O sólido crescimento do agronegócio brasileiro vem gerando uma transformação na gestão das cooperativas agropecuárias. O setor atingiu participação de 23,2% na economia em 2024, com o valor do Produto Interno Bruto (PIB) chegando a R$ 2,72 trilhões. E grande parte disso passa pelas cooperativas, que somam 1.179 unidades no país, segundo o Anuário do Cooperativismo 2024, elaborado pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
A busca pelo crescimento sustentável, aliada às exigências dos mercados nacional e internacional, tem levado a novos modelos de gestão nas cooperativas, com ajustes e adoção de ferramentas amplamente difundidas no meio empresarial.
“O agronegócio cresceu e hoje é um setor muito competitivo. Adotamos uma gestão profissional, que envolve ações estratégicas desde a produção no campo até a gôndola do supermercado”, ressalta Dilvo Grolli, presidente da Coopavel Cooperativa Agroindustrial, com sede em Cascavel (PR).
Ele lembra que, na década de 1960, quando boa parte das cooperativas começaram a ser formadas, o objetivo era atender o produtor rural no fornecimento de insumos e no armazenamento e compra da produção. Depois, foram despontando as áreas de assistência técnica nas propriedades e a criação das agroindústrias.

“As cooperativas se fortaleceram muito nessa trajetória. Hoje, na Coopavel, temos 8 mil funcionários, entre os quais 250 técnicos que vão a campo, e nossa atuação é muito mais ampla e próxima dos cooperados. Isso exigiu a profissionalização da gestão”, analisa.
Grolli considera que o reflexo da iniciativa é observado nos índices de crescimento da Coopavel. Ele chama a atenção para o aumento de 53% do faturamento, numa comparação entre 2020, com R$ 3,476 bilhões, e 2024, quando a cooperativa faturou R$ 5,321 bilhões. A média anual de crescimento, segundo ele, tem se mantido entre 12% e 15%.
O presidente destaca que as 18 agroindústrias em operação – a mais recente delas, na área de bioinsumos, começou a funcionar em março deste ano -, são responsáveis por mais de 90% da receita da cooperativa. “Para chegarmos a esse patamar, bem diferente do que era no início e com foco no valor agregado da produção, mantemos um planejamento estratégico e pessoas capacitadas, promovendo a somatória de conhecimento e tecnologia”, afirma.
Entre as ações direcionadas ao fortalecimento do negócio, Grolli destaca a Universidade Coopavel – Unicoop -, criada no ano 2000 com o intuito de capacitar colaboradores, associados e familiares para atuarem na cadeia produtiva do agronegócio.
A unidade oferece formação a distância, por meio da plataforma CapacitaCoop. Entre os cursos oferecidos estão formação para conselheiros fiscais, gestão do tempo e prioridade, vendas, aspectos contábeis e tributários de cooperativas, entre outros. A Coopavel também mantém programas de estágios e trainees e vagas para jovem aprendiz.
Para o presidente, a alta competitividade do setor exige competência e estratégias, a fim de que os objetivos ESG, ligados às áreas ambiental, social e de governança, e as metas de crescimento sejam atingidos. “Para isso, adotamos programas que promovem a qualidade e a redução de custos e de desperdícios, com aproveitamento máximo dos nossos recursos – o que é a essência da gestão sustentável, em sintonia com as exigências do mercado, inclusive internacional”, frisa.
Eficiência operacional e Kaizen
A busca pelo crescimento sustentável também tem gerado resultados considerados expressivos na Castrolanda Cooperativa Agroindustrial, sediada em Castro (PR). Segundo a cooperativa, somente em 2024 foram obtidos R$ 22,2 milhões em ganhos financeiros com iniciativas de eficiência operacional e projetos de kaizens – metodologia que visa aprimorar processos e pessoas.
Para a Castrolanda, o ganho financeiro refletiu no resultado líquido da cooperativa, que atingiu R$ 273 milhões no ano passado, e nas sobras distribuídas entre os cooperados, que somaram R$ 116,6 milhões.
Everton Cruz, gestor de Business Process Management Office (BPMO) da Castrolanda, explica que, além da economia financeira, foram reaproveitadas mais de 22.500 horas com ideias de automação e otimização, o que aperfeiçoou o tempo de mão de obra dos colaboradores e contribuiu para a segurança e inovação.
