A transparência é um dos pilares centrais do cooperativismo, mas torná-la efetiva na prática exige mais do que boas intenções. Envolve, sobretudo, comunicação clara, participação ativa dos cooperados e o uso estratégico de ferramentas digitais que tornem a prestação de contas acessível, segura e contínua. Diversas cooperativas pelo país já estão investindo em plataformas tecnológicas para aproximar a gestão dos seus membros, reforçando a confiança e a legitimidade do modelo cooperativista.
Num cenário em que a confiança institucional está no centro das relações e decisões, as cooperativas têm buscado novas formas de fortalecer sua governança. A transparência — princípio essencial do cooperativismo — não é apenas uma diretriz ética, mas um diferencial estratégico. E, nesse contexto, as tecnologias digitais emergem como aliadas fundamentais. Elas não só viabilizam a prestação de contas com mais eficiência, como também facilitam a participação ativa dos cooperados, promovem o sentimento de pertencimento e consolidam relações baseadas no respeito e na corresponsabilidade.

Com isso, sistemas cooperativos estão adotando plataformas digitais que vão muito além da digitalização de processos burocráticos. Elas tornam possível ampliar o alcance das assembleias, facilitar o voto remoto, automatizar relatórios e, principalmente, aproximar os cooperados da gestão. Para Catia Schaffer Tomaz, coordenadora de Governança Cooperativa da Central Ailos, o principal desafio da transparência nas cooperativas consiste em transformar informações técnicas em conteúdo compreensível e relevante.
“O desafio da transparência passa por engajar o cooperado, mostrando que a boa governança começa com sua participação ativa. Quando ele entende que sua voz tem peso, se interessa, se envolve e passa a confiar mais na gestão” – Catia Schaffer Tomaz, coordenadora de Governança Cooperativa da Central Ailos
“A transparência não é só publicar números ou disponibilizar relatórios. É preciso despertar no cooperado o interesse em participa e em se reconhecer como parte ativa do processo decisório. Muitos ainda não percebem que acompanhar as assembleias, votar e exercer seu papel como dono do negócio é um dever e um direito. Assim, o desafio da transparência passa também por formar e engajar o cooperado, mostrando a ele que a boa governança começa com sua participação ativa. Quando o cooperado entende que sua voz tem peso, ele se interessa, se envolve e passa a confiar ainda mais na gestão”, explica.
Para isso, ela afirma que “uma gestão transparente e eficaz só é possível com participação. E essa participação vem da compreensão. Por isso, adaptamos a linguagem e diversificamos os canais para alcançar perfis distintos de cooperados.”
Com 14 cooperativas filiadas, o Sistema Ailos apostou no desenvolvimento de uma plataforma própria: a Hallo. Com funcionalidades como votação online, resultados em tempo real, transmissão ao vivo e disponibilização de documentos, a ferramenta se tornou essencial na realização de assembleias digitais. Desde sua implementação, já foi usada em mais de 1.400 eventos em 2025, envolvendo mais de 241 mil participações.
“A Hallo foi pensada para contemplar tanto os eventos presenciais quanto os digitais, com total integração aos sistemas internos. Isso garante segurança, padronização e eficiência”, explica Catia. A praticidade também fortalece a governança: ao eliminar barreiras físicas e ampliar o acesso à informação, a plataforma permite que mais cooperados participem, analisem as pautas com antecedência e votem com consciência. “As votações são auditáveis, os dados ficam registrados, e conseguimos usar essas informações para melhorar continuamente a experiência do cooperado.”
Para o futuro, o Sistema Ailos planeja evoluir a plataforma com novos painéis de BI (Business Intelligence) e funcionalidades que tornem a gestão de eventos ainda mais estratégica. “Investir em tecnologia é investir na participação do cooperado ao longo de todo o ano, não apenas em datas específicas. Queremos fomentar uma cultura de pertencimento constante”, adianta a executiva.

