Às margens da Lagoa Mundaú, em Maceió, o sururu não é apenas um molusco que enriquece a culinária alagoana –, mas também a fonte de renda de muitas mulheres que, por gerações, tiram da lagoa o sustento de suas famílias.
Vanusa dos Santos Silva, assim como muitas outras marisqueiras, cresceu vendo mães, tias e avós “despinicarem” o sururu – retirando o molusco da casca em condições precárias, muitas vezes sob sol, chuva ou madrugadas intermináveis. “Eu lavava sururu com meu marido, tombar sacos no carrinho de mão, cortava os pés na lama… Era tão pesado que a gente só parava às três da manhã, pra começar de novo no dia seguinte”, relata.
Hoje, porém, uma cooperativa está mudando essa realidade, trazendo dignidade, higiene e reconhecimento ao trabalho dessas mulheres. “Agora a gente trabalha em lugar limpo e tem tempo pra cuidar da família e da saúde”, comemora a marisqueira.
A Cooperativa de Marisqueiras Mulheres Guerreiras (Coopmaris) nasceu de um projeto que uniu ONGs, universidades, empresas e o Ministério Público do Trabalho (MPT). O objetivo era tirar as trabalhadoras da informalidade, combater a exploração por atravessadores e, principalmente, afastar crianças do trabalho infantil – uma triste realidade na cadeia produtiva do sururu.

Antes, o trabalho era feito em bancas improvisadas, com latas de tinta viradas fogões e pó de serra como combustível. “A gente trabalhava de manhã até de madrugada, muitas vezes na chuva, junto com nossas crianças”, lembra Vanessa dos Santos Silva, presidente da Coopmaris.
Hoje, a cooperativa, inaugurada há duas semanas, funciona em um prédio reformado e equipado, com câmara frigorífica e paredes revestidas – tudo financiado por recursos de ações civis públicas do MPT.
O novo espaço foi dimensionado para viabilizar o processamento diário de 1.800 kg de sururu bruto (sururu na casca), que corresponde a 90 sacos ou latas /dia do sururu, forma como tradicionalmente o molusco é entregue às marisqueiras pelos pescadores artesanais.
Com a sede, o sururu é processado em condições higiênicas, com certificação da Universidade Federal de Alagoas (Ufal). “Aqui, a gente lava, peneira, embala. Tudo com qualidade para chegar à mesa do cliente”, explica Vanessa. A meta é processar até sete toneladas por mês do molusco, que já é vendido para hotéis e restaurantes, sem intermediários.
Cidadania, capacitação e autonomia
Além da estrutura física, a Cooperativa de Marisqueiras Mulheres Guerreiras (Coopmaris) garantiu documentos às mulheres. Segundo a ONG Visão Mundial, parceira no projeto, muitas marisqueiras e seus filhos não tinham sequer certidão de nascimento. Também foram oferecidos cursos, preparando as mulheres para administrar o próprio negócio.

“A capacitação se fez necessária por ser o cooperativismo uma realidade que as marisqueiras não detinham conhecimento de como funcionava. Foi necessária capacitação desde a melhor forma de manipular o produto, para garantir higiene durante as etapas do processo de beneficiamento, até como elas devem trabalhar em equipe, cada uma realizando atividades que se complementem e que garantam um melhor resultado financeiro para todas”, explicou a procuradora do MPT Virgínia Ferreira.
“Nosso maior motivador para criar a cooperativa foi buscar melhores condições de trabalho. Sonhávamos com um ambiente digno, organizado, onde pudéssemos processar o sururu com higiene e entregar um produto de qualidade aos clientes. Além disso, valorizamos a força do coletivo – quando unimos esforços, o trabalho se torna mais leve, as tarefas são compartilhadas e tudo flui naturalmente”, fala a presidente da cooperativa.
Combate ao trabalho infantil
Segundo a procuradora, a iniciativa é um modelo no combate à pobreza e ao trabalho infantil. “Há anos foi identificado o labor infantil na cadeia produtiva do sururu, desde a cata do molusco no fundo da lagoa à sua despinicagem. O apoio à cooperativa surgiu com o objetivo de que as marisqueiras pudessem incrementar a renda familiar, ao assumirem a etapa da comercialização do produto, normalmente realizada por intermediário e ao melhorarem as condições de trabalho, usualmente precárias”, relata.
“Mudou completamente nossa vida. Antes, era noite sem dormir; hoje, a gente vê que o sururu pode ser valorizado”, ressalta Vanusa.
A procuradora diz que espera que surjam outras cooperativas, com o apoio do poder público, para se combater a pobreza das trabalhadoras que atuam nessa atividade econômica. “O cooperativismo permite que elas assumam a comercialização, aumentem a renda e mantenham os filhos longe da lagoa”, afirma.
Segundo as cooperadas, o próximo é expandir o modelo para outras comunidades. “Queremos ser reconhecidas no mundo inteiro, que nosso sururu alcance mais pessoas, que nosso esforço seja valorizado”, finaliza Vanessa.
Fonte: Gazeta de Alagoas