Nos últimos anos, o mercado de carbono tem se tornado um grande atrativo no Brasil e no mundo. Utilizando-se da premissa de que os créditos de carbono podem ser a forma de países cumprirem sua parte na agenda sustentável global, esse universo tem ganhado mais volume a cada ano.
Porém, quando o tema entra em discussão, diversas vezes nos direcionamos para grandes empresas e conglomerados que, por emitirem uma quantidade significativa de CO2, buscam no mercado de carbono a “compensação” pelo impacto causado ao meio ambiente. Neste cenário que cresce exponencialmente, onde ficam os pequenos negócios?
Com o desejo de expandir o perfil das pessoas que acessam o mercado de carbono e ainda, criar um modelo de negócio que integre impacto ambiental e social, em julho deste ano surgiu a Associação de Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga, cooperativa criada em Delmiro Gouveia, no Alagoas, e que é pioneira em seu campo de atuação. Iniciativa inédita no país, a cooperativa de carbono inicia um novo momento para o cooperativismo brasileiro, integrando de ponta a ponta a sustentabilidade no contexto da cooperativa. Situada em Delmiro Gouveia, no Alagoas, a Associação ainda integra pessoas com áreas preservadas na caatinga, nos estados da Bahia, Pernambuco e Sergipe.
Após um ano de articulações, a cooperativa surgiu com a parceria de diversas lideranças locais, além de especialistas de diversas áreas. Entre eles, Pedro Soares Neto (proprietário de áreas preservadas), Haroldo Oséias de Almeida (ambientalista) e Nilson Lopes Alves (engenheiro ambiental), residentes em Delmiro Gouveia, Sérgio Xavier (articulador do Centro Brasil no Clima – CBC e ex-secretário de Meio Ambiente e Sustentabilidade de Pernambuco) e Fabiana Couto (Diretora de Mudanças Climáticas da Secretaria de Meio Ambiente e Recursos Hídricos de Alagoas). Além disso, para que o projeto saísse do papel, participaram ainda de sua concepção o SEBRAE, a Universidade Federal de Alagoas, o Colegiado Territorial do Alto Sertão de Alagoas, todos desempenhando um papel fundamental na concepção da nova cooperativa. Somado a todos eles, mais de 70 pessoas dos estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe integraram a reunião inicial que firmou o novo negócio, que em seus primeiros passos já dá sinais de que pode ser o início de uma iniciativa ainda maior, capaz de ser aplicado em diversos biomas do Brasil.
Atualmente em fase de articulação inicial, o projeto busca definir todas as prerrogativas necessárias para que sejam cumpridos os objetivos firmados inicialmente. “A cooperativa está na fase de estudos sobre o melhor formato institucional, buscando integrar mercado de carbono e diversas outras cadeias produtivas regenerativas, como reciclagem, eficiência hídrica, energia solar, bioenergia e sistemas digitais, visando a geração sustentável de renda, negócios e empregos. Neste sentido, uma equipe multidisciplinar está levantando o estoque de carbono das áreas preservadas de associados; modelando o cálculo de captura de carbono; mapeando áreas desmatadas para regeneração da biodiversidade da Caatinga; construindo modelo cooperativo de gestão dos créditos e articulando compradores comprometidos com o desenvolvimento inclusivo e regenerativo do bioma”, explica Sergio Xavier, articulador de inovações do Centro Brasil no Clima (CBC) e desenvolvedor do Lab de Economia Regenerativa do rio São Francisco.
Com um contexto diferente do que o mercado de carbono está habituado, a cooperativa irá trabalhar um novo conceito, intitulado Crédito de Carbono Social, modelo intrinsecamente ligado aos principais objetivos das organizações cooperativas. “O conceito de Crédito de Carbono Social busca agregar valores financeiros referentes a compromissos com inclusão social, capacitação e redução de desigualdades, em regiões que concentram grandes parcelas de pobreza, como ocorre no bioma Caatinga”, explica Xavier.
Diante do ecossistema semiárido da caatinga, o crédito de carbono social funciona como um instrumento que incorpora a justiça social no cálculo da remuneração de créditos de carbono, tornando o negócio justo para os produtores da região. “Como os pequenos produtores rurais possuem pequenas áreas, com volumes modestos de carbono, a cooperativa viabiliza a soma de créditos em maior escala e agrega também outras possibilidades de suportes, rendas e benefícios para os participantes, como a geração cooperativa de energia renovável; sistemas integrados de economia circular, plataformas de gestão digital, orientações técnicas, compras conjuntas etc”, completa.
Segundo Haroldo Oséias de Almeida, Coordenador da Associação dos Produtores de Crédito de Carbono Social do Bioma Caatinga, a cooperativa ainda surge como solução para um dos pré-requisitos para a entrada dos produtores nesse mercado, algo inviável no caso de uma incursão individual. “Aqui as propriedades rurais são compostas de áreas de 10 a 100 hectares; e um projeto de crédito de carbono para ser reconhecido, precisa ter cerca de 10 mil. Com esse modelo, esperamos atingir o limite exigido para que o projeto continue”, explica.
