Em julho desse ano, quase 3 mil representantes de cooperativas de crédito de 57 países se reuniram em Boston, nos Estados Unidos, para integrar a Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito (WCUC) realizada pelo World Council of Credit Unions (WOCCU), Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito em tradução.
Marcando o fim de um hiato de 9 anos em solo americano, devido a pandemia do coronavírus, a Conferência de 2024 representou um momento de virada para o cooperativismo financeiro mundial, estabelecendo metas e diretrizes inadiáveis para a continuidade do movimento na sociedade contemporânea.
Entre a iniciativas admiráveis e pioneiras apresentadas na ocasião, alguns temas entraram para o alerta de todos e intensificaram que não há mais espaço para resistência à mudança.
“Cada um dos contextos de nossos 100 países apresenta desafios ligeiramente diferentes. Mas em uma coisa estamos de acordo: a necessidade de alcançar os jovens, para combater o envelhecimento do quadro associativo. E nisso, precisamos fazer melhor”
– Elissa McCarter LaBorde
Com esse cenário em mente, a Presidente e CEO do WOCCU, Elissa McCarter LaBorde, abriu o WCUC apresentando uma visão inédita para aumentar o alcance das cooperativas de crédito de 400 milhões para 1 bilhão de pessoas, com pelo menos 50% desses membros sendo mulheres. “Estamos fazendo uma declaração ousada sobre equidade e igualdade de gênero para o nosso movimento do futuro, e queremos que vocês nos acompanhem enquanto nos esforçamos para tornar isso possível”, disse McCarter LaBorde.
Para alcançar essa meta, o pedido ao movimento é que invistam em inovações que tornem mais fácil e possível essa filiação. “Não é de surpreender que estejamos experimentando um impulso ainda maior para a inovação em um ritmo e velocidade como nunca vimos antes”, disse McCarter LaBorde.
A diversidade seguiu em pauta por todo o evento, reforçando uma preocupação comum entre as cooperativas financeiras, independente de seu tamanho, complexidade ou localização geográfica: garantir a relevância para as gerações futuras.
Nesse contexto, as estatísticas apresentadas por Juli Lewis, vice-presidente de engajamento comunitário da USF FCU (EUA) e Jim Lake, vice-presidente e sócio-gerente da Michael Walters Advertising, foram alarmantes. “Apenas 4% da Geração Z são membros de cooperativas de crédito. Achamos que estamos indo melhor com a geração Y, mas apenas 5% da geração Y são membros de cooperativas de crédito”, disse Lake.
Lewis acrescenta que, se as cooperativas de crédito fizerem um trabalho melhor ao falar sobre por que são diferentes dos bancos ou fintechs, terão a mensagem certa para atrair consumidores mais jovens.
Não é possível falar sobre futuro, sem analisar o panorama presente. Mensurando transformações que já estão acontecendo e o impacto de não as acompanhar. Na Conferência deste ano, essa premissa foi seguida, destacando a urgência de se falar sobre diferentes tecnologias na prática.
Aplicar inovações no dia a dia das cooperativas deixou de ser uma forma de apenas se atualizar no mercado e, hoje, representa o caminho para se manter ativo e atuante. Além de aprimorar processos, a tecnologia é uma importante ferramenta para identificar e reter cooperados, expandindo o movimento de forma mais efetiva. “Há um aspecto que entendemos ser bastante positivo de que no cooperativismo de crédito brasileiro há um dualismo no sentido das estratégias, porque nós temos, por um lado, a manutenção e a preservação do atendimento presencial, e por outro, a disponibilização de toda uma estrutura de autoatendimento, uma jornada digital para o cooperado”, explica Cledir Magri, Presidente do Sistema Cresol, que esteve presente no evento juntamente com uma comitiva da cooperativa.
O GRANDE DESAFIO
Além de novos temas debatidos e tendências acentuadas, a World Credit Union Conference trouxe à tona desafios que já são velhos conhecidos do movimento e estão ganhando critérios de urgência.
Ocupando um mundo que favorece um sistema concentrador e desigual, o cooperativismo possui o papel de questionar esse regime, ao mesmo tempo que combate e evita, mais efetivamente, um padrão de monopólio.
Essa é a realidade das cooperativas de crédito ao redor do mundo que precisam, mais do que nunca, apostar na integração entre si para fazer frente a conglomerados financeiros de forma mais igualitária e, assim, continuar a se estabelecer e se sobressair. “Essa integração, que no momento oportuno teremos que tratar melhor, está presente em outros países, que estão buscando uma unificação das cooperativas para que elas, agindo de uma forma mais integrada, possam resistir à concorrência do setor financeiro mundial”, aponta Arnaldo Jardim, deputado federal e atual Presidente da Frente Parlamentar do Cooperativismo (Frencoop).
