Por muito tempo, falar em liquidez soava quase como um tabu no empreendedorismo brasileiro. “Exit” era sinônimo de desistência, e circulava a crença de que, ao fazer uma saída, o empreendedor automaticamente perderia o interesse em empreender. Mas o amadurecimento do ecossistema trouxe uma nova leitura: liquidez não é linha de chegada. É o ponto de partida para novas ambições e novas funções na jornada empreendedora e para o fortalecimento do Efeito Multiplicador.
Atualmente, oito em cada dez empreendedores brasileiros já se preparam para um evento de liquidez até 2027 — dado do estudo Founder Liquidity in Brazil, realizado pela Endeavor. E este é um momento pivotal na jornada de todo empreendedor.
Secundárias e M&As ganham protagonismo
Se no passado os IPOs concentravam o imaginário, hoje secundárias e M&As lideram as estratégias. As secundárias aparecem como a forma mais comum de liquidez no curto prazo, enquanto os M&As devem se intensificar nos próximos três a cinco anos. Já os IPOs surgem no horizonte mais distante: muitos fundadores só os enxergam como possibilidade real no Brasil a partir de 2030.
O contraste com o boom de 2021 é marcante. Naquele ano, 45 empresas abriram capital na B3 e levantaram R$ 127 bilhões. Desde então, o país caminha para o quarto ano consecutivo sem um IPO. Juros altos, volatilidade cambial e incertezas políticas têm adiado listagens, e o ambiente de captação se tornou mais restrito e seletivo. Nesse intervalo, secundárias e aquisições ganharam espaço. Os exemplos recentes são expressivos: a compra da ClearSale pela Experian por US$ 350 milhões, o aporte de US$ 300 milhões da Conta Azul pela Visma e a secundária de US$ 125 milhões da Contabilizei com a Warburg Pincus.
Secundárias: transparência que gera confiança
Secundária não significa desmotivação com o negócio. Apenas 5% dos empreendedores têm a sucessão ou a saída da empresa como motivação. A maioria busca liquidez para planejamento patrimonial (77,5%) ou por razões familiares (32,5%). Hoje, empreendedores tratam secundárias como parte da estratégia de negócio. Em rodadas maiores, elas podem até equilibrar o excesso de capital primário.
As conversas com investidores, que antes começavam com desconfiança, agora acontecem com maior alinhamento, fortalecendo a posição do empreendedor e dando confiança para seguir sonhando grande. Um exemplo emblemático foi a rodada de R$ 855 milhões levantada pela Omie, a maior de 2025 no Brasil até agora, estruturada majoritariamente em secundária e que garantiu saída parcial a fundos.
O sweet spot dos M&As
Bons M&As são construídos com anos de antecedência, e o deal certo combina valuation e objetivos do fundador sobre o futuro do negócio. O caso da RD Station ilustra bem: Eric Santos e Guilherme Lopes queriam continuar liderando, e não apenas vender. A escolha da TOTVS como parceira nasceu dessa clareza, resultando em uma das maiores aquisições de software do país.
No Brasil, essas transações acontecem cedo, muitas vezes na Série B, quando valuations ainda são considerados viáveis e há mais compradores estratégicos. Já em estágios mais avançados, as expectativas sobem e o número de interessados diminui. Ainda assim, M&As tardios podem alcançar valuations tão bons (ou até melhores!) que IPOs, como mostraram os casos de Pismo e 99, companhias construídas com visão global desde o primeiro dia.
Esse caminho é a maior oportunidade para saídas totais, que permitem novas jornadas no ecossistema. Mas, para que um M&A seja de fato um trampolim e não um beco sem saída, é preciso atenção às regras da parceria: governança, autonomia e alinhamento cultural. A clareza do fundador sobre seu papel no pós-deal, inclusive em eventuais transições de liderança, costuma ser tão decisiva quanto o preço final.
IPOs: visão de longo prazo
O IPO permanece como um marco aspiracional: 32,2% dos empreendedores o apontam como caminho mais alinhado aos seus valores. Mas a visão amadureceu. Não se trata mais de enxergá-lo como destino final, e sim como uma estratégia complexa de capitalização, com enormes demandas operacionais e culturais.
Os fundadores que já viveram esse processo reforçam que o dia em que se toca o sino é apenas o começo. Marcos Galperin e Stelleo Tolda, por exemplo, permaneceram mais de 15 anos na liderança executiva do Mercado Livre após o IPO — sinal de compromisso de longo prazo que sustentou a trajetória da companhia.
Esse comprometimento é essencial também para os times. A abertura de capital traz consigo conferências de resultados, oscilações diárias no preço da ação, cobertura intensa da imprensa e uma enxurrada de críticas e elogios. Sem preparação, a equipe pode se distrair ou até se desestabilizar diante de fatores fora do controle da empresa.
A liquidez potencializa o efeito multiplicador no ecossistema
A liquidez muitas vezes é vista como o sucesso final, mas na verdade, ela é a porta de entrada para construção de novas histórias de empreendedorismo. Um case brasileiro que ilustra isso é a venda da 99 que, além de trazer liquidez para os fundadores Paulo Veras, Renato Freitas e Ariel Lambrecht, beneficiou cerca de 20 early employees. Desse movimento surgiram novas empresas como Kovi, Swap e Alice. A liquidez acelera o Efeito Multiplicador, com empreendedores abrindo novos negócios, mentorando e investindo na nova geração de empreendedores. Com isso, quando um empreendedor realiza valor para perseguir novas ambições, todo o ecossistema prospera.
Fonte: Forbes