A agricultura brasileira chegará a 29,4% do PIB em 2025, segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Porém, o segmento tem enfrentado uma ameaça crescente que não vem dos mercados, mas do céu e da terra. As mudanças climáticas e o desgaste dos solos estão tornando o campo mais imprevisível – e mais vulnerável, com chuvas extremas e secas severas.
A consequência direta é uma agricultura cada vez mais exposta a perdas bilionárias. No Rio Grande do Sul, por exemplo, levantamento da Federação da Agricultura (Farsul) mostra que, entre 2020 e 2024, o estado perdeu 40,6 milhões de toneladas de grãos, o que representa R$ 106,5 bilhões em faturamento e quase metade do PIB estadual de 2023.
Esses números reforçam o alerta: o impacto climático no agro já é estrutural. E diante desse cenário, o cooperativismo surge como um dos pilares mais sólidos para coordenar respostas coletivas, difundir conhecimento técnico e fortalecer a resiliência produtiva.
A imprevisibilidade como nova regra no campo
“A agricultura brasileira tem sofrido, nos últimos anos, impactos vultosos, tendo como causas anomalias climáticas extremas. Alguns estados e regiões têm sido mais afetados do que outros. Mas, incólume, ninguém tem passado”, destaca Gilberto Cunha, agrometeorologista da Embrapa Trigo.
No Sul do país, estiagens severas e ondas de calor têm comprometido o rendimento de culturas de verão, como a soja. No Centro-Oeste, o atraso no início das chuvas tem empurrado a segunda safra de milho para dentro da estação seca. Já na primavera, o excesso de precipitação afeta cultivos de inverno como o trigo.
“O Rio Grande do Sul, além de ter sido atingido pela maior catástrofe climática conhecida no Brasil, com as cheias de abril e maio de 2024, também tem sofrido muitos prejuízos com estiagens”, explica Cunha.
Os fenômenos extremos têm se tornado mais frequentes e intensos. O Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas aponta que, até 2050, o Brasil poderá enfrentar elevação média de 2,5°C nas temperaturas e redução de até 30% na disponibilidade hídrica em regiões agrícolas centrais.