Na Coopersystem, cooperativa de tecnologia da informação, a preocupação com a transparência também resultou em inovação. Foi assim que surgiu a Curia, uma plataforma desenvolvida para realizar assembleias digitais, com funcionalidades que incluem o registro de presença, votações em tempo real e eleições de conselhos. A solução foi adotada por cooperativas como Cogem, Expocaccer e Unimed Federação Rio, que destacaram sua segurança e facilidade de uso.
“É necessário que a gestão adote uma comunicação clara e simples. O uso de relatórios e apresentações visuais pode facilitar a compreensão, garantindo que as informações sejam compreensíveis para todos os cooperados, independentemente de sua formação” – Fernanda Sant’Anna, Analista de Relacionamento e Negócios da Coopersystem
“Existem inúmeros tipos de ferramentas digitais para diferentes finalidades. Sistemas como o Curia fortalecem a confiança ao permitir que os cooperados acompanhem as assembleias e decisões em tempo real, de forma transparente e acessível. Isso promove um sentimento de inclusão e participação ativa, essencial para construir confiança entre os membros”, diz Fernanda Sant’Anna, Analista de Relacionamento e Negócios da Coopersystem.
Ela acrescenta que, além disso, a utilização de tecnologias de segurança e proteção de dados garante que as informações sejam tratadas de maneira íntegra e responsável, fomentando uma relação de maior credibilidade e segurança nas interações entre a gestão e os cooperados. “Com a utilização de plataformas de gestão financeira e de Business Intelligence, é possível gerar relatórios financeiros detalhados que promovem transparência sobre a situação fiscal da cooperativa. Assim, a centralização das informações em uma intranet, juntamente com a automação na gestão de documentos e finanças, minimiza a dispersão de dados e melhora. Desenvolvemos o Curia com uma interface simples e intuitiva, garantindo que até os cooperados com menos familiaridade tecnológica consigam participar ativamente”, explica.
Durante a pandemia, a ferramenta foi oferecida gratuitamente às cooperativas associadas à OCB – Organização das Cooperativas Brasileiras, o que acelerou sua adoção e consolidou sua reputação como plataforma cooperativista voltada à governança digital, sendo adotada por mais de 250 cooperativas de todo o Brasil. “Dessa forma, o Curia foi apresentado a essas cooperativas como uma solução prática que combina segurança, usabilidade e eficiência. O feedback positivo dos usuários e a demonstração de benefícios tangíveis, como maior participação e transparência, além do fato de ser um sistema desenvolvido por uma cooperativa e inicialmente pensado para cooperativas, destacaram o Curia como um diferencial no mercado”, completa Fernanda.
Aposta na estratégia digital
O Sicoob, um dos maiores sistemas cooperativos financeiros do Brasil, também tem investido fortemente em soluções digitais para aproximar os cooperados da gestão. Um dos destaques é o Moob, aplicativo que permite a realização de assembleias online com transmissão ao vivo, votação segura e acesso direto às informações da cooperativa.

Segundo Brunno Giordano, superintendente de Tecnologia de Sistemas de Pagamentos e Ecossistemas Digitais do Sicoob, a plataforma foi criada para atender à crescente demanda por participação digital. “O Moob nasceu da necessidade de tornar as assembleias mais acessíveis e inclusivas. Desta forma, as assembleias online, que contam com diversos recursos como transmissões ao vivo, votações seguras e acesso direto às informações da cooperativa, atingem milhares de cooperados, independentemente de onde estão, especialmente num cenário em que o comportamento digital se intensifica.”
A segurança da informação é uma prioridade. O Moob utiliza criptografia de ponta a ponta, autenticação de múltiplos fatores e trilhas de auditoria. “O desafio é manter a usabilidade sem abrir mão da robustez tecnológica. E isso só é possível com evolução constante da plataforma”, comenta Brunno.
