Em Crateús, a cerca de 350 km de Fortaleza, um grupo de mulheres vem mostrando que o cooperativismo é mais do que uma forma de produzir: é um instrumento de transformação social. À frente da Cooperativa da Agricultura Familiar dos Sertões de Crateús (Cooperagri), 20 agricultoras familiares trabalham de forma coletiva para levar alimentos frescos às cozinhas do programa Ceará Sem Fome, iniciativa do Governo do Estado voltada ao combate à insegurança alimentar.
A parceria, iniciada em 2023, já resultou na comercialização de cerca de R$ 60 mil em produtos locais, como cheiro-verde, pimentinha e jerimum, que chegam semanalmente à mesa de milhares de cearenses.
Para além dos números, o projeto tem fortalecido o protagonismo feminino e a renda de famílias rurais por meio de geração de autonomia econômica e da criação de uma rede solidária entre as cooperadas, que compartilham aprendizados e oportunidades.
Priscila Melo, diretora-geral da Cooperagri, destaca que o cooperativismo tem permitido às mulheres ocuparem espaços antes dominados por homens, transformando a agricultura em um ambiente de empoderamento e inclusão. “A gente assumiu esse desafio na diretoria geral da Cooperagri e estamos tentando construir esse processo transformador, especialmente na vida das mulheres agricultoras. O protagonismo da cooperativa hoje é fortalecer e fomentar a ideia das mulheres como um processo de autonomia da sua história e do seu trabalho diretamente na agricultura familiar”, afirma.
Cooperação e impacto
O trabalho coletivo da Cooperagri garante que as agricultoras locais tenham acesso a oportunidades que, de forma individual, seriam inviáveis. A cooperativa centraliza a documentação necessária, organiza a produção e acompanha os editais de licitação do programa estadual, permitindo que as cooperadas participem de processos que exigem formalização e regularidade.
Com isso, a cooperativa atua como elo essencial entre o campo e as políticas públicas, assegurando a qualidade dos produtos entregues e o cumprimento de prazos, elementos que consolidam sua credibilidade junto ao Ceará Sem Fome.

“O fortalecimento da independência e da renda vem por meio de eventos de formação e da participação em espaços onde as próprias cooperadas assumem a liderança.” – Priscila Melo, Diretora-Geral da Cooperagri
“O papel da Cooperagri, em conjunto com o programa, é reunir pessoas e trabalhar de forma coletiva. Embora alguns agricultores possam acessar o programa individualmente, a participação é mais efetiva quando estão organizados em cooperativa”, explica Priscila.
Essa integração entre cooperativas e programas sociais reflete uma tendência nacional. Segundo o Anuário Brasileiro da Agricultura Familiar 2025, o cooperativismo reúne mais de 1 milhão de produtores rurais, sendo 71% da agricultura familiar. Municípios com cooperativas registram, em média, incremento de R$ 5,1 mil no PIB por habitante, demonstrando o poder do modelo na geração de renda e desenvolvimento regional.
O levantamento também revela que o rendimento médio dos trabalhadores rurais aumentou 5,5% em 2025, e que o desemprego entre mulheres do campo atingiu o menor índice desde 2015, o que sinaliza o fortalecimento de políticas públicas voltadas à igualdade e à inclusão produtiva. Municípios com cooperativas registram, em média, incremento de R$ 5,1 mil no PIB por habitante, demonstrando o poder do modelo na geração de renda e no desenvolvimento regional.
Autonomia feminina
Trabalhar em conjunto tem proporcionado às agricultoras não apenas ganhos econômicos, mas também crescimento pessoal e social. As formações oferecidas pela Cooperagri ajudam as cooperadas a compreender o valor de sua produção e a ocupar espaços de decisão dentro da comunidade.
Essa mudança de perspectiva reflete um avanço observado em todo o país. O Anuário da Agricultura Familiar mostra que o desemprego entre as mulheres do campo atingiu, em 2024, o menor nível desde 2015, e a escolaridade feminina rural aumentou significativamente.
A presença feminina em cargos de liderança nas cooperativas também tem se consolidado. 41% dos cooperados no Brasil são mulheres, e elas já representam 52% da força de trabalho no setor, segundo o levantamento. Isso mostra que a agricultura familiar está se tornando um espaço de protagonismo feminino e de transformação social.
A profissionalização, por sua vez, tem permitido que mais mulheres assumam papéis de liderança, como ocorre em Crateús. “Trabalhar de forma cooperada vai além da simples venda para mercados. O objetivo principal não é apenas o lucro, mas a ajuda mútua, a complementaridade e a cooperação. A independência se constrói ao mostrar novas realidades e ao reforçar que as agricultoras não estão sozinhas, há muitas outras mulheres com experiências similares, que tiram da terra o seu sustento”, ressalta a diretora.
Perspectivas das ações pela segurança alimentar
Para que a agricultura familiar continue crescendo e fortalecendo a segurança alimentar, a estruturação física das cooperativas é um ponto-chave. No caso da Cooperagri, ainda falta uma sede própria para recebimento e distribuição dos produtos, o que limita a expansão das vendas e o alcance a novos mercados.
Mas, mesmo assim, o impacto social da iniciativa é inegável e aponta caminhos para políticas públicas mais conectadas à realidade local. Para Priscila, o fortalecimento das cooperativas depende da criação de políticas estruturantes que garantam acesso a crédito, infraestrutura e formação técnica. Sem isso, o avanço tende a se concentrar em poucas regiões. “Nosso principal desafio hoje é a falta de espaço e infraestrutura física. Acreditamos que essa é uma dificuldade comum a outras cooperativas. Queremos ter um centro de distribuição, absorver toda a produção dos nossos agricultores e incluir mais famílias”, destaca.


A representante da Cooperagri também reforça que a integração entre programas sociais e cooperativas deve se pautar na valorização dos produtos regionais, estimulando uma cadeia alimentar mais justa e sustentável. Ela defende o fortalecimento de políticas que incentivem cardápios regionais, capazes de respeitar a sazonalidade e promover alimentos produzidos localmente, para, assim, fortalecer a economia do campo. “É fundamental que políticas públicas mantenham uma relação direta com cooperativas e agricultores locais para a construção de cardápios regionalizados. Fortalecer os produtos locais é uma forma de potencializar a agricultura familiar e adaptar a alimentação à realidade de cada território”, conclui Priscila.
Com o fortalecimento de parcerias como a da Cooperagri com o Ceará Sem Fome, o Ceará mostra que combater a fome também é um ato de valorização da agricultura familiar. Um esforço coletivo que garante o alimento na mesa e, sobretudo, o reconhecimento das mulheres que fazem o campo florescer.
Políticas de continuidade
O fortalecimento do cooperativismo no campo também depende da continuidade de programas públicos como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), que em 2024 registrou o maior número de agricultores beneficiados desde 2016, com 82,5 mil participantes.
Essa expansão mostra que políticas de compra institucional são essenciais para garantir escoamento da produção e renda estável aos agricultores. Quando associadas a cooperativas, essas políticas se tornam ainda mais eficazes devido a ampliação do alcance dos benefícios e a segurança do cumprimento de exigências legais e sanitárias. “Esses programas são fundamentais para garantir o acesso ao mercado e o fortalecimento da agricultura familiar. É através deles que conseguimos transformar o esforço diário do campo em alimento de qualidade na mesa de quem precisa”, finaliza Priscila.
Por João Victor, Redação MundoCoop