Vivemos momentos tortuosos, uma era repleta de inovações e descobertas, com avanços notáveis em diversas áreas do saber. Um dos exemplos mais destacados disso é a Inteligência Artificial (IA), uma tecnologia complexa que demanda um entendimento apropriado, pois serve como um instrumento tanto para o bem-estar da vida humana e do planeta quanto para a exploração e a avareza do ser humano. Esse panorama de importantes descobertas e progressos nos coloca em meio a períodos de tensões econômicas, receios e ansiedades, tanto pessoais quanto coletivas.
A existência humana é diariamente influenciada por aspectos benéficos que visam criar um ambiente mais equilibrado e justo, assim como por fatores prejudiciais que reavivam e intensificam o egoísmo humano. A proteção da vida humana e do planeta nem sempre é prioridade.
Por diversos motivos, é essencial que pessoas de boa vontade, assim como instituições, grupos e outras entidades, se façam unir em defesa dos valores mínimos que assegurem a proteção da vida e a conservação do planeta, um mundo para todos.
Embora ainda seja bastante desconhecido, o modelo cooperativista, como uma forma econômica e social sustentável, tem se destacado em períodos de intensas crises financeiras e sociais em todo mundo. É fundamental que esse sistema seja incentivado e apreciado em todas as partes do planeta.
É importante notar que em certas regiões do Brasil, de acordo com a localização, o sistema cooperativista é visto, valorizado e compreendido, bastante impulsionado pelos ramos agropecuário e de crédito, além dos demais seis ramos (consumo – infraestrutura – saúde – seguros – trabalho, produção de bens e serviços e transporte) que protagonizam também uma verdadeira valorização e promoção do sistema cooperativista. Vale dizer que o ramo seguro, é o mais novo ramo, ampliando “a participação das cooperativas no mercado segurador nacional”, conforme a Lei Complementar nº 213/2025. É o cooperativismo brasileiro demonstrando sua força de organização.
Entretanto, quando observamos maiores centros, inclusive regiões metropolitanas, essa percepção não é tão intensa, o que também se relaciona com a maneira como as interações sociais ocorrem nessas localidades. As cooperativas que operam nesse contexto, ao reconhecerem essa realidade, compreendem a necessidade de fortalecerem ainda mais seus vínculos com a comunidade local. Essa é a razão pela qual o tema deste breve artigo foi escolhido.
Será mesmo desconhecido? Vai depender do ponto de vista. De um lado, é normal ver membros que estão cientes, envolvidos e apoiam suas cooperativas, pois entendem que elas desempenham um papel fundamental em suas experiências e na sociedade. Por outro lado, existem diversas pessoas, incluindo associados, que não têm conhecimento sobre o assunto, até suspeitando dos propósitos apresentados, ou seja, não há um senso de pertencimento cooperativista.
Um outro ponto bem perceptível é que em muitas situações existem significativas parcerias entre cooperativas e empresas privadas ou multinacionais, que proporcionam sucesso para ambas, mas também existem casos de concorrências desleais. Frequentemente em minhas atuações em cursos, palestras e imersões reflito que a competição entre uma empresa cooperativa, independentemente do ramo, e uma empresa privada tende a ser injusta. Dentre outros motivos, isso se deve também ao fato de que a cooperativa é de propriedade de seus membros e, portanto, está ligada à comunidade em que opera, não podendo agir isoladamente em seu dia a dia, nem adotar posturas econômicas ou sociais que não estejam alinhadas aos princípios e à filosofia cooperativa. A finalidade do paradigma cooperativista é que todos ganham, pelo processo da mutualidade. Aqui todo cuidado é pouco para que a natureza e essência das cooperativas não sejam confundidas com práticas que podem desvirtuar a nossa missão de construir um mundo melhor.
O cooperativismo se desponta sempre mais por ser uma via econômica e social que valoriza a vida humana e o coletivo, de forma fundamentada. Nesse contexto, a singularidade de cada um é respeitada, lutando contra o individualismo em sua origem por meio da força da cooperação. Por sua natureza, o cooperativismo pode oferecer muito, já que, como uma filosofia de vida, considera a solidariedade como um motor para o desenvolvimento social e econômico, lembrando que para o sistema cooperativista solidariedade não equivale aos apelos caritativos.
Ao analisarmos a origem do cooperativismo, percebemos que as necessidades profundas dos Probos Pioneiros de Rochdale resultaram em avanços também na educação, alinhando-se aos sonhos e aspirações compartilhadas, sustentadas por crenças, valores e princípios comuns.
