A cada dia, milhões de respostas são produzidas, compartilhadas e replicadas em segundos. Plataformas digitais, inteligência artificial, motores de busca e chatbots oferecem soluções quase automáticas para qualquer dúvida. Nesse oceano de informações, no entanto, a habilidade de formular perguntas certas emerge como o verdadeiro diferencial competitivo, não apenas para empresas, mas também para líderes e profissionais em busca de relevância.
Em vez de ser um sinal de desconhecimento, perguntar revela curiosidade, humildade e abertura para o novo. Essa habilidade, que parece simples, é um dos pilares do pensamento crítico e da inovação. Para Sandro Magaldi e José Salibi Neto, especialistas em gestão e autores do livro “A Arte de Fazer Perguntas Transformadoras”, cultivar boas perguntas é o que separa líderes acomodados de lideranças visionárias.
O valor das perguntas na comunicação
A comunicação corporativa frequentemente se perde em respostas prontas, métricas e discursos engessados. Mas a essência do diálogo não está em fornecer certezas, e sim em explorar dúvidas.
Para Salibi Neto, uma pergunta só é realmente transformadora quando provoca reflexão profunda e cria espaço para possibilidades que ainda não foram vislumbradas. Isso exige coragem. Afinal, boas perguntas muitas vezes expõem fragilidades, revelam contradições e obrigam equipes a confrontar o que prefeririam ignorar.

“O incômodo é um sinal de crescimento. Quando uma pergunta nos tira da zona de conforto, ela nos força a enxergar pontos cegos e rever crenças.”
– José Salibi Neto
Sandro Magaldi lembra que a história dos negócios está repleta de perguntas que reorientaram indústrias inteiras. O gestor cita o exemplo clássico de Theodore Levitt, que, nos anos 1960, provocou executivos a refletirem: “Qual é o seu negócio?”. Essa indagação simples obrigou empresas a repensarem sua razão de existir. Companhias ferroviárias que acreditavam atuar no “negócio do trem”, por exemplo, deixaram de enxergar a oportunidade maior, o setor de transportes como um todo.
E, assim como o paradigma apresentado por Magaldi, no campo da