“A excelência operacional é um dos nossos pilares. Conseguimos amarrar o gerenciamento da rotina com o nosso modelo de gestão e promover as melhorias”, comenta Cruz. Com isso, segundo ele, foi possível alcançar melhores indicadores e otimizar o atendimento aos cooperados e clientes.
A cultura vem sendo disseminada para todos os envolvidos nas cadeias de produção da cooperativa por meio de ferramentas de avaliação de qualidade e metodologia DMAIC – que na tradução da sigla original em inglês significa Define (Definir), Measure (Medir), Analyze (Analisar), Improve (Melhorar) e Control (Controlar).

“É uma forma concreta de desenvolver os colaboradores para gerir projetos em seus setores, promover estabilidade e padronização nos processos diante da grande volatilidade do mercado, gerando grandes mudanças e ganhos para a cooperativa”, salienta.
As equipes vêm recebendo qualificação em Lean, Green Belt e Black Belt, que são formações voltadas à resolução de problemas com a aplicação de metodologias. Além dos ganhos financeiros, o gestor aponta otimização em giros de estoque, aumento de produtividade, melhoria da satisfação dos cooperados e redução da carga horária para a execução das atividades.
O cálculo dos ganhos atribuídos a essas ações, em 2024, envolveu mais de 140 colaboradores que realizaram 29 projetos envolvendo dos setores operacionais até o alto escalão da gestão da cooperativa. “Esses projetos resultaram em R$ 15 milhões – do total de R$ 22,2 milhões – de economia”, relata.
O restante dos benefícios – R$ 7,2 milhões -, conforme Cruz, vieram do programa Kaizen. De origem japonesa, o programa que tem como essência a “melhoria contínua”, foi implantado na Castrolanda em 2022. Cruz observa que o conceito Kaizen busca desenvolver os colaboradores e dar autonomia a eles para que possam identificar e implementar oportunidades de melhoria nos processos em que estão inseridos.
Desde então, a cooperativa saiu de 66 Kaizens finalizados em 2022 para 745 em 2024, o que possibilitou o valor obtido em benefícios, seja em redução de custos, seja em aumento do faturamento, além das 22.500 horas reaproveitadas. Segundo a cooperativa, o objetivo é chegar a 1.000 kaizens neste ano e atingir a meta de uma melhoria por colaborador.
Para o diretor executivo da Castrolanda, Seung Lee, o mais importante do Kaizen não é o ganho financeiro, mas a implantação de uma cultura em que as pessoas tenham a visão do que pode ser melhorado ou aprimorado. “Nem tudo irá se transformar em dinheiro, algumas melhorias se transformam em redução de tempo e na melhoria do atendimento. E as pessoas precisam ser protagonistas dessas melhorias”, reforça.
Ritos
A adoção de ritos é uma das características do novo modelo de gestão adotado desde maio de 2023 pela Cooperativa Vinícola Aurora, com sede em Bento Gonçalves (RS). Cassandra Marcon Giacomazzi, gerente de Sustentabilidade da cooperativa, explica que houve uma reestruturação interna, com a descentralização da gestão.
“Não temos um CEO. Optamos por uma gestão compartilhada, com foco no tripé administrativo/financeiro, industrial e comercial”, enfatiza. Antes disso, a estrutura contava com um diretor geral e, abaixo dele, gerentes de setor. O diretor tomava as decisões em conjunto com a direção do conselho administrativo.
Com o novo modelo, as decisões estratégicas são tomadas pelos gestores dos três eixos. Um dos ritos é a reunião de toda segunda-feira de manhã para “botar na mesa” o desempenho da semana anterior e o que está previsto para a semana que começa, buscando superar algum gargalo que possa impactar os setores de produção. “Já percebemos mudanças significativas, inclusive com o aprimoramento de indicadores de performance nas principais áreas de produção”, observa.
Cassandra define a mudança como uma profissionalização da gestão que, segundo ela, faz parte do planejamento estratégico da Aurora para o futuro. A gestão à vista, metodologia usada no meio corporativo com o intuito de tornar acessíveis informações e dados da empresa a todos os colaboradores, é outra ferramenta adotada.
“O compartilhamento de metas e de desempenho demonstra como estamos caminhando e influencia e motiva os colaboradores. Até então, esse monitoramento era de responsabilidade do gestor, hoje os indicadores são monitorados por toda a equipe”, avalia a gerente.