A integração, que nos princípios do cooperativismo se traduz como intercooperação, é um dos objetivos do WCUC, proporcionando aos participantes um ambiente propício a trocas e compartilhamento em busca de soluções coletivas e aplicáveis. “Poder estar lá compartilhando experiências, interagindo, dialogando com lideranças do próprio cooperativismo brasileiro, cooperativismo de outros lugares do mundo nos ajuda, de alguma maneira, a praticarmos a intercooperação do ponto de vista mais filosófico conceitual, do propósito propriamente dito. Ter a possibilidade de perceber qual é a realidade deles e como essa realidade dialoga com os desafios e as oportunidades que nós temos no Brasil. É um momento riquíssimo”, acrescenta Cledir Magri.
Para Arnaldo Jardim, com o tempo, as cooperativas brasileiras terão que discutir como elas podem atuar de forma mais integrada. Não há como fugir desse cenário. “E qual é a nossa grande vantagem com isso? Um cooperativismo que consegue crescer, ganhar escala, mas manter uma relação mais pessoal. Ganhar dimensão, mas manter o tratamento humano. Esse é nosso diferencial”, conclui.
“Pude ver o respeito internacional que há pelo cooperativismo de crédito no Brasil”
– Arnaldo Jardim
PARA ALÉM DA CONFERÊNCIA
Ano após ano, o número de representantes brasileiros no Conselho Mundial cresce e valoriza a posição do Brasil como grande representante do cooperativismo no mundo. Paralelo a isso, esse crescimento abre as portas para uma maior participação do cooperativismo brasileiro, criando oportunidades de se atualizar e destacar globalmente.
No início deste ano, o WOCCU anunciou a adição do Sicoob, um dos maiores sistemas cooperativos financeiros da América Latina, como seu novo membro, que agora faz parte de uma estrutura de membros revisada e aprovada no início de 2024. “Isso evidencia o compromisso da nossa instituição com os princípios do cooperativismo financeiro, como também confirma a importância do tema à escala global”, comentou Marco Aurélio Almada, CEO do Sicoob, em reportagem exclusiva da MundoCoop.
A Cresol, terceiro maior sistema de crédito cooperativo do Brasil, também se tornou membro do WOCCU em 2024. A participação da instituição em atividades do Conselho já ocorria há alguns anos, como nas conferências realizadas em 2022 e 2023, em Glasgow (Escócia) e Vancouver (Canadá), respectivamente. Este ano, a Cresol participou pela primeira vez como membro, o que demostra o reconhecimento pela trajetória da cooperativa e sua relevância nos espaços de construção do cooperativismo.
Agregando a esse movimento, o Sicredi é membro direto há mais de 20 anos. O sistema cooperativo foi uma das organizações que defendeu uma maior inclusão através da abertura da adesão à WOCCU a mais de uma associação nacional por país, mesmo que isso significasse acolher seus concorrentes.
UMA CONVERSA COM MANFRED DASENBROCK
Em entrevista à MundoCoop, Manfred Dasenbrock, Diretor do Conselho da WOCCU recentemente reeleito, compartilhou que o principal papel do Conselho Mundial é defender os interesses dos mais de 400 milhões de associados ao redor do mundo. “Essa defesa ocorre especialmente no Comitê da Basileia, onde se estabelecem as regulamentações do nosso movimento. A legislação, ou advocacy, como chamamos, é um dos pontos fundamentais dessa defesa. O WOCCU atua no parlamento europeu, que tem grande influência, e junto aos Bancos Centrais, especialmente o Federal Reserve dos Estados Unidos e o Banco Central Europeu”. Manfred compartilha em um bate papo, como a atuação tem um efeito cascata, influenciando os Bancos Centrais dos países membros, fortalecendo a defesa legislativa e regulatória do movimento. Confira:
“ENXERGO O POTENCIAL DO COOPERATIVISMO NACIONAL DENTRO DO MOVIMENTO GLOBAL COM MUITA PROPRIEDADE E EVOLUÇÃO”
Temos um potencial muito grande, pois contamos com um ambiente regulatório favorável.
Tenho ressaltado isso ao redor do mundo, temos um arcabouço regulatório robusto, construído coletivamente. Essa clareza sobre a aplicabilidade das normas e a defesa dos avanços, como a criação do nosso Fundo Garantidor e as resoluções do Banco Central do Brasil relacionadas à segregação de responsabilidades, evidencia o grande potencial que temos e o exemplo que somos para os demais países.
Estamos presentes em quase 50% dos municípios brasileiros com estruturas cooperativas e muito próximos de termos associados em todos os municípios através de outros mecanismos. Nosso posicionamento é de estar presente, próximo e ao alcance dos associados.
Vejo como um grande desafio, mas que gera um impacto positivo nas comunidades. Quando você se posiciona como uma organização social preocupada com iniciativas de educação financeira e inclusão é um desafio, mas temos um grande potencial a explorar. A formação de novas lideranças, aqui falando em jovens e mulheres associadas, fortalecemos a governança e construímos confiança. Isso exige prestação de contas, respostas a perguntas, esclarecimentos e busca pela satisfação dos associados, com presidentes e diretores próximos das comunidades.
