O paradoxo do trabalho com propósito
Por anos, fomos incentivados a buscar um trabalho que nos preencha de significado. “Faça o que ama e nunca precisará trabalhar um dia sequer na vida”, diziam. Mas e quando amar o que se faz vira uma armadilha? Quando a paixão pelo trabalho se transforma em um fardo invisível que desgasta a mente e o corpo?
Esse é o novo burnout. Não é o esgotamento da pessoa que odeia sua função e só conta os dias para o próximo feriado. Pelo contrário: são profissionais apaixonados pelo que fazem, mas que, justamente por isso, se sentem culpados por desacelerar. São professores que passam madrugadas planejando aulas, médicos que carregam a dor dos pacientes, empreendedores sociais que abrem mão da própria saúde para salvar o mundo.
A armadilha da autorrealização
O problema não é o propósito em si, mas o peso emocional que vem com ele. Quando o trabalho deixa de ser só um emprego e passa a ser um reflexo da identidade, cada obstáculo vira uma crise existencial. Você não está apenas atrasado num projeto – sente que falhou na sua missão de vida.
Essa lógica afeta principalmente profissionais de impacto, como psicólogos, assistentes sociais e ativistas. Mas qualquer um pode cair nessa cilada: o designer que vê sua arte como legado, a jornalista que busca dar voz aos invisibilizados, o líder que sente a responsabilidade de transformar vidas.
Sinais de alerta: quando a paixão vira exaustão
Se você sente que seu trabalho nunca é suficiente, que precisa estar disponível o tempo todo e que descansar parece um luxo egoísta, cuidado. Pode ser que o propósito tenha se transformado em uma cobrança invisível. Outros sinais incluem:
Sensação de culpa ao tirar férias ou recusar demandas.
Incapacidade de desconectar do trabalho, mesmo em momentos de lazer.
Fadiga constante, insônia e queda de produtividade.
Sentimento de frustração, mesmo realizando algo importante.
Como equilibrar propósito e bem-estar
O segredo não é desistir do que se ama, mas aprender a colocar limites saudáveis. Algumas estratégias incluem:
Desconectar-se sem culpa: seu valor não está atrelado à sua produtividade.
Redefinir sucesso: impacto não precisa ser imediato, e pequenas conquistas também importam.
Criar rituais de descanso: hobbies e tempo livre não são perda de tempo – são investimento em sua saúde mental.
Cobrar mudanças nas organizações: o bem-estar precisa ser parte da cultura corporativa.
Propósito e exaustão não precisam andar juntos. É possível amar o que se faz e, ainda assim, respeitar os próprios limites. No fim, a maior revolução que podemos fazer é entender que cuidar de nós mesmos também faz parte da missão.
Se o seu trabalho é transformar a sociedade, lembre-se: você também faz parte dela. Cuide-se!
*Taís Di Giorno, jornalista com 24 anos de experiência no cooperativismo financeiro, criadora e apresentadora do Programa Café Cooperativo e autora do livro com o mesmo nome.

Coluna exclusiva publicada na edição 122 da Revista MundoCoop