Hoje, sendo associada de cooperativa de crédito e sócia de cooperativa de trabalho de educação corporativa corro o risco de achar que sempre vivi nesse movimento. É preciso resgatar as raízes, uma época em que os termos da moda corporativa fizeram – ou não – sentido.
Em novembro de 2010, lembro-me muito bem, conheci o termo “Mundo VUCA”. O tal mundo volátil, incerto, complexo e ambíguo parecia representar a realidade vivida na empresa e setor em que eu estava naquele momento: o call center de uma instituição financeira. Os termos e conceitos nos preparavam para reagir às incertezas e mudanças. Reagir! “É o sistema”, “as taxas são imprevisíveis já que variam na virada da meia noite”, “nunca peça desculpas, não admita o erro da empresa”, eram apenas algumas formas de reagir ao problema em questão. A reação não me parecia nada contributiva ao cliente, soava combativa. A centralidade das empresas estava em sua imagem e seus números.
Com os estudos e olhares voltados para o capitalismo consciente no início deste século o lucro passou a “pegar mal” quando acabava em si mesmo. As grandes empresas passaram a declarar que seus negócios não eram restritos à geração de lucro, mas também a valores de bem-estar social. Na época em que o termo foi difundido no Brasil, a empresa em que eu trabalhava também surfou na crista da onda, oferecendo parcerias com universidades, cursos de línguas e até academias, o desconto oferecido era o diferencial, era o cuidado com os colaboradores (que não seriam mais chamados de funcionários a partir de então). Será que essas práticas bastavam para que a empresa se enquadrasse no modelo de capitalismo consciente, como no caso citado? Por que agrados e cuidados acessórios com os colaboradores tornariam mais ou menos repreensivo o lucro? Por que a tal consciência desse modelo só abarcava quem estava dentro da empresa? E nesse contexto, indo e vindo diariamente pela Marquês de São Vicente, na região central da Zona Oeste de São Paulo, eu olhava pessoas em situação de rua e praças sem qualquer manutenção e não conseguia entender a responsabilidade social empresarial.
São tantos os termos de modelos corporativos, sem falar nos que emprestamos do inglês para representar a rotina profissional. Me atrevo a citar a Indústria 4.0, que se propõe a promover processos cada vez mais tecnológicos; a Economia de Plataforma que acompanha o comportamento do consumidor utilizando a tecnologia das plataformas digitais; a própria Transformação Digital, tão presente em nosso cotidiano, que mostra o dualismo: de um lado a economia digital, que permite maior produtividade e de outro lado o ESG, que contribui para a era digital, mudando a maneira como as empresas se relacionam interna e externamente; o Capitalismo de Stakeholder que busca o alinhamento dos objetivos de todas as parte da relação empresarial. São modelos e experiências válidas, mas vale a reflexão: são as mudanças no mundo que estão influenciando as empresas ou as práticas das empresas é que podem contribuir para as mudanças no mundo? Acredito na segunda opção, afinal de contas “negócios devem fazer as pessoas melhores”, nas palavras de Raj Sisodia, especialista em capitalismo consciente e empresas humanizadas.
A visão de que as empresas poderiam exercer responsabilidade social começou a ser apreciada no final do século XX, enquanto o cooperativismo nasceu da necessidade de prosperidade coletiva, lá em 1844. Nascemos do compartilhamento das adversidades, ideias e soluções, bem como da crença firme de que ninguém perde quando todo mundo ganha. Nossos valores, desde sempre, preconizam a centralidade no coletivo. Diante das adversidades nos unimos para sermos mais fortes, juntos. A comunidade e os parceiros crescem com as cooperativas, só assim faz sentido e colocamos em prática os conceitos que dão identidade ao movimento: cooperação, transformação e equilíbrio.
E é assim que nascemos para ser: com a missão de zelar pelo desenvolvimento econômico e social. Acreditamos que aí deve estar a balança equilibrada. Quando um crédito é concedido da forma adequada e diante da real necessidade de um associado, propiciamos o desenvolvimento social e não apenas o econômico. O mesmo acontece diante da negativa de um crédito, oferecendo educação financeira e organização.
Levamos à sério os princípios cooperativistas, são nossos norteadores, e o 7º deles é o interesse pela comunidade. Nada mais justo do que fomentar o crescimento da comunidade local, que tanto contribui, confia e faz a cooperativa ser o que é. Nesse sentido, a FIPE traz dados que muito nos orgulham e enchem de confiança em nosso movimento: a cada 35 mil reais de crédito concedido, um emprego formal é criado na região, além de que o PIB per capita é 5,6% maior em municípios que possuem cooperativas de crédito. Nosso olhar está no associado e na comunidade, pois são nossa razão de existir.
Desde o nascimento o cooperativismo olha para a força do todo, para a renda justa e proporcional ao trabalho e para o equilíbrio do econômico e social, do individual e do coletivo e da sustentabilidade na produtividade. Acreditamos e trabalhamos para que prosperemos nós, a comunidade e o mundo. Não pararemos. Como diz Tiago Schmidt, presidente da Sicredi Pioneira, “a evolução se desenrola na direção de uma crescente complexidade, que é acompanhada por uma elevação do nível de consciência (do indivíduo e das organizações)”.
*Juliana Fendel é Educadora e Gerente de Projetos na Cooperativa Coletiva
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