O ensino superior em cooperativismo no Brasil tem meio século de trajetória. Desde a criação do primeiro curso em 1975, o país consolidou uma base acadêmica dedicada a preparar profissionais para atuar em organizações que combinam desempenho econômico e compromisso social. Essa formação especializada ajudou a estruturar um campo de estudos que, ao longo das décadas, passou a ser reconhecido por sua capacidade de formar lideranças, ampliar a profissionalização da gestão e oferecer respostas para desafios sociais e econômicos.
A Universidade Federal de Viçosa (UFV) foi a instituição pioneira nesse processo. Ao sediar o primeiro curso de cooperativismo do país, a UFV se tornou referência nacional e internacional na área. Em 2025, o curso chegou aos 50 anos ininterruptos de funcionamento, um marco que celebra a resiliência de uma proposta acadêmica e a sua relevância para o setor.
Em entrevista exclusiva à MundoCoop, Pablo Murta, coordenador do curso de cooperativismo da UFV, e lembrou que a UFV foi responsável por formar o primeiro contingente de profissionais especializados em cooperativismo do Brasil, que hoje ocupam posições estratégicas em diferentes ramos do movimento. “Os egressos da UFV contam com uma formação robusta e diversificada. Eles estão habilitados a atuar nos mais diversos ramos do cooperativismo e têm se inserido com sucesso no mercado de trabalho desde a primeira turma formada em 1975”, destacou Pablo.
Trajetória marcada por mudanças
A história do curso de cooperativismo na UFV é marcada por transformações nos âmbitos acadêmico, pedagógico e institucional. Essas mudanças acompanharam tanto o amadurecimento do setor no Brasil quanto a necessidade de adequação às exigências de cada época.
Segundo Pablo, a primeira grande alteração ocorreu 16 anos após a criação do curso, quando ele foi transformado em bacharelado em Administração com habilitação em Administração de Cooperativas. O coordenador explica que essa decisão ampliou a visibilidade do curso dentro e fora da universidade, além de aproximar a formação acadêmica das demandas do mercado. “Essa mudança foi fundamental porque abriu novas possibilidades no mercado. A grade curricular incorporou disciplinas de administração, mas manteve conteúdos específicos do cooperativismo, como planejamento, constituição de cooperativas e estudos de viabilidade de empreendimentos coletivos. Isso deu mais densidade à formação”, explicou.

Em 2001, outra mudança relevante foi implementada. O curso passou a se chamar Bacharelado em Gestão de Cooperativas. A decisão foi tomada para dar mais espaço para disciplinas relacionadas à gestão social e reduzir a carga mais tradicional de administração. “Nesse período, entraram disciplinas como tipologia cooperativista, educação cooperativista e teoria cooperativista, fortalecendo a identidade acadêmica ligada diretamente ao movimento”, afirmou o coordenador.
A configuração atual foi estabelecida em 2009, quando o curso passou a se chamar simplesmente Cooperativismo. De acordo com Pablo, essa mudança buscou reequilibrar a formação, integrando novamente conteúdos administrativos à matriz curricular sem perder de vista a dimensão social. “Retomamos conteúdos de administração, como gestão de pessoas e análise financeira, mas também reforçamos temas ligados à economia solidária. Essa composição ampliou o leque de atuação dos nossos egressos e respondeu melhor às demandas do mercado”, disse.
Em 2025, novas disciplinas foram incluídas em decorrência das tendencias globais. Segundo o coordenador, a adição de novas matérias garante uma atualização permanente e alinhada às transformações do setor no ensino cooperativo. “Acrescentamos governança e inovação, duas áreas centrais para o futuro do cooperativismo. Nossos estudantes já saem preparados para lidar com essas temáticas, que estão cada vez mais presentes nas organizações do setor”, explicou Pablo.
Formação multidisciplinar e impacto social
Hoje, o curso é multidisciplinar e abrange administração, ciências sociais aplicadas e conteúdos ligados ao desenvolvimento sustentável. Essa integração tem o objetivo de ampliar o campo de atuação dos formados, conta Pablo.
