendizes, José Tortato afirma que ainda há um longo caminho pela frente. “Obviamente, o crescimento do número de aprendizes é animador, mas, segundo cálculos com base no número de empresas elegíveis a terem aprendizes no Brasil — conforme a Lei de Aprendizagem, quaisquer negócios com mais de sete profissionais registrados —, o país poderia ter hoje algo próximo a 1,1 milhão de aprendizes”, revela.
Magno Lavigne reconhece o cenário e aponta as medidas que estão sendo tomadas por parte do Ministério. “Realizamos um concurso público para preencher 900 vagas de auditores-fiscais do trabalho, que é quem fiscaliza o cumprimento da Lei 10.097/00. Além de continuar investido no diálogo social que é o caminho mais rápido para alcançar esse número. Também está no Congresso Nacional uma proposta de lei para simplificar alguns pontos da Lei do Aprendiz, o que deve facilitar as contratações”, projeta o secretário.
Segundo dados da OCDE, apenas 11% dos alunos brasileiros do ensino médio, com idade entre 15 e 19 anos, estão matriculados em programas voltados à educação profissionalizante. O número é 26% menor que a média dos países-membros da Organização, de 37%. Entre os jovens brasileiros de 20 a 24 anos de idade, o índice de adesão ao ensino profissionalizante também é de 11%, enquanto a média dos países da OCDE é de 65%.
Segundo o Censo Escolar 2023, realizado pelo Ministério da Educação (MEC), 8,8 milhões de brasileiros de 18 a 29 anos não concluíram o ensino médio e não frequentaram nenhuma instituição de educação básica em 2023. “Convém destacar que a aprendizagem profissional ajuda a combater a evasão escolar. A política pública do jovem aprendiz condiciona que os contemplados devem ter concluído ou estar cursando o ensino médio”, explica Maria Elisa Muntaner.
Fonte: Eu Estudante