E não parou por aí: o Sicoob também lançou o Super App Sicoob, que integra soluções não somente financeiras em um único ambiente. O objetivo é criar uma jornada digital completa, conectando o cooperado às decisões da cooperativa e às suas operações do dia a dia. “Estamos integrando os recursos do Moob ao Super App para oferecer uma experiência fluida e acessível. Através de interfaces intuitivas e acessíveis, buscamos aproximar ainda mais os cooperados da gestão, garantindo agilidade, segurança e praticidade no dia a dia”, detalha.
“A tecnologia é uma aliada da inclusão e nosso foco é seguir ampliando os canais digitais, sem perder o vínculo humano que caracteriza o cooperativismo, garantindo que a participação seja sempre ampla, democrática e significativa” – Brunno Giordano, superintendente de Tecnologia de Sistemas de Pagamentos e Ecossistemas Digitais do Sicoob
O resultado já pode ser visto nos números. A Sicoob Credicitrus, por exemplo, alcançou 40,2% de presença nas assembleias em 2024 — um aumento expressivo impulsionado pela digitalização. “A participação remota é uma tendência que veio para ficar. E nossa missão é garantir que essa transformação digital aconteça sem perder os valores humanos do cooperativismo”, observa Giordano.
O que vem por aí: cooperativas pretendem ampliar funcionalidades das plataformas
As experiências da Ailos, Coopersystem e Sicoob mostram que a tecnologia tem potencial de transformar a relação entre cooperativa e cooperado. Mais do que ferramentas operacionais, as plataformas digitais se tornaram instrumentos de fortalecimento institucional, transparência real e confiança mútua.
Fernanda Sant’Anna, Analista de Relacionamento e Negócios da Coopersystem, afirma que a plataforma Curia tem planos de expansão. Entre as funcionalidades previstas estão salas virtuais para reuniões de conselhos, geração automática de atas, transcrição de falas durante assembleias e novos relatórios de gestão. Outra inovação é o Boti, uma ferramenta baseada em inteligência artificial que permite aos cooperados acessar informações da cooperativa de forma rápida e segura. “Com o Boti, o cooperado consulta atas, regulamentos e estatutos sem depender de atendimento humano. É uma forma de democratizar o acesso ao conhecimento sobre a gestão”, diz.
Ela reforça que ferramentas como intranets, redes sociais internas, boletins digitais, aplicativos e assistentes virtuais ajudam a manter uma comunicação permanente com os cooperados. “Relatórios bem apresentados, documentos digitalizados e linguagem clara fazem parte do processo. Quando o cooperado tem acesso a tudo isso a qualquer momento, ele se sente respeitado e se engaja mais”, reforça.
No caso do Sistema Ailos, que optou por desenvolver uma plataforma própria para a realização de assembleias que contemplassem tanto os eventos digitais quanto os presenciais, a solução foi desenhada de forma alinhada às necessidades específicas do modelo cooperativo. Por isso, o foco está em aprimorar continuamente a plataforma, tanto na experiência oferecida aos cooperados quanto nas funcionalidades voltadas ao time responsável pela gestão dos eventos. “Reforço que todas essas mudanças impactam a importância de evoluir com novas funcionalidades e o desenvolvimento de painéis estratégicos de gestão (BI). Essas melhorias irão aumentar a eficiência operacional, qualificar o planejamento e fortalecer a comunicação e o engajamento dos cooperados nas decisões da cooperativa”, destaca Catia Schaffer Tomaz, coordenadora de Governança Cooperativa da Central Ailos.
Brunno Giordano, superintendente de Tecnologia de Sistemas de Pagamentos e Ecossistemas Digitais do Sicoob, diz que a tendência é de crescimento da participação remota, sobretudo entre os públicos mais jovens e conectados. “Esse formato proporciona conveniência e inclui cooperados que antes tinham dificuldades para comparecer presencialmente às assembleias. A tecnologia é uma aliada da inclusão e nosso foco é seguir ampliando os canais digitais, sem perder o vínculo humano que caracteriza o cooperativismo, garantindo que a participação seja sempre ampla, democrática e significativa”, finaliza.
Por Leticia Rio Branco

Reportagem exclusiva publicada na edição 124 da Revista MundoCoop