Além disso, a proposta pedagógica do curso busca valorizar tanto a teoria quanto a prática, oferecendo aos estudantes a oportunidade de desenvolver competências técnicas e comportamentais em diferentes contextos. “Os nossos alunos podem trabalhar em cooperativas, associações, ONGs, fundações ou até criar seu próprio negócio. A formação oferece um conjunto de competências que vão além do conhecimento técnico, envolvendo também habilidades de gestão, comunicação, mediação e trabalho em equipe”, destacou.
Essa perspectiva se conecta a temas centrais no debate global. Na UFV, esses temas são parte do currículo, integrados às disciplinas, aos projetos de extensão e às pesquisas que dialogam diretamente com as demandas da sociedade. “Os principais desafios que enfrentamos hoje são sustentabilidade e inclusão social, sem perder de vista a segurança alimentar. A UFV tem tradição na área agropecuária, e o curso prepara profissionais capazes de atuar em cooperativas que lidam diretamente com a produção e a distribuição de alimentos”, explicou Pablo.
Segundo ele, a inserção prática é decisiva. O coordenador ressalta que os estudantes têm contato direto com cooperativas desde os primeiros períodos, vivenciando a autogestão, a democracia participativa e a gestão de projetos reais. Essa experiência cria um elo concreto entre a universidade e o setor. “Nossos alunos participam de projetos de extensão e de pesquisa, além de estágios em cooperativas. A experiência prática complementa a formação teórica e garante que eles estejam preparados para propor soluções inovadoras no setor”, acrescentou.
A empresa júnior Campic, criada em 1996, é um exemplo desse vínculo e exemplifica como a extensão universitária pode aproximar a formação acadêmica das necessidades concretas do cooperativismo. Ao longo de quase três décadas, ela se consolidou como um espaço de experimentação e aproximação dos estudantes com os desafios reais das cooperativas.



Renovação geracional e projeção para o futuro
A renovação de lideranças é um dos grandes desafios do cooperativismo, especialmente em um setor que depende da participação democrática e da sucessão de gestores preparados. Esse tema, cada vez mais presente em debates nacionais e internacionais, também orienta as ações da UFV.
Nesse cenário, a universidade busca integrar a formação técnica à vivência prática, garantindo que os jovens tenham contato com a realidade das cooperativas. A UFV tem trabalhado de forma direta para enfrentar essa questão. “O curso oferece uma variedade de oportunidades para a vivência de liderança, como a empresa júnior, o centro acadêmico e a incubadora de cooperativas populares. Os estudantes também participam de projetos de extensão que os colocam em posição de protagonismo desde cedo”, afirmou Pablo.
De acordo com o coordenador, esse processo é estratégico para garantir a continuidade do movimento. “Os nossos egressos se destacam não apenas pela formação técnica, mas também pela visão social e pela capacidade de liderança. Eles estão preparados para assumir cargos de gestão e liderar processos de inovação dentro das cooperativas”, avaliou.
Na visão de Pablo, o legado central do curso nesses 50 anos é a formação de um capital humano qualificado e comprometido. “O curso ajudou a consolidar o cooperativismo como campo de estudo no Brasil e contribuiu para profissionalizar a gestão das cooperativas. Ao longo das décadas, nossos egressos transformaram comunidades, fortaleceram organizações e difundiram valores cooperativistas”, disse.
Para o futuro, as metas estão voltadas à inovação e à internacionalização. O coordenador defende a modernização constante da matriz curricular, associada ao fortalecimento de parcerias nacionais e internacionais. “Queremos modernizar permanentemente a matriz curricular, incorporando temas como transformação digital, ESG e governança cooperativa. Também buscamos fortalecer parcerias internacionais e consolidar a UFV como referência latino-americana no ensino de cooperativismo”, concluiu Pablo.
Por João Victor, Redação MundoCoop