O Brasil vive uma das transformações mais profundas do seu sistema financeiro. A digitalização dos serviços, acelerada pela pandemia, trouxe conveniência e eficiência para milhões de pessoas. Mas, junto com os avanços tecnológicos, veio um efeito colateral que atinge sobretudo o interior do país: o fechamento em massa de agências físicas e o consequente isolamento financeiro de comunidades inteiras.
O processo de reconfiguração do sistema bancário simboliza uma mudança cultural tanto para as instituições financeiras quanto os consumidores. Sob este contexto, as agências vêm sendo substituídas pelo aplicativo no celular.
Embora inevitável, a transição escancara a desigualdade digital e geográfica que marca o Brasil. Milhares de cidadãos seguem dependentes do atendimento presencial para resolver tarefas básicas, como receber aposentadorias, contratar crédito ou simplesmente pagar contas.
Fechamentos em alta
De acordo com o Banco Central, 7.252 agências bancárias foram encerradas nos últimos dez anos. O estado de São Paulo lidera o ranking, com 2.737 unidades fechadas, seguido por Minas Gerais e Rio Grande do Sul. O ritmo se intensificou em 2025, quando grandes bancos deram sequência a planos agressivos de reestruturação. O Bradesco encerrou 342 agências e demitiu 2.564 funcionários. O Itaú Unibanco fechou 227 unidades, e o Santander reduziu dezenas de pontos de atendimento.
As instituições justificam as medidas com base na digitalização das operações. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), 82% das transações já ocorrem por celular ou internet. A conveniência para quem domina as plataformas digitais, contudo, tem um custo social alto para quem vive fora dos grandes centros ou não possui familiaridade com a tecnologia.
O que as estatísticas não mostram é o impacto humano desse processo e o vazio econômico deixado pela saída do sistema financeiro em uma cidade.
Cidades isoladas
Uma reportagem do Jornal Nacional, exibida em 11 de outubro de 2025, mostrou o que isso significa na prática. Em Boraceia e Presidente Alves (SP), municípios com cerca de 4 mil habitantes, o fechamento das agências obrigou moradores a viajarem até 50 quilômetros para realizar operações básicas, como saques, aposentadorias e pagamentos.
Nilson Matricardi, aposentado, relatou a dificuldade de se deslocar para cidades vizinhas e a perda de movimento no comércio local. Para ele, o fechamento “fez uma falta muito grande para a cidade, em tudo, no comércio, para todas as coisas do dia a dia”. “A gente não sabe mexer em tecnologia… meu marido é deficiente e precisa do banco aqui”, contou a aposentada Aparecida José Garcia. “
A ausência das agências clientes e o ecossistema regional como um todo. Com menor circulação de dinheiro, o comércio perde movimento e pequenos negócios têm dificuldade de acesso a crédito, fortalecendo o crescimento da economia informal.
Trabalhadores em alerta
Enquanto comunidades enfrentam o impacto do fechamento das agências, sindicatos de bancários em todo o país denunciam demissões em massa e precarização das condições de trabalho.
Entidades representativas de São Paulo, Rio de Janeiro, Cascavel e outras regiões organizaram protestos recentes para chamar atenção ao problema e destacam que a reestruturação do setor tem ocorrido sem diálogo com as categorias afetadas. Além da perda de postos de trabalho, os sindicatos apontam que as metas excessivas e a redução de pessoal comprometem o atendimento e aumentam a pressão sobre os funcionários que permanecem.
Digitalização desigual
A transição para o ambiente digital não ocorre da mesma forma em todo o país, e essa desigualdade se reflete nas consequências sociais do fechamento das agências. Hoje, pagamentos por aplicativos e internet banking já fazem parte da rotina da maioria dos brasileiros. No entanto, o acesso à internet e à educação digital continua desigual. Em áreas rurais e cidades pequenas, a digitalização, em vez de inclusão, aprofunda o isolamento financeiro.
Sem agências por perto, os moradores recorrem a lotéricas e correspondentes bancários, que oferecem serviços limitados e muitas vezes enfrentam problemas de infraestrutura. Esse cenário reforça a necessidade de fortalecer a educação financeira e digital da população, mas, sobretudo, evidencia a importância de modelos de atendimento que conciliem eficiência tecnológica e proximidade territorial.
Cooperativas em expansão
Nesse contexto, as cooperativas de crédito assumem protagonismo. Enquanto os grandes bancos recuam, as cooperativas mantêm presença física próxima das comunidades, oferecendo atendimento humano, crédito acessível e reinvestimento local.
O modelo cooperativo tem se mostrado uma alternativa sustentável e inclusiva, preservando a proximidade e o relacionamento que sempre foram marcas essenciais do sistema financeiro comunitário. O setor está presente em 58% dos municípios brasileiros, com mais de 10,2 mil pontos de atendimento e presença exclusiva em 469 cidades, segundo o Banco Central.
O Sicredi, uma das maiores instituições financeiras cooperativas do país, alcançou recentemente o marco de 3 mil agências em 2,1 mil municípios, sendo a única instituição financeira em mais de 200 deles.
Além da inclusão financeira, as cooperativas estão redefinindo o papel das agências físicas. A Unicred União, por exemplo, inaugurou em Curitiba o The Rochdale Cult, espaço imersivo que mistura consultoria financeira, cultura e memória cooperativista, a fim de espaço imersivo que mistura consultoria financeira, cultura e memória cooperativista, a fim de fortalecer o vínculo entre cooperado e cooperativa e resgatar o valor simbólico dos espaços de convivência.
Esse movimento de expansão e inovação reflete também o impacto econômico gerado pelo cooperativismo financeiro. Em meio à retração das instituições tradicionais, as cooperativas têm sido responsáveis por dinamizar a economia local e gerar novas oportunidades. Estudo da OCB e da FIPE reforça o impacto das cooperativas na economia local: nos municípios onde atuam, o PIB per capita cresce 10%, as vagas de emprego aumentam 15% e o número de empresas sobe 15,6%.
Fonte: Portal do Cooperativismo FInanceiro com adaptações da MundoCoop