Por trás dos números robustos do agronegócio brasileiro, está uma força que, por vezes, é invisibilizada: as mulheres. Entre produção agrícola, gestão familiar e liderança em cooperativas, elas têm desempenhado papel central na segurança alimentar, na sustentabilidade e no crescimento econômico do país.
Celebrado em 15 de outubro, o Dia Internacional da Mulher Rural é uma oportunidade para reconhecer essa presença cada vez mais estratégica no campo. Segundo a FAO (2024), a América Latina é a região com maior disparidade global de insegurança alimentar entre homens e mulheres, uma diferença de 5,2 pontos percentuais.
Esse contingente revela um avanço expressivo. Entre 2006 e 2017, segundo o Observatório das Mulheres Rurais do Brasil (Embrapa), a participação feminina na produção de alimentos cresceu de forma consistente, acompanhando políticas de acesso à terra, formalização das atividades e fortalecimento da autonomia econômica no meio rural. A Bahia lidera o ranking nacional, com 159,8 mil mulheres na agricultura familiar, seguida por Minas Gerais (67,8 mil), Pernambuco (65,3 mil) e Ceará (59,7 mil). No Norte, o Pará se destaca com 50,7 mil agricultoras, enquanto no Sul e Sudeste o protagonismo cresce em estados como Rio Grande do Sul (35,8 mil) e São Paulo (17,2 mil).
Esses números ganham novo significado quando conectados à estrutura do cooperativismo agropecuário, que soma 1.172 cooperativas, 1.091.560 cooperados e 268.279 empregos formais, um aumento de 4,5% em relação a 2023. O modelo cooperativo se mostra não apenas um motor econômico, mas também um espaço de inclusão produtiva e participação social para as mulheres rurais.
“A mulher rural tem um papel fundamental na produção de alimentos e na segurança alimentar das famílias brasileiras. Quando ela tem acesso a recursos e autonomia econômica, toda a comunidade se beneficia, é um efeito multiplicador de desenvolvimento”, afirma André Marchetti, agrônomo e consultor técnico da Cactvs, instituição que atua com microcrédito e inclusão produtiva em diversas regiões do país.
Elo de fortalecimento feminino
Os números do anuário de 2024 mostram a força desse sistema coletivo. O cooperativismo agropecuário movimentou R$ 438,3 bilhões em ingressos, R$ 307,5 bilhões em ativos e R$ 30,22 bilhões em sobras, valores que são reinjetados nas comunidades rurais em forma de renda, infraestrutura e investimento social. Embora o levantamento não traga dados desagregados por gênero, é possível afirmar que as mulheres estão diretamente envolvidas em cada elo dessa cadeia, da produção ao beneficiamento, da gestão à comercialização.
Esses resultados expressivos estão distribuídos em uma estrutura diversificada. 46,8% das cooperativas atuam com insumos e bens de fornecimento, 43,3% com produtos vegetais não industrializados, e 31,6% com serviços, setor em que há maior presença feminina em funções administrativas, financeiras e de gestão.
Além disso, 21% das cooperativas trabalham com produtos industrializados de origem vegetal e 15,3% com produtos de origem animal, segmentos em que muitas agricultoras encontram espaço para empreender, inovar e agregar valor à produção local.
Geração de renda e autonomia
De acordo com o IBGE, as mulheres são responsáveis por 42,4% da renda familiar rural, chegando a 51% no Nordeste, onde sua atuação é ainda mais expressiva. Esse dado se soma ao avanço observado no último Censo Demográfico, que mostrou que as mulheres chefiaram 49,1% dos lares brasileiros em 2022. No meio rural, elas lideram quase um quarto das famílias (24,8%), índice que vem crescendo a cada década.
Esses números reforçam o impacto das sobras cooperativas, os R$ 30,22 bilhões retornados aos cooperados em 2024, na geração de renda e redução das desigualdades regionais. Em muitos casos, esse retorno permite que agricultoras invistam em equipamentos, ampliem a produção e garantam educação e saúde para suas famílias.
Com R$ 9,3 bilhões em crédito aplicado e R$ 17,2 bilhões em aplicações financeiras, as cooperativas se tornam uma ponte de acesso ao crédito, historicamente mais restrito às mulheres no campo.
“Esses números mostram que as mulheres não são coadjuvantes no agro, elas estão na linha de frente da gestão, da tomada de decisão e da geração de renda. Muitas administram propriedades, coordenam equipes e garantem o sustento de suas famílias com eficiência e sensibilidade”, destaca o especialista.
Sustentabilidade e inovação
A presença feminina tem se fortalecido também nos programas de agroecologia e agricultura familiar, segmento responsável por 70% dos alimentos consumidos no país. Entre 2023 e 2025, o Ministério do Desenvolvimento Agrário investiu R$ 68 milhões em projetos que beneficiam diretamente as mulheres, com 16 mil quintais produtivos em implantação ou funcionamento. Esses espaços integram hortas, pomares, criação de pequenos animais e cultivo de plantas medicinais, todos baseados em práticas sustentáveis.
O cooperativismo tem sido um aliado estratégico nesse processo. Em 2024, o setor aplicou R$ 4,1 bilhões em investimentos e R$ 35,3 bilhões em exportações, consolidando um modelo que alia produtividade, sustentabilidade e inovação. As mulheres, com sua visão integradora, têm conduzido esse movimento.
“As mulheres estão liderando o avanço da agroecologia no Brasil. Elas sabem equilibrar produtividade e preservação ambiental. Quando investimos nelas, promovemos um agro mais sustentável, inclusivo e humano”, reforça André.
Desafios e perspectivas
Apesar dos avanços, persistem desigualdades estruturais. Apenas 19% das propriedades rurais estão registradas em nome de mulheres, e o acesso à assistência técnica e ao financiamento ainda é limitado. Essas barreiras dificultam a consolidação do protagonismo feminino, mas o modelo cooperativista oferece um caminho promissor ao unir escala econômica, apoio técnico e governança participativa.
O cooperativismo agropecuário representa 23,8% do PIB brasileiro, o equivalente a R$ 2,73 trilhões, e se consolida como uma das principais forças econômicas do país. Nesse contexto, o protagonismo feminino aparece não apenas como pauta de equidade, mas como estratégia de desenvolvimento e sustentabilidade.
“O campo brasileiro tem rosto feminino. Reconhecer isso é essencial para desenhar políticas públicas mais eficazes, que fortaleçam o crédito rural, a educação e a sucessão familiar no campo. O futuro do agro passa, necessariamente, pela mulher”, conclui o especialista.
Fonte: Comunique-se e Anuário do Cooperativismo Brasileiro com adaptações da MundoCoop