Uma resposta urgente
O mercado de carbono não é mais uma novidade. O modelo, que rapidamente ganhou escala, hoje traz impactos imensos em diversos países que já o colocaram em sua pauta. Segundo estudo da PwC Brasil, os preços do carbono continuam a crescer, com expectativa de alta até pelo menos 2030, quando o comércio de emissões (ETS, em inglês) deve precificar cada unidade em quase 100 euros na Europa. Com crescimento exponencial, o mercado global de carbono ultrapassou U$1 bilhão pela primeira vez em 2021. Além disso, segundo o levantamento “Oportunidades para o Brasil em Mercados de Carbono”, desenvolvido pela Câmara de Comércio Internacional (ICC Brasil), em parceria com a consultoria WayCarbon, o Brasil deve ter uma participação equivalente a U$120 bilhões até 2030, tornando-se um dos principais exemplos do impacto econômico que o mercado de créditos de carbono pode trazer e respondendo por 48% da demanda global, contra 12% registrado em 2021.
Olhando para esse cenário, fica evidente a as oportunidades que se abrem para as cooperativas. Projetos como o implementado na caatinga exemplificam um novo modelo de negócio com grande potencial no Brasil, capaz de trazer resultados econômicos vistosos, no longo prazo. Em um cenário climático à beira de um colapso, pensar em negócios que unam a justiça social com a preocupação ambiental é vital para que sejam mitigados os efeitos de anos de desmatamento e degradação do meio ambiente, que impactam não apenas a qualidade de vida, mas também os negócios, sejam eles grandes ou pequenos. Para Xavier, a Associação nasce em um momento vital. “Considerando estudos científicos que apontam o semiárido brasileiro como uma das regiões mais impactadas pelas mudanças climáticas – com projeções de secas extremas, mais calor e desertificação – é urgente criar uma nova economia regional que possa, simultaneamente, acelerar a superação da pobreza, gerar empregos sustentáveis, regenerar cobertura florestal, proteger a biodiversidade, recuperar bacias hidrográficas, conservar água e impulsionar o desenvolvimento com energias renováveis”, frisa.
Para que a transformação necessária ocorra, é necessário a participação de todos. Neste sentido, a união de diferentes players no processo de criação da cooperativa mostra uma iniciativa que resgata o que o cooperativismo em sua essência: diferentes vozes trabalhando juntas em torno de um bem comum, com impacto não apenas local, mas também em uma cadeia que beneficia da pequena comunidade, ao desenvolvimento de um país como um todo. Xavier destaca que neste momento de restauração do ambiente e resgate da dignidade humana, as cooperativas são o melhor caminho para um resultado efetivo. “Recompor ecossistemas e interconectar processos econômicos com ciclos naturais exige o envolvimento de todos os elos da sociedade e uma cultura colaborativa. E neste aspecto as cooperativas são fundamentais na construção de uma nova economia efetivamente inclusiva, solidária, eficiente e regenerativa”, completa.
Ao se tornar um espaço de intersecção de pessoas, o projeto ganha uma camada com significado ainda maior, promovendo não apenas um trabalho com propósito, mas também criando um ecossistema de troca de conhecimentos e vivência, algo fundamental não apenas para os produtores, mas para os parceiros que embarcaram no projeto. “Este modelo possibilita intercâmbio permanente de conhecimentos, junção de forças, integração de recursos e aceleração de processos, otimizando relações entre cooperados e empresas, governos, financiadores e comunidades, ampliando oportunidades e agilizando resultados”, ressalta Xavier.
Além disso, ao surgir com o meio ambiente desempenhando um papel fundamental em sua estrutura, vemos uma cooperativa capaz de fazer ainda mais, principalmente ao atuar de forma incisiva na agenda sustentável amplamente abraçada pelo movimento cooperativista como um todo. Segundo Haroldo Oséias, ao unir os pilares social e ambiental, cria-se um modelo único e necessário, capaz de iniciar um movimento de mudança global. “Projetos assim ressaltam a importância desses ambientes, além de criar um senso de pertencimento para aqueles que nele convivem. Estamos falando que um bioma que precisa ser protegido, e que pode ser mantido ao mesmo tempo em que gera condições para o desenvolvimento de atividades que estimulem o desenvolvimento social, econômico e ambiental da região. Nosso principal objetivo é garantir, que a vida humana e o ambiente caminhem juntos”, finaliza.
Olhar para uma economia sustentável é primordial. E para alcançá-la, é preciso criar mecanismos para que mercados como o de carbono se desenvolvam de forma bem estruturada, respeitando não apenas o meio ambiente e utilizando-o de forma adequada, mas também tornando indivíduos da sociedade civil parte dos pilares que construirão esse novo momento da economia, respeitando o contexto em que estão. E é nesta missão, que as cooperativas irão desempenhar um papel fundamental. Sejam elas novas, ou centenárias.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop
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