Kiwanuka foi nomeado diretor regional da Aliança Cooperativa Internacional – África (ACI-África) em junho, trazendo consigo uma vasta experiência e paixão pelo desenvolvimento centrado nas pessoas.
Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória — o que a levou ao movimento cooperativo e, eventualmente, à ICA África?
Minha jornada começou nos cafezais do Quênia, onde vi em primeira mão como uma única cultura podia sustentar comunidades inteiras – educando crianças, construindo casas e oferecendo esperança. Para minha família e muitas outras, a cooperativa de café local era mais do que um centro de negócios, era o coração da nossa comunidade. Era onde as pessoas se reuniam para tomar decisões democraticamente, juntando recursos para financiar escolas, clínicas e o desenvolvimento local.
Essa experiência inspirou minha pesquisa de doutorado sobre as cadeias globais de suprimento de café, onde explorei estratégias para melhorar a renda de pequenos agricultores. O que descobri foi surpreendente: embora o café gere bilhões no comércio global, os pequenos agricultores muitas vezes permanecem o elo mais pobre da cadeia. No entanto, também encontrei histórias de esperança, como a criação da Cooperativa de Exportadores de Café do Quênia, que deu aos pequenos agricultores acesso direto aos mercados e a melhores preços.
Essas experiências reforçaram minha convicção de que as cooperativas não são apenas entidades econômicas, mas sim veículos de empoderamento e dignidade. Essa crença foi o que me levou à ICA África, onde agora trabalho para fortalecer esse modelo em todo o continente.
Como é um dia típico para você?
Meu dia começa cedo – geralmente por volta das 6h30. Nenhum dia é exatamente igual ao outro, e é isso que torna este trabalho tão energizante.
Algumas manhãs começam com discussões sobre políticas públicas ou sessões de estratégia; outras são dedicadas a interagir com movimentos cooperativos, explorando como podemos alinhar seus esforços com a agenda global da ACI. Uma grande parte da minha função é conectar governos, parceiros de desenvolvimento e líderes cooperativos para garantir que as cooperativas tenham o apoio jurídico, financeiro e institucional adequado para prosperar.
Há também muita coordenação com cooperativas, pesquisadores e especialistas técnicos para garantir que nosso trabalho se traduza em impacto real para os membros no terreno. E dedico tempo à mentoria de jovens profissionais e ao trabalho com parceiros em programas que impulsionam a inclusão, a inovação e a sustentabilidade.
Embora a agenda esteja cheia, cada dia gira em torno de uma missão central: ajudar as cooperativas na África a se tornarem mais fortes, mais visíveis e melhor integradas à história do desenvolvimento do continente. E meu dia geralmente termina da mesma forma que começa: refletindo sobre como podemos tornar a voz das cooperativas ainda mais forte em toda a África.
De que forma as cooperativas africanas estão contribuindo para a Agenda 2063 da União Africana ou para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da ONU?
As cooperativas são, em muitos aspectos, os motores silenciosos da transformação em África. Elas promovem diretamente os objetivos da Agenda 2063 e dos ODS, abordando as próprias questões priorizadas por esses marcos: redução da pobreza, segurança alimentar, trabalho decente, igualdade de género e produção sustentável.
Em toda a África, as cooperativas estão construindo economias locais desde a base – ajudando os agricultores a acessar mercados e educação, melhorando o acesso à saúde e ao bem-estar, aumentando o empoderamento econômico das mulheres, expandindo o acesso à energia renovável e permitindo que os jovens criem empregos em vez de esperar por eles. O que as torna únicas é que elas não apenas criam valor econômico, mas também constroem capital social e confiança dentro das comunidades.
Ao refletirmos sobre o assunto, percebemos que o modelo cooperativo incorpora o espírito da visão da Agenda 2063 para “A África que Queremos” – autossuficiente, inclusiva e ancorada na prosperidade compartilhada. É um desenvolvimento que surge de dentro, não como caridade, mas como empoderamento.
Resumindo, as cooperativas estão transformando esses marcos de desenvolvimento em ações concretas no nível comunitário. Elas são a expressão prática do desenvolvimento sustentável inclusivo.
De que forma a ICA África está a trabalhar com as partes interessadas no desenvolvimento cooperativo para criar ambientes mais favoráveis?
Estamos fazendo isso em várias frentes. Primeiro, apoiando o desenvolvimento e a harmonização de leis e políticas cooperativas que facilitem o crescimento e o sucesso das cooperativas. Também trabalhamos em estreita colaboração com governos, líderes cooperativistas e parceiros para fortalecer a capacidade e aprimorar a governança. Nosso papel é tanto técnico quanto estratégico – reunindo pessoas, compartilhando evidências de impacto e traduzindo os princípios cooperativistas em políticas práticas.
Um importante passo em frente foi dado durante a 14ª Conferência Ministerial Africana sobre Cooperativas, em outubro de 2025, onde o Parlamento Pan-Africano lançou a Lei Modelo sobre Cooperativas, desenvolvida a partir das conclusões da Análise do Quadro Jurídico realizada pela ACI África em 18 países no âmbito da parceria ACI-UE. O estudo sublinhou a necessidade de uma legislação cooperativa harmonizada em toda a África, abrindo caminho para um quadro modelo que promova uma governança mais forte, inclusão e sustentabilidade.
Durante a mesma conferência, foi criada a Plataforma Regional de Desenvolvimento Cooperativo para trabalhar em estreita colaboração com o Comitê Técnico da Conferência Ministerial Africana sobre Cooperativas. Isso cria um mecanismo de colaboração para impulsionar o desenvolvimento cooperativo em todo o continente, garantindo que as cooperativas façam parte da agenda mais ampla de transformação social e econômica da África.
Na sua opinião, qual é a maior oportunidade — e a maior ameaça — para o movimento cooperativo em África?
A maior oportunidade reside na juventude e na tecnologia. A África tem a população mais jovem do mundo e, se conseguirmos canalizar sua energia e criatividade para o empreendedorismo cooperativo, o movimento poderá redefinir a forma como os negócios são feitos neste continente. As plataformas digitais também estão abrindo novas portas para a inclusão financeira, o acesso ao mercado e a inovação dentro das cooperativas. Há um potencial incrível para construir uma nova geração de cooperativas modernas — tecnologicamente avançadas, sustentáveis e globalmente conectadas.
A maior ameaça, no entanto, é a fragmentação e a falta de visibilidade. Muitas vezes, as cooperativas trabalham isoladamente, com pouca coordenação e reconhecimento. Precisamos contar melhor as nossas histórias, medir o nosso impacto de forma mais eficaz e construir redes mais fortes entre países e setores.
Se conseguirmos fazer isso — e acredito sinceramente que conseguimos — as cooperativas não apenas contribuirão para o desenvolvimento da África, como também ajudarão a moldar o seu futuro.
Fonte: The Co-op News com adaptações da MundoCoop