Enquanto educador cooperativista por mais de duas décadas, sinto-me constantemente vislumbrado pelos sete princípios, especialmente pelo quinto (educação, formação e informação) e pelo sétimo (interesse pela comunidade). É importante destacar que o sexto princípio (intercooperação), é apontado como “um dos princípios mais desafiadores de se implementar”. Realmente, merece atenção total para que possa responder às demandas que fundamentaram sua criação.
Por vezes, pode ser um pouco desafiador entender um pouco mais da distinção entre a doutrina e a filosofia cooperativa. A doutrina está mais ligada aos fundamentos, valores e orientações da cooperativa que foram criadas pela ACI (Aliança Cooperativista Internacional), sendo mais prática, pois estabelece normas e regulamentos que as cooperativas precisam obedecer. Por outro lado, a filosofia cooperativa transcende as regras, abrangendo uma visão de mundo mais ampla, uma vez que afeta a forma como os indivíduos se relacionam em suas comunidades, promovendo uma perspectiva centrada no bem coletivo e na cooperação.
Mas não há dúvidas que, neste cenário, podemos afirmar que a doutrina e filosofia cooperativista representam a esperança para a criação de um mundo ideal, um mundo desejado por todos, em favor da ajuda mútua. Esse deve ser o princípio que apoia, resguarda e orienta todas as ações cooperativistas a curto, médio e longo prazo.
Embora frequentemente seja injustamente desacreditada — talvez por conveniência —, a ONU (Organização das Nações Unidas), cuja missão primordial é fomentar a paz global, é uma entidade histórica na luta e resistência contra tudo que possa ameaçar o mundo. Vale dizer que a ACI foi uma das primeiras organizações de representação a fazer parte da ONU.
Como uma aliada importante do cooperativismo ao longo de muitas décadas, a ONU declara pela segunda vez o Ano Internacional do Cooperativismo em 2025, com o tema “Cooperativas Constroem um Mundo Melhor”. Essa decisão demonstra a valorização dos impactos sociais, econômicos e ambientais positivos que as cooperativas proporcionam nas comunidades em que operam e das quais não somente fazem parte, mas pertencem a elas, e isso é igualmente verdadeiro para o nosso Brasil. Essa valorização fica ainda mais evidente quando a ONU reconhece e convoca as cooperativas para que contribuam com os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) estabelecidos pela Agenda 2030, que incluem as dimensões econômica, social e ambiental do desenvolvimento sustentável.
De acordo com o Anuário do Cooperativismo Brasileiro de 2024, 23% da força de trabalho encontra-se vinculada ao modelo cooperativo. O total de cooperados no Brasil já alcança 23,45 milhões, representando 11,55% da população, com base em dados recentes do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Em relação aos números de 2023, houve um crescimento de 14,5%. Segundo o Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados), entre 2022 e 2023, enquanto o Brasil registrou uma diminuição de 27,52% nas vagas de emprego formal, o setor cooperativo apresentou um desempenho encorajador, além de indicadores financeiros que evidenciam a solidez deste segmento.
De acordo com informações da ACI que representa as cooperativas globalmente, os integrantes das cooperativas correspondem a pelo menos 12% da população do mundo. Juntas, mais de 3 milhões de cooperativas ao redor do mundo se dedicam a criar um mundo melhor.
Aqui trago à memória o tema do Dia Internacional das Cooperativas de 2013, “A cooperativa se revela forte em tempos de crise”, visto que o modelo cooperativo demonstrou uma impressionante solidez e adaptabilidade em diferentes períodos históricos.
Como um educador cooperativista, afirmo que SIM, a ONU está absolutamente correta ao afirmar que as cooperativas contribuem para um mundo melhor. Elas priorizam as pessoas, geram benefícios econômicos e promovem bem-estar (felicidade), prestam contas aos seus membros, se envolvem profundamente em suas comunidades, criam políticas sustentáveis que protegem a vida humana e o planeta, baseadas em princípios democráticos e, além disso, são altamente bem-sucedidas.
Concluo dizendo que o cooperativismo pode ser ainda de certa forma desconhecido por muitos, especialmente quando há uma oposição quanto a uma jornada coletiva e se insiste num caminho onde se impera o individualismo.
Cresceremos na medida em que nos ajudarmos. Motivados pelas convicções cooperativistas sigamos o caminho de tornar nossas empresas cooperativas, a principal na vida da família associada. O cooperativismo é um fenômeno. Viva cooperativismo! Viva!
*Ney Guimarães é pedagogo e educador cooperativista