A permanência da juventude no meio rural é, há anos, uma preocupação constante do setor agropecuário brasileiro. No entanto, mais do que um desafio pontual, esse movimento vem se consolidando como um dos grandes pontos de atenção para o futuro do cooperativismo no agro: sucessão e mão de obra jovem já não podem mais ser tratadas apenas como questões familiares, mas sim como temas estratégicos de gestão, inovação e cultura.
De acordo com a pesquisa CEO Survey 2025, realizada pela PwC, 38% dos líderes do setor enfrentam dificuldades para encontrar profissionais capacitados. Isso afeta diretamente não apenas o crescimento, mas também a continuidade das operações.
Como destaca Mayra Theis, sócia da PwC Brasil, essa realidade exige uma transformação profunda no modo como o agro lida com sua força de trabalho. “Os produtores rurais destacaram que a agricultura e a pecuária precisam se diferenciar no modo de produção e uso das tecnologias, pois a dificuldade de atrair jovens vai além da remuneração, envolve aspectos culturais e de percepção, pois o trabalho no campo ainda é visto como pesado, solitário e com poucas oportunidades de crescimento”.
Atratividade além da remuneração: o campo como projeto de vida

Mesmo diante de máquinas modernas e tecnologias avançadas, muitas propriedades rurais ainda dependem de colheita manual e da força física em culturas como o café ou o cultivo protegido em estufas. Isso reforça a percepção de que o campo exige muito esforço e oferece pouco retorno – uma visão que precisa ser urgentemente desconstruída.
Segundo Mayra Theis, tornar o trabalho no campo mais leve e atrativo requer investimento em ergonomia, inovação, formação técnica e políticas públicas eficazes.
“Há demanda por soluções que tornem o trabalho mais leve, ergonômico e atrativo. Isso inclui o desenvolvimento de equipamentos adaptados à agricultura familiar e a terrenos desafiadores, políticas públicas que desburocratizem a adoção de novas tecnologias, programas de capacitação contínua e iniciativas que deem ao jovem a perspectiva de empreender dentro da própria propriedade.”
O que tem sido feito?
A resposta para esse desafio tem surgido por meio de iniciativas coordenadas por cooperativas e instituições educacionais. Ações que unem tecnologia, propósito, capacitação e uma nova visão sobre o futuro do campo começam a transformar o cenário.
No Espírito Santo, o Programa Herdeiros do Campo, idealizado pela Faep e implementado por cooperativas como a Cooabriel, estimula o planejamento sucessório das propriedades em três dimensões: propriedade, família e empresa. O foco está na continuidade e no equilíbrio entre gerações, com o objetivo de fortalecer os vínculos com a terra e evitar a evasão rural. A proposta tem inspirado outras cooperativas capixabas a adotarem abordagens semelhantes.
No Paraná, a Sicredi Fronteiras criou a Cooperativa Escolar em parceria com o projeto Formando Cidadão, no município de Capanema. Utilizando uma metodologia gamificada, estudantes aprendem sobre gestão, cooperação e cidadania – preparando uma nova geração de líderes comprometidos com o desenvolvimento local.
Vinícola Garibaldi: quando a continuidade começa na valorização da propriedade
Para Oscar Ló, presidente da Cooperativa Vinícola Garibaldi, o impulso para reter jovens no campo começou com um movimento estratégico: a reconversão dos vinhedos para a produção de espumantes, iniciada há duas décadas. O impacto foi direto na rentabilidade e qualidade de vida dos produtores.
“Embora tenhamos iniciativas específicas para a permanência do jovem no campo, esse movimento, ocorrido há cerca de 20 anos, deu início a uma maior rentabilidade nas propriedades”, pontua.
Atualmente, mais de 40% dos vinhedos dos cooperados são de uvas viníferas. Com isso, a valorização do trabalho rural se tornou evidente – atraindo jovens que haviam migrado para a cidade de volta ao campo. “Temos muitos casos de jovens que foram estudar na cidade e voltaram para a propriedade para trabalhar com os pais na produção de uva. O cultivo propicia remuneração justa e qualidade de vida”, acrescenta Ló.
Além da valorização da atividade, a cooperativa aposta em programas estruturados, como o Garibaldi Jovem, que oferece capacitação, encontros formativos e acesso ao planejamento estratégico da cooperativa. O objetivo é que os jovens se sintam parte integrante do futuro da organização. “Na cooperativa, colocamos em desuso o termo sucessão rural. Ao invés dele, adotamos continuidade da propriedade”, explica.
Há ainda parcerias com o Sescoop/RS, como o Aprendiz Cooperativo do Campo, que une aprendizado prático e formação técnica. Para Oscar Ló, esse conjunto de ações é decisivo para modernizar o trabalho agrícola.