O cooperativismo tem criado um ambiente propício para que as pessoas queiram construir carreira, não só no Sicredi, mas nas cooperativas de crédito em geral. Isso fortalece a confiança e cria um ambiente para atender às necessidades dos associados. Com profissionais qualificados, encontraremos soluções para atender essas necessidades onde quer que estejam, desenvolvendo plenamente nosso potencial.
“UMA GRANDE OPORTUNIDADE É A POSSIBILIDADE DE AS COOPERATIVAS CONSOLIDAREM O SEU MODELO DE NEGÓCIO”
Conforme os ideais de Friedrich Wilhelm Raiffeisen e do padre Theodor Amstad, trabalhar dentro do espírito original das cooperativas permite não se distanciar dos valores fundadores.
Outra oportunidade significativa é a ampliação da intercooperação com outros ramos, como o ramo agroindustrial, saúde, transporte e educação, por exemplo. A intercooperação entre os sete ramos representa um grande potencial, apesar dos desafios, mas é benéfica para as comunidades e organizações.
Os grandes desafios incluem a profissionalização das cooperativas. É essencial desenvolver pessoas para o mercado cooperativo a partir dos valores que defendemos, retendo e atraindo novos talentos. Então, o processo de retenção, fazer com que as pessoas se apaixonem, gostem da cooperativa de crédito, gostem do Sicredi, é um grande desafio que precisa ser superado constantemente.
Além disso, a atualização tecnológica é um desafio contínuo, pois os associados demandam um atendimento eficiente.
Temos um desafio de trabalhar a paixão pelas causas que defendemos, como a igualdade de gênero, o desenvolvimento de lideranças femininas e jovens, a cooperação, a educação financeira, a sustentabilidade e o desenvolvimento de futuras gerações através do programa “A União Faz a Vida”. Alcançar mais comunidades e escolas e ampliar nosso alcance são desafios significativos que temos pela frente.
Esses desafios exigem conscientização e dedicação contínuas para sermos bem-sucedidos e realizarmos o potencial pleno das cooperativas de crédito no mercado financeiro brasileiro.
“PAUTAS PRIORITÁRIAS INCLUEM, PRIMEIRAMENTE, A REAFIRMAÇÃO DA ESSÊNCIA COOPERATIVA”
É fundamental manter esse debate constante, sobre não ser mercado, não ser banco, ser cooperativa. As pautas regulatórias e normativas são vitais, assim como aquelas relacionadas ao desenvolvimento de pessoas, tanto colaboradores quanto novas lideranças de associados.
Além disso, a pauta tecnológica é crucial, envolvendo inteligência artificial e outros mecanismos que atendam nossos associados e proporcionem um ambiente moderno e atualizado para nossos colaboradores, permitindo que desenvolvam suas carreiras e realizem seus sonhos.
A questão climática será mais uma pauta recorrente devido aos desastres naturais e às mudanças extremas de temperatura, chuva e tempestades. Esses temas estarão próximos das cooperativas e das agendas globais relacionadas ao clima. A inclusão e a educação financeira continuarão sendo temas centrais, pois fazem parte do nosso núcleo, de nossos valores e da nossa identidade.
Essas pautas se transformam em compromissos, que se interligam e são fundamentais para a nossa lógica de atuação.
“MOSTRAR NOSSAS CONQUISTAS PARA O MUNDO É FUNDAMENTAL”
Trabalhamos internamente para que outras confederações brasileiras participem do movimento, somando forças. Quando os observadores externos percebem que estamos organizados no movimento da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB), no Conselho Especializado de Crédito (CECO) e buscando convênios com o Banco Central do Brasil, isso nos torna mais fortes.
Nos últimos 12 anos, conseguimos homenagear no ambiente da Conferência Mundial das Cooperativas de Crédito promovida pelo Woccu três cidadãos brasileiros notáveis no cenário nacional e internacional do cooperativismo. Em 2014, Roberto Rodrigues, ex-presidente da OCB e ministro, foi reconhecido em Denver, Colorado, por sua autoridade no crédito. Em 2018, o Conselho Mundial, em um grande evento nas Bahamas, reconheceu Márcio Lopes de Freitas, presidente da OCB, com uma distinção especial. Recentemente, no evento em Boston, o Conselho Mundial reconheceu o deputado Arnaldo Jardim, presidente da Frencoop.
Esses reconhecimentos demonstram a relevância do Brasil no cenário global, destacando nossa atuação integrada no movimento de crédito e agroindustrial, coordenada pela OCB.
Mostrar essas conquistas para o mundo é fundamental, pois fortalece nossa posição e sublinha a relevância das cooperativas de crédito brasileiras no contexto internacional. Embora exija esforço, essa representação é extremamente valiosa e impacta positivamente o futuro das cooperativas de crédito, promovendo seu desenvolvimento e reconhecimento global.
Por Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na edição 119 da Revista MundoCoop
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