“A agricultura precisa construir resiliência pela inovação tecnológica.” — Gilberto Cunha, Embrapa Trigo
“Secas severas, ondas de calor, incêndios florestais e inundações sem precedentes estão se tornando mais comuns. E o Brasil não está imune a esse tipo de catástrofe. Precisamos nos preparar para esses tipos de emergência climática, construindo, pela via da inovação tecnológica, a resiliência dos nossos sistemas de produção agrícola”, reforça Cunha.
Solos frágeis, perdas duradouras
A combinação entre extremos climáticos e solos degradados cria um efeito duplo: perda de fertilidade e menor capacidade de absorção da água. No entanto, parte desse problema é reversível – depende de manejo técnico e conscientização. “Pelas chuvas mais intensas, principalmente em áreas que não adotam sistemas conservacionistas como o Sistema Plantio Direto, a erosão dos solos já se mostra grave e pode aumentar essa gravidade”, explica o especialista da Embrapa.
O fortalecimento da estrutura física do solo, aliado à cobertura vegetal e rotação de culturas, é essencial para evitar perdas. Além disso, o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), citado por Cunha, é uma das principais ferramentas para gestão integrada de riscos. “As indicações do ZARC, o que plantar, quando plantar e em que condições de solo e clima, permitem que o produtor opere com riscos conhecidos e controláveis.”
Tecnologia e previsibilidade como aliadas
A boa notícia é que o avanço da meteorologia aplicada e da agricultura digital tem oferecido instrumentos cada vez mais precisos de previsão e resposta. “Hoje se tem bom conhecimento dos impactos climáticos das fases do fenômeno El Niño – Oscilação Sul (ENOS), e essas previsões são cada vez mais indispensáveis.”
Além das previsões sazonais, o uso de estações meteorológicas, sensoriamento remoto e modelagem climática tem crescido dentro das cooperativas e empresas do agro. Segundo levantamento da PwC Agtech Innovation, seis em cada dez cooperativas agropecuárias já utilizam algum tipo de tecnologia de monitoramento climático ou gestão de risco ambiental.
O objetivo não é eliminar a imprevisibilidade, mas aprender a operar dentro dela – ajustando janelas de plantio, priorizando cultivares mais resistentes e integrando dados meteorológicos às decisões produtivas.
Cocamar: inovação e manejo sustentável no centro da adaptação
Entre as cooperativas que se destacam pela abordagem integrada está a Cocamar Cooperativa Agroindustrial, com sede em Maringá (PR). A entidade atua em mais de 100 municípios e vem ampliando o suporte técnico aos cooperados diante dos impactos do clima.
“A recorrência de veranicos, altas temperaturas e má-distribuição de chuvas durante o desenvolvimento das culturas de verão tem afetado a produtividade das lavouras em grande parte das regiões da Cocamar”, relata Leandro Cezar Teixeira, superintendente de Relação com o Cooperado da cooperativa.
A resposta da Cocamar tem sido ampla e baseada em ciência. “Uma das prioridades da cooperativa é difundir práticas sustentáveis, com apoio de especialistas da Embrapa e da Universidade Estadual de Maringá, que permitem mitigar os efeitos das adversidades climáticas.”
Entre as ações mais eficientes, destaca-se o manejo sustentável do solo. A cooperativa mantém um programa permanente para fornecimento de calcário e gesso, além do incentivo ao uso da braquiária em consórcio com o milho de inverno. “A braquiária, com seu intenso enraizamento, rompe a camada de compactação e abre canais que propiciam a infiltração da água das chuvas, evitando o escorrimento. Além disso, aumenta a matéria orgânica e mantém a umidade por mais tempo.”
A Cocamar também firmou parceria com a empresa suíça Meteoblue, referência internacional em modelagem climática. Por meio da instalação de estações meteorológicas regionais, a cooperativa fornece boletins e alertas personalizados aos produtores. “Dessa maneira, orienta os produtores quanto ao período mais indicado para a realização de operações de plantio, pulverizações e colheita”.
Outra frente é a Integração Lavoura-Pecuária-Floresta (ILPF), sistema produtivo que tem transformado pastagens degradadas em áreas de alta produtividade. “A ILPF diversifica as fontes de renda, gera equilíbrio financeiro e é um anteparo às adversidades do clima em regiões de solo com potencial agrícola”, explica Leandro.
O futuro do agro cooperativo é resiliente e coletivo
A adaptação climática não é uma tarefa individual. Ela depende de sistemas integrados de informação, crédito, seguro e assistência técnica – pilares que as cooperativas já dominam. “O manejo sustentável do solo, associado a tecnologias para o aumento da produtividade, assegura que o produtor não apenas se mantenha em sua atividade, mas vislumbre crescimento, mesmo em meio às adversidades climáticas”, destaca Leandro Cezar Teixeira.
“A agricultura precisa construir resiliência pela inovação tecnológica.” — Gilberto Cunha, Embrapa Trigo

Para Gilberto Cunha, o caminho é claro: “A agricultura é um setor cuja vulnerabilidade não pode mais ser ignorada. Precisamos buscar sistemas de produção mais resilientes aos extremos de clima e, ao mesmo tempo, reconhecer que o agro pode colaborar na mitigação das emissões.”
Do campo ao conselho de administração das cooperativas, o consenso é que a resiliência climática passa por conhecimento, tecnologia e cooperação. Num cenário de incertezas, o cooperativismo reafirma seu papel histórico: transformar desafios coletivos em oportunidades compartilhadas.
Por Andrezza Hernandes

Entrevista exclusiva publicada na edição 126 da Revista MundoCoop












