Quando ingressei no mundo do cooperativismo, há quase 15 anos, ouvi de um dirigente uma frase que nunca esqueci: “é na dificuldade que as cooperativas crescem”. A lembrança desse ensinamento voltou com força diante do novo tarifaço imposto pelo governo Trump, que já impacta cadeias produtivas e mobiliza exportadores em todo o país.
Estimativas oficiais divulgadas recentemente pela Secretaria de Política Econômica apontam que, até dezembro de 2026, os efeitos das tarifas podem provocar uma queda de até 0,2 ponto percentual no PIB brasileiro e a perda de 138 mil empregos, com destaque para a indústria de transformação e os serviços. A agropecuária, onde o cooperativismo é protagonista, também figura entre os setores mais afetados. Cooperativas respondem por 6,8% das exportações brasileiras desse setor, com relevância em produtos como café, carnes de aves e suínos, manga, suco de laranja, açúcar e tilápia.
A boa notícia é que a exposição das cooperativas ao mercado norte-americano é menor do que em relação a outros destinos, como a China. Ainda assim, o tarifaço trouxe efeitos imediatos e relevantes. O café, por exemplo, registrou queda de 17,5% no volume embarcado em agosto deste ano em relação a 2024, embora tenha crescido 12,7% em valor, com redirecionamento para países como a Colômbia.
A carne bovina sofreu redução de 51,2% nos embarques para os EUA, mas encontrou espaço em mercados alternativos, como México, Uruguai, Paraguai e Indonésia. Já o suco de laranja enfrenta cenário mais adverso, com tarifas de 50% que praticamente inviabilizam os embarques. No caso do açúcar, a queda de 88,4% em agosto comprometeu sobretudo os produtores do Nordeste, enquanto a tilápia, cuja produção brasileira estava fortemente voltada ao mercado americano, já sente redução de abate, de pessoal e busca alternativas no mercado interno.
Esses exemplos evidenciam que não existe solução única para enfrentar o tarifaço. Cada cadeia produtiva exige uma resposta diferenciada, mas todas apontam para um mesmo conjunto de caminhos possíveis. O primeiro deles é o redirecionamento de exportações para mercados alternativos, especialmente Ásia, América Latina e Europa, ainda que com barreiras e exigências específicas.
Em segundo lugar, a intercooperação surge como alternativa estratégica: unir forças em centrais de comercialização ou trading companies cooperativas pode garantir escala, reduzir custos logísticos e ampliar o poder de negociação internacional.
Outro ponto decisivo é o investimento em inteligência de mercado. Mais do que reagir, será necessário antecipar tendências globais, acompanhar mudanças tarifárias e identificar oportunidades de médio e longo prazos. Nesse processo, agregar valor é fundamental: exportar não apenas commodities, mas cafés especiais, cortes diferenciados de carne, sucos premium, frutas com certificação de origem. Essa mudança reposiciona o Brasil em segmentos menos vulneráveis a disputas comerciais e tarifas.
Também é essencial fortalecer o mercado interno. O Brasil mantém uma base de consumo expressiva, em um contexto de baixo desemprego. Campanhas que comuniquem os diferenciais do modelo cooperativo, como qualidade, sustentabilidade e compromisso com a comunidade, podem ampliar a presença doméstica e atenuar os efeitos externos.
Do ponto de vista financeiro, a gestão de caixa e custos precisa ser rigorosa. O período exige eficiência operacional, revisão de investimentos não essenciais e busca por crédito emergencial quando necessário, sempre com transparência perante associados, comunidades e parceiros. Em casos específicos, como o do açúcar, é crucial maximizar o uso da cota de exportação existente, priorizando embarques de maior valor agregado.
O tarifaço de Trump impõe desafios severos, mas também abre espaço para reflexões estratégicas. Crises comerciais não são novidade, especialmente para nós brasileiros, e a história mostra que delas podem surgir transformações estruturais. O cooperativismo brasileiro já provou sua resiliência em momentos de instabilidade e tem condições de responder novamente, com coesão, inovação e capacidade de adaptação.
Seja pela diversificação de mercados, pela intercooperação ou pela agregação de valor, as alternativas estão ao alcance das cooperativas. O que se exige agora é coragem para decidir, planejamento para agir e disciplina para executar. Como ouvi no início da minha trajetória, é justamente nas dificuldades que as cooperativas crescem. Dessa forma, este pode ser mais um momento de fortalecimento e renovação para todo o setor.
Emanuel Malta é economista sócio-fundador da Vértice Consultores e referência em temas de estratégia, gestão, projetos, governança cooperativa e sustentabilidade / ESG.