A cooperativa já fez mudanças estratégicas atribuídas ao novo modo de gerenciamento do negócio. Roberto Lazzarini, diretor industrial da cooperativa, conta que os indicadores de performance levaram a um novo direcionamento no segmento comercial: “passarmos a mirar nas pequenas e médias redes de mercados. Continuamos trabalhando com as grandes redes, mas identificamos melhor retorno financeiro e maior reconhecimento da marca nesses estabelecimentos. Decidimos expandir no comércio regional para fidelizar mais consumidores”.
O avanço da gestão compartilhada também resultou na elaboração do primeiro relatório de sustentabilidade da Aurora, que será publicado no segundo semestre deste ano, mais um passo da cooperativa frente às exigências do mercado.
As informações também são repassadas para as mais de 1.100 famílias cooperadas à Aurora, por meio de grupos de whatsapp, programas de rádio, reuniões com os conselhos – administrativo, fiscal e técnico – e com representantes de cada núcleo e comunidade, além das assembleias.
“O crescimento é um conjunto de ações de todos, do produtor cooperado, passando pela indústria até o trabalho lá na ponta, da entrega ao consumidor”, afirma Lazzarini.
A Aurora projeta atingir o primeiro bilhão de faturamento em 2026. Em 2024, o faturamento foi de R$ 841 milhões, 7% a mais que o ano anterior.
Programas conduzem alterações
A profissionalização da gestão das cooperativas agrícolas, com a adoção de novos modelos de administração e de programas de eficiência, tem conduzido a alterações de processos e melhorias.
Na Cooperativa Vinícola Aurora, algumas ações estão sendo realizadas nas unidades industriais como projetos piloto. Uma das ferramentas é o monitoramento por meio de tecnologia. Roberto Lazzarini, diretor industrial da cooperativa, explica que as linhas de produção contam com sensores que enviam sinais para tablets e monitores para avaliação, por meio de gráficos e dashboards, da eficiência e da produtividade. Com isso, a Aurora vem investindo na melhoria de processos nas unidades.
Entre os exemplos está a aquisição de novos equipamentos para otimização da produção e redução de desperdício. Na tancagem – recipientes de armazenamento do vinho – as pipas ou barris de madeira vêm sendo substituídos por tanques de aço inox, com maior controle da temperatura e facilidade de manutenção. Além disso, máquinas para envase têm sido adotadas para evitar perdas. Manutenção de máquinas, contagem de estoque e rastreabilidade dos produtos também estão passando a ser monitorados de maneira automatizada.
Cassandra Marcon, gerente de Sustentabilidade, revela que deve ser implantado o caderno de campo digital, para rastreabilidade da produção desde o campo. “Atualmente, o processo já é rastreado, mas ainda é feito de forma manual por parte dos produtores rurais”, conta.
Melhorias
Na Castrolanda, entre os exemplos de projetos que trouxeram resultados estão ações de melhorias no giro de estoque de fertilizantes na unidade agrícola de insumos, com otimização de frete e aumento da taxa de ocupação dos caminhões.
Outro projeto viabilizou a redução do índice de perda de rações nas unidades de produção de leitão da cooperativa. E outra iniciativa trouxe a melhora da logística dos caminhões nas unidades de armazenamento, em período de safra, com redução do tempo de fila, uma vez que a colheita das culturas ocorre praticamente ao mesmo tempo para a maioria dos produtores de cada região.
“Os responsáveis por cada projeto estudam a problemática e trazem as propostas de solução com estabilidade, que resultam em benefícios”, comenta Everton Cruz, gestor de BPMO da cooperativa.
Há três anos, a Castrolanda realiza uma premiação para reconhecer os melhores projetos em programas como o de Eficiência Operacional, Kaizen, Programa 5S, e projetos em segurança, disciplina financeira, transformação digital, inovação e satisfação de cooperados, entre outros.
Entre os ganhadores da edição de 2024 estava a unidade de Recepção e Secagem da Castrolanda de Piraí do Sul, que ficou em primeiro lugar na categoria Programa 5S. O encarregado de produção, Gildo Iaskievitz, destacou que a participação e o engajamento de cada um foram fundamentais para o sucesso do 5S.
“As ideias e sugestões foram importantes para alcançar os resultados e o nosso ambiente de trabalho se tornou mais agradável e seguro”, avaliou, durante a premiação.
Fonte: Globo Rural