Sivaldo Luz põe uma colherzinha de açúcar na sua xícara de café, mesmo a contragosto de outros familiares e de um engenheiro-agrônomo que acompanha a produção de grãos arábicas já premiados e classificados como “café especial”.
Um turista que chega para visitar sua produção em Ibicoara (BA), no coração da Chapada Diamantina, incrédulo, afirma: “não acredito que o senhor vai botar açúcar nesse café delicioso e com notas de chocolate?”, enquanto Luz ri e serve o café no meio de sua agrofloresta de cerca de quatro hectares.
O produtor defende que o cafezinho tem que ser preparado de acordo com as memórias de cada pessoa e que as dele são ‘adoçadas’ pelas histórias de pai e mãe, também agricultores familiares baianos, que plantavam café na década de 1960. É também por isso que ele coloca açúcar no café e defende que cada um tome seu cafezinho como preferir, mesmo que especialistas digam que o açúcar altera o sabor do grão torrado e moído.
Essas memórias estimularam o produtor a não parar de plantar café, mas incrementando o quintal produtivo com banana, morango, usando de sombra cedro australiano. Luz conta que o café fez com que ele e a família não deixassem o campo, apesar dos conselhos maternos de “buscar uma vida melhor na capital Salvador, ou em outros Estados brasileiros”.
“Minha mãe passou muitas dificuldades. Ibicoara teve uma crise econômica que fez com as pessoas dizimassem o café, sem nem imaginar que estavam acabando com um tesouro. Só ficou banana. Hoje, eu cultivo muitas variedades e uso os bananais pra proteger o cafezal”, destaca.
As práticas sustentáveis no cafezal de Luz têm dado diferença em produtividade e resistência da planta ao estresse hídrico, como contou à Globo Rural. O próximo passo é investir em tecnologias, como a rastreabilidade, para incrementar mais o valor de seu produto e, em especial, a gestão de sua propriedade.
Rastreabilidade
No Dia Mundial do Café, comemorado em 14 de abril, a Serasa Experian divulgou uma pesquisa que aponta que rastrear o grão tem se consolidado como atividade essencial ao setor, em particular, por comprovar a origem e o percurso do café — do campo ao porto, em caso de exportação.
Segundo o estudo, 95,6% dos produtores de café no país já operam em conformidade com critérios ESG (ambientais, sociais e de governança). “Essa reputação abre portas e agrega valor ao produto brasileiro, tanto no mercado interno quanto no exterior”, afirma, em nota, Marcelo Pimenta, head de agronegócio da Serasa Experian.
“Ter acesso a crédito com condições vantajosas depende, cada vez mais, de uma reputação ESG sólida e comprovada. Isso vale especialmente para pequenos e médios produtores, que precisam estar prontos para mostrar não só boa conduta financeira, mas também responsabilidade socioambiental”, complementa Pimenta.
Por meio da plataforma Cafés do Brasil, criada em parceria com o Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (Cecafé), a Serasa oferece tecnologia para acompanhar toda a cadeia — dos produtores diretos aos armazéns e cooperativas.
Com dados de fontes públicas e oficiais, a ferramenta permite que exportadores comprovem, com segurança e em tempo real, que o grão vendido segue boas práticas socioambientais. “Hoje, cerca de 75% de todo o café originado no Brasil passa pelas nossas soluções de análise de risco”, destaca Pimenta.
Indicação Geográfica
Parte desse café vem da Chapada Diamantina que, desde o ano passado, passou a ter selo de Identificação Geográfica (IG) por Denominação de Origem, o que tem ajudado a produtores divulgarem suas produções para turistas que chegam à região em busca de cachoeiras e, mais recentemente, de café.
Sivaldo Luz, que hoje preside a Cooperativa dos Produtores Rurais de Ibicoara e Chapada (Copric), é um defensor do “terroir” da Chapada, assegurado por meio de práticas sustentáveis de cultivo, acrescenta. Para ele, que prioriza a cobertura de solo com palhada para manter a umidade do Sítio Canjerana, nome de sua propriedade e que homenageia a árvore homônima presente no lugar, aumentar a produção é sinônimo de aumentar a sustentabilidade.
Além disso, trabalha com plantio orgânico e adora exibir os benefícios que conquistou para as plantas de café. Os maiores orgulhos do produtor, como ele próprio conta, são as mudas de café crioulo – da década de 1960 – que mantém em sua lavoura. São mudas de café que praticamente não foram clonadas, sequer são de sementes de plantas estudadas por pesquisadores. Ao contrário, são “café raiz”, diz ele.
Luz é enfático ao falar que café é mais do que uma bebida energética, e sim um momento para refletir, apreciar, lembrar da infância, por isso, diz ele, cada um toma como quiser, adoça ou não adoça, mas não deixa de tomar “ao menos uma xícara pela manhã e depois do almoço”.
Preço alto não reduz consumo
O consumidor brasileiro não deixa de tomar café pelo preço. Muda de marca, mas continua com o hábito. É o que concluiu um levantamento inédito feito entre janeiro de 2024 e março de 2025 a partir de dados de consumo de quase três milhões de trabalhadores que utilizam um aplicativo da empresa brasileira VR, que gerencia benefícios de vale-refeição. Foram 5 milhões de notas fiscais analisadas.
Apesar de o grão torrado e moído ter subido mais de 100% no preço nacional, conforme aponta o monitoramento, para continuar bebendo café, o brasileiro optou por trocar de marcas, buscando as mais baratas ou regionais.
“No período analisado, o trabalhador manteve a compra de dois produtos por mês, no entanto, o valor gasto por compra em um estabelecimento comercial aumentou cerca de 66%, passando de R$ 24 para R$ 40”, informou a VR.
Variações regionais no preço
O mapeamento indica que a variação também teve um peso regional. Na região Sudeste, houve o maior preço médio, saltando de R$ 14 em janeiro de 2024 e chegando a R$ 24 em fevereiro deste ano. O valor é por quilo de café de menor custo encontrado no varejo.
Em seguida, vem a região Centro-Oeste, onde o preço médio do café saiu de R$ 13 para R$ 22 e, na sequência, o Sul de R$ 13 para R$ 21. Nas regiões Norte e Nordeste, apesar do valor médio ser menor, a compra do café também dobrou de preço e subiu de R$ 7 para R$ 14. Em todos os cenários, o estudo apontou a continuação da tendência de alta no preço do café também em março.
A empresa responsável pelo levantamento destacou que o consumo de marcas de café regionais influencia no valor médio menor em algumas localidades. Para se ter uma ideia, no Distrito Federal, uma marca regional lidera o ranking de vendas em mais que o dobro que a segunda colocada.
“No Nordeste, com exceção da Bahia, as três primeiras marcas campeãs de vendas são regionais. No Norte há uma variação na preferência entre marcas regionais e nacionais. No Sudeste, as marcas líderes de mercado se alternam na preferência dos consumidores na região. Por fim, no Sul, uma única marca lidera as vendas em todos os três estados”, mostra a pesquisa.
Fonte: Globo Rural