O novo profissional do agro: digital, analítico e colaborativo

A imagem do trabalhador rural está sendo redesenhada. Habilidades digitais, pensamento crítico e flexibilidade passaram a ser mais valorizadas do que diplomas formais, dando espaço para um perfil mais tecnológico, estratégico e colaborativo.
“O profissional do agro do futuro não será apenas alguém com conhecimento técnico agronômico, mas sim um perfil mais analítico, tecnológico e estratégico”, explica Mayra Theis. “Essa fluência tecnológica não é apenas uma vantagem competitiva – é uma exigência.”
De fato, dados do Barômetro Global de Empregos em IA 2025 da PwC mostram que, no Brasil, o número de vagas que exigem conhecimento em Inteligência Artificial no agro cresceu mais de 600% entre 2021 e 2024. Já os profissionais com habilidades em IA recebem até 56% a mais em salários.
Na prática, essa transformação já é percebida no dia a dia da Cooperativa Vinícola Garibaldi.
“Hoje, há todo um acompanhamento de assistência técnica oferecido pela cooperativa aos cooperados, além de viagens técnicas e eventos que permitem acesso à inovação no campo. Tudo isso ajuda, porque fica evidente como essas práticas tornaram o cultivo mais facilitado”, afirma Oscar Ló.
Educação flexível e empreendedorismo rural: os novos caminhos
A educação à distância (EAD) tem ampliado o acesso de jovens à formação no agro. Entre 2013 e 2023, segundo o SEMESP, o número de matrículas em cursos EAD ligados ao setor cresceu 259,5%, com destaque para instituições privadas. Isso permite que jovens se qualifiquem sem precisar sair do campo – um avanço significativo na democratização do conhecimento.
Em paralelo, o agro vive uma verdadeira revolução empreendedora. De 2023 para 2024, o número de incubadoras cresceu 224%, aceleradoras 90%, e hubs de inovação 29%, conforme o Radar Agtech Brasil. Do total de 1.970 startups agtechs mapeadas, 81 são edtechs focadas em conteúdo, educação e mídias sociais.
“O campo se torna mais atrativo com a combinação de inovação tecnológica, flexibilização educacional e crescimento de ecossistemas empreendedores”, destaca Mayra Theis.
Esses ambientes fomentam inovação e criam oportunidades dinâmicas de carreira, com impacto social e alinhamento às novas gerações.
Cooperativas como mediadoras entre tradição e inovação
Mais do que instituições econômicas, as cooperativas cumprem um papel social essencial: conectar passado e futuro, respeitando a cultura agrícola familiar ao mesmo tempo em que promovem inovação e sustentabilidade.
“Ao investir em formação de sucessores, apoiar startups e fomentar ambientes de inovação, as cooperativas ajudam a reconfigurar a imagem do trabalho rural, tornando-o mais atrativo, tecnológico e sustentável”, resume Mayra Theis.
Na Cooperativa Garibaldi, esse equilíbrio está no centro do pensamento estratégico. “Aqui na cooperativa, tratamos este assunto em Pensamento Estratégico com diretrizes que vão ao encontro do nosso propósito – promover a vida em harmonia, atendendo todas as partes interessadas, do vinhedo à mesa”, afirma Oscar Ló.
O presidente ainda ressalta como os princípios cooperativistas, como o compartilhamento e a coletividade, estão alinhados com o desejo da nova geração de fazer parte de algo com propósito e impacto positivo.“Todo produtor cooperado produz com mais sustentabilidade, outro dos grandes conceitos em sintonia com o nosso tempo.”
O futuro é colaborativo e conectado com o propósito
A sucessão no campo não se resolve apenas com herança de terras ou formação técnica. Ela depende de um ecossistema que ofereça significado, inovação, protagonismo e qualidade de vida para quem escolhe seguir no agro. E nesse caminho, as cooperativas surgem como protagonistas, com potencial para liderar essa transformação.
“A sintonia com a atividade não é que precisa ser espontânea, mas quando acontece dessa forma, ela tende a ser para sempre”, afirma Oscar Ló, apontando que o campo pode, sim, ser um destino desejado – quando bem cultivado.
O novo agro na visão da nova geração
Desafios
- Percepção negativa do campo (trabalho pesado e solitário)
- Falta de capacitação técnica contínua
- Dificuldade de acesso à educação no meio rural
Tendências
- Ensino à distância no agro cresceu 259,5% (2013–2023)
- Vagas no agro que exigem IA cresceram 600% (2021–2024)
- Ambientes de inovação agro: incubadoras (+224%), aceleradoras (+90%)
Soluções apontadas
- Programas como Garibaldi Jovem e Aprendiz Cooperativo do Campo
- Equipamentos adaptados e ergonomia no trabalho
- Cultura cooperativista alinhada ao propósito
- Apoio ao empreendedorismo rural
Por Andrezza Hernandes – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 125 da Revista MundoCoop












