O ex-ministro da Agricultura entre 2003 e 2006, Roberto Rodrigues, concedeu entrevista a SNA. Com sólida formação acadêmica e passagens igualmente bem-sucedidas no mundo corporativo, Rodrigues discorreu sobre os principais desafios que estão no horizonte do agronegócio brasileiro, entre eles o gargalo logístico e a imprescindível parceria com o capital privado para que haja mudança: “O investidor precisa de segurança jurídica para poder decidir”, diz.
Também explica que a expansão para o centro-oeste cobra hoje do país um preço caro pela defasagem da infraestrutura, muito embora tenha garantido a pujança das últimas décadas. Apesar de louvar o crescimento de biofertilizantes e biodefensivos, não acredita que isso diminuirá a dependência externa desses insumos. Por fim, deixa um conselho valioso a gestores e diplomatas, para que abram mercados e garantam bons acordos para a produção que só deve crescer, com o Brasil na liderança do que chamou de “cinturão do agro tropical”.
A seguir, os principais trechos da entrevista.
SNA: A logística de armazenamento, transporte e ampliação das malhas de escoamento da produção agrícola nacional representam um enorme e antigo desafio, sobretudo com a perspectiva de crescimento das safras. Qual é, na sua opinião, o caminho para vencer esse “gargalo”?
Esse é um gargalo que precisamos vencer. Até os anos 70, a agricultura era essencialmente costeira, a poucas centenas de quilômetros do mar, com acesso relativamente rápido aos portos e aeroportos. O regime militar percebeu o vazio demográfico e econômico do centro-oeste e considerou isso um risco, pois na visão daquela época, um território desocupado desse tamanho poderia atrair investidas estrangeiras. O governo federal então estabeleceu programas de incentivo para atrair produtores pioneiros, que foram com a cara e a coragem. Levaram tecnologia, dinheiro, e gestão, mas não levaram a estrada, a ferrovia, o armazém e nem o porto. O crescimento espantoso experimentado nas décadas seguintes continuou pressionando esses pontos deficientes, que foram deixados para o poder público, sem que este possua condições técnicas nem financeiras para atuar.
É fundamental investir maciçamente nisso, com urgência, para conseguir atender a demanda crescente. Sobretudo em ferrovias, armazenagem e terminais, inclusive na direção do Pacífico, por causa do centro-oeste. E a solução passa por parcerias público-privadas, com segurança jurídica, para que as empresas saibam que terão retorno, então estamos falando também de reformas importantes como a tributária e a administrativa. Isso é central. A armazenagem considero particularmente sensível, no atual plano de safra há um excedente de soja que está sendo comercializado a preços abaixo do razoável, porque o produtor não tem onde guardar. É preciso crédito para isso, para alugar ou comprar armazéns, a juros adequados.
SNA: Outro ponto difícil é a dependência externa de fertilizantes, em comparação a outros expoentes do setor, que são nossos concorrentes. Qual a melhora que podemos esperar nesse cenário, num momento em que o mercado de biofertilizantes desponta como alternativa para mitigar o problema?
Novamente o contexto histórico nos ensina, pois quando se expandiu para o centro-oeste, o agronegócio encontrou terras mais necessitadas de fertilizantes, no cerrado. Tinha adubo barato sobrando no exterior, e o pagamento muitas vezes era feito com a própria produção agrícola. Não era estrategicamente correto, mas a vantagem financeira compensava. Recentemente, houve um plano nacional de fertilizantes, para reduzir a dependência externa, mas o investimento em mineração das jazidas é caríssimo e, em alguns casos, como o do potássio, afetaria biomas já sensíveis como a Amazônia. A burocracia seria grande, com retorno a longuíssimo prazo, pouco atraente para a iniciativa privada.
Creio que ainda precisaremos importar por um bom tempo, mas isso pode ser mitigado com negociações bem-feitas. Agora, a questão dos biofertilizantes realmente tem crescido bastante no Brasil, mais que o dobro da média mundial. A de biodefensivos também, mostrando a criatividade dos produtores, que com rapidez e soluções bem pensadas, buscam alternativas onde menos se espera. Estão cada vez mais estocando compostos organominerais em suas fazendas, a partir de resíduos que a indústria não aproveita, como cascas de frutas e esterco do gado. É um ramo promissor, mas ainda precisaremos dos fornecedores estrangeiros por mais 15 ou 20 anos, a meu ver.
SNA: A democrática e salutar alternância de poder apresenta desafios como o pragmatismo nas relações comerciais em tempos de forte polarização. Governos às vezes deixam a ideologia falar mais alto e a produção nacional sofre represálias. Como ex-ministro, que conselho o senhor daria a atuais e futuros gestores públicos nesse sentido?
Roberto Rodrigues: Esse é um dos pontos mais sensíveis da política externa brasileira. Creio que nesse momento o mundo caminha para um realinhamento geopolítico. De um lado, o Ocidente rico, poderoso e estruturado, mas sem liderança clara; portanto, sem projeto nem líderes claros que desfrutem de respeito e prestígio. No outro bloco, está a China, em busca de hegemonia política e econômica. A ela se associam o restante da Ásia, alguns países da Europa e até mesmo a África. E o Brasil é justamente o representante ocidental que está fortemente entrelaçado com a Ásia em termos de relações comerciais e agricultura. É um novo arranjo, que traz desafios e questionamentos, mas também pode oferecer uma oportunidade sem precedentes. O mundo enfrenta insegurança alimentar, a demanda por energia renovável e a pressão por preservação ambiental.
Os três temas passam pelo agro, e justamente em sua vertente tropical, que é a nossa. Nesse cinturão, o Brasil lidera com folga em relação a outras áreas em que ainda há espaço para crescer. Temos uma tecnologia tropical sustentável que pode ser replicada mundo afora. É uma chance histórica, pois com nosso tamanho, capacidade técnica e aptidão tropical, capitanear a transição da agricultura tradicional para a verde e sustentável. Isso implica num protagonismo diplomático maior do que o que tivemos em épocas recentes, priorizando os acordos comerciais que nos beneficiem. Porque precisamos de diplomacia para abrir mercados, agregar valor, trabalhar com a escalada tarifária internacional, e preparar o caminho para que o Brasil não exporte só comida, mas tecnologia, maquinário e conhecimento para ensinar o mundo tropical a plantar. E sobretudo encontrar a demanda para a produção que certamente só irá crescer. Porque em questões comerciais, não há empate; temos de ganhar e liderar.
Fonte: Conexão Safra
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