A 30ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30) encerrou a sua primeiro edição em território amazônico na última sexta-feira (21). Durante as últimas duas semanas, o estado de Belém (PA) recebeu governos, especialistas, empresas e lideranças sociais para discutirem soluções para acelerar a transição energética, financiar a adaptação climática e impulsionar um desenvolvimento sustentável ao redor do mundo. Nesse cenário, o cooperativismo brasileiro se consolidou como ferramenta estratégica com participação ativa em diálogos políticos e na construção de iniciativas para viabilizar o plano de crescimento sustentável.
Os debates presentes na COP30 trouxeram luz às discussões a respeito de energia limpa, bem-estar animal, bioeconomia e serviços ambientais. Nessas questões, cooperativas de todas as regiões do Brasil participaram de negociações com ministérios e organizações privadas a fim de contribuir para os acordos direcionados à criação de políticas públicas.
“Desenvolvimento, inclusão e sustentabilidade se constroem com cooperação, e o cooperativismo está pronto para entregar ao Brasil e ao mundo soluções concretas para os desafios do século 21”, afirmou Márcio Lopes de Freitas.
Transição energética e infraestrutura sustentável
Essa participação ativa abriu caminho para que a agenda energética ganhasse mais força ao longo da conferência. As discussões sobre energia ocuparam espaço central na COP30, especialmente nos debates sobre transição justa, economia circular e redução de emissões. No Pavilhão do Coop, cooperativas de diferentes regiões demonstraram como geração distribuída, biometano e renovação de frota já são realidades nas cadeias produtivas. Em Minas Gerais, o Projeto Minascoop Energia reúne dezenas de cooperativas que produzem energia solar e destinam parte da geração a entidades sociais, iniciativa que amplia impacto e conecta desenvolvimento local à transição energética.
No Paraná, a Primato apresentou o programa Suíno Verde, que transforma milhões de litros de dejetos suínos em biometano utilizado como combustível na própria cadeia produtiva. A cooperativa, que já opera caminhões movidos exclusivamente a biometano, reduz emissões e custos operacionais com a substituição do diesel por energia limpa. A iniciativa, além de demonstrar o empenho da cooperativa para a gestão ambiental, auxilia também na atividade pecuária. “Hoje já operamos seis caminhões totalmente movidos a biometano, e a meta é que toda a cadeia de suínos seja transportada com combustível limpo”, explicou Juliano Millnitz, diretor executivo da Primato.
Bioeconomia e políticas públicas
Além da energia, as discussões avançaram para a bioeconomia e a valorização das cadeias da sociobiodiversidade, um dos pilares centrais da COP30. Ao longo dos dias, a bioeconomia amazônica esteve no centro das discussões. Nesse assunto, cooperativas extrativistas mostraram, por meio da organização produtiva e da agregação de valor, como transformar riqueza ambiental em valor econômico e garantir permanência e desenvolvimento do território. A Cooperativas de extrativistas e agricultores familiares do Acre (Cooperacre) apresentou sua experiência em verticalização, com agroindústrias de castanha, borracha, frutas e óleos. O projeto assegura renda e autonomia para milhares de famílias do estado. Alberto “Dande” de Oliveira Tavares, assessor da cooperativa, defendeu o papel do extrativismo organizado para fortalecer cadeias sustentáveis. Para ele, diversificar a base produtiva garante renda e resiliência às comunidades. “A cooperativa nasceu para garantir renda, logística e permanência no território”, afirmou.
Nessa mesma direção, o lançamento do Coopera+ Amazônia marcou um dos anúncios mais relevantes da conferência. O programa, criado pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC) em parceria com o Sebrae e o Fundo Amazônia, destinará R$ 107 milhões para apoiar 50 cooperativas extrativistas da Amazônia Legal por meio de assistência técnica, inovação e maquinário, a fim de fortalecer cadeias como castanha, babaçu, cupuaçu e açaí.
Com mais de 9 mil famílias beneficiadas, a iniciativa inaugura uma política federal para a bioeconomia amazônica. O vice-presidente Geraldo Alckmin destaca a importância da proposta para gerar renda e reforça que fortalecer cooperativas extrativistas é decisivo para uma economia baseada na floresta em pé. “O Coopera+ Amazônia marca um novo ciclo de desenvolvimento na Amazônia. Fortalece quem vive da floresta, amplia renda e leva inovação para dentro das cooperativas”, afirmou.
O setor privado também reforçou a agenda de desenvolvimento sustentável. A Natura apresentou mecanismos de financiamento combinados, como crédito, fundo filantrópico e assistência técnica, para potencializar negócios da sociobiodiversidade.
A empresa de cosméticos destacou que o sucesso da bioeconomia depende da governança e da capacidade de entrega das cooperativas, condição essencial para ampliar escala e impacto socioambiental. “Trabalhar em rede é o único jeito de ampliar impacto. O crédito só funciona porque as cooperativas são organizadas e têm governança”, explicou Izabella Gomes, coordenadora de Sustentabilidade da Natura.
Ainda, os debates sobre serviços ambientais e restauração florestal avançaram. As experiências apresentadas pelas cooperativas Coopercitrus, Coomflona, Reca e Cresol Horizonte mostraram iniciativas que restauram nascentes, ampliam segurança hídrica e agregam valor produtivo. A relevância de políticas integradas também foi destacada pelo governo federal, que reforçou a necessidade de mecanismos de PSA alinhados à realidade amazônica.
Pacote de Belém
Além dos debates setoriais, a COP30 também foi marcada pela aprovação do Pacote de Belém, um conjunto de documentos negociados entre 195 países e considerado o maior avanço institucional da conferência. O material estabelece diretrizes para acelerar a transição justa, ampliar financiamento climático, fortalecer políticas de adaptação e reconhecer grupos historicamente invisibilizados como protagonistas da agenda climática.
- Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF): Cria um mecanismo inédito de pagamento para países que preservam florestas tropicais. Já mobiliza US$ 6,7 bilhões e funciona como fundo de investimento, remunerando investidores e recompensando conservação.
- Triplicação do financiamento para adaptação até 2035: Compromisso global de ampliar recursos para adaptação, incluindo metas para elevar aportes de países desenvolvidos a nações em desenvolvimento.
- Documento Mutirão (financiamento anual de US$ 1,3 trilhão): Estratégia contínua de mobilização financeira envolvendo governos, bancos e setor privado, com meta de alcançar pelo menos US$ 1,3 trilhão anuais até 2035.
- 122 países com NDC atualizadas: A conferência encerrou com 122 nações apresentando novas Contribuições Nacionalmente Determinadas, alinhadas ao Acordo de Paris e com metas atualizadas de redução de emissões.
- Meta Global de Adaptação – 59 indicadores: Governos apresentaram um conjunto de 59 indicadores voluntários para monitorar avanços em áreas como água, saúde, agricultura, infraestrutura e ecossistemas.
- Diretrizes de transição justa focadas em pessoas: O pacote reforça que políticas climáticas devem priorizar populações vulneráveis. Pela primeira vez, afrodescendentes são mencionados em documentos oficiais da COP.
- Plano de Ação de Gênero: Expande financiamento, estrutura institucional e liderança de mulheres, especialmente indígenas, afrodescendentes e rurais, nas decisões climáticas.
- Ambição coletiva: Inclui dois mecanismos:
- Acelerador Global de Implementação: para apoiar países na execução de NDCs e planos de adaptação.
- Missão Belém para 1,5 °C: plataforma de ação conjunta para aumentar ambição em mitigação, adaptação e investimentos.
- Mapa do Caminho (combustíveis fósseis): Embora não tenha sido aprovado por falta de unanimidade, seguirá como agenda prioritária para os próximos meses, com o Brasil liderando as negociações até 2026.
Seguro e proteção ao produtor
As discussões sobre bioeconomia dialogaram diretamente com outra pauta importante para o setor cooperativo, a adaptação climática por meio de seguros mais acessíveis e eficientes. A discussão sobre seguro ganhou novo patamar na COP30, marcada pelo avanço regulatório que permite às cooperativas brasileiras atuar diretamente no setor.
No Fórum de Sustentabilidade em Cooperativismo e Seguros, especialistas nacionais e internacionais destacaram que o seguro se tornou peça central da adaptação climática, especialmente em um contexto de eventos extremos e perdas recorrentes.
Ao abrir o encontro, Tania Zanella ressaltou que a mudança regulatória cria condições para ampliar acesso, reduzir riscos e fortalecer a proteção ao produtor. “Agora temos a oportunidade de transformar também a cultura do seguro no nosso país”, defendeu.
A convergência entre seguro e cooperativismo foi reforçada por entidades internacionais. O presidente da ICMIF Américas, Andres Elola, destacou que ambos os modelos compartilham lógica de solidariedade e governança coletiva, condição essencial para enfrentar riscos climáticos crescentes. O dirigente defende que eventos extremos a ampliação de mecanismos de proteção estruturados em modelos com forte governança indispensáveis. “O seguro é ideal para o cooperativismo. Eles compartilham valores e propósitos”, afirmou.
A relação entre seguro, crédito e desenvolvimento também orientou debates com representantes do BNDES e da Frente Parlamentar da Agropecuária. O banco ressaltou que cooperativas possuem capilaridade e estrutura adequadas para levar proteção financeira a regiões pouco atendidas pelo sistema tradicional, condição que melhora o risco de crédito e viabiliza investimentos rurais. Além disso, a necessidade de modernizar a legislação e ampliar linhas específicas para adaptação climática foi reforçada por parlamentares no decorrer das discussões.
Agricultura de baixo carbono e inovação produtiva
Após os debates sobre proteção financeira, o setor agropecuário encerrou a COP30 como protagonista nas discussões sobre segurança alimentar, eficiência produtiva e redução de emissões. Na Green e Agri Zone, produtores, cientistas e cooperativas mostraram como manejo adequado, ciência tropical e governança coletiva já transformam territórios.
Sob este tema, experiências da Cocamar e da Coplana evidenciaram como integração lavoura-pecuária-floresta e logística reversa fortalecem sistemas produtivos e reduzem emissões. O Sistema Campo Limpo, da Coplacana, hoje referência nacional, nasceu dentro do cooperativismo e se tornou política pública depois de resultados consistentes em reciclagem e reaproveitamento, como explicou José Antonio Rossato Junior, representante da cooperativa. Para ele, o modelo só ganhou escala porque uniu a participação dos produtores e o comprometimento ambiental em todas as etapas da cadeia. “Algo que começou como uma solução para um problema local virou referência para a lei de logística reversa e para a Política Nacional de Resíduos Sólidos”, explicou.
A pecuária sustentável também ganhou destaque com pesquisas da Embrapa e parcerias com cooperativas de crédito. O curso de Boas Práticas Agropecuárias, desenvolvido em conjunto com cooperativas, qualifica técnicos e produtores para adoção de manejo mais eficiente, contribuindo para bem-estar animal e captura de carbono.
A parceria visa ampliar escala e viabilizar tecnologias acessíveis para milhares de produtores, como afirmou Fernando Luiz Vidigal, consultor de agronegócios do Sicoob CCS, ao apresentar os resultados da capacitação.
Por fim, o cooperativismo, mais uma vez, evidenciou a sua força e a importância da busca por alternativas para a mitigação dos impactos da produção no meio ambiente. O setor mostrou que possui capilaridade, governança estruturada e modelos produtivos capazes de escalar práticas sustentáveis em todas as regiões do país. A participação nos painéis da COP30 ainda mostrou que o cooperativismo já opera novas tecnologias e promove inclusão financeira.
A articulação construída ao longo da conferência reforçou que o país avança quando políticas públicas, setor produtivo e cooperativas atuam de forma integrada. “Acreditamos e vivemos diariamente a importância de estarmos unidos num ecossistema cooperativo, do qual governo, empresas, reguladores e cooperativas fazem parte. Estes acordos comprovam que o cooperativismo é parte das soluções que o Brasil apresenta ao mundo.”, afirmou o presidente Márcio Lopes Freitas.
Por Redação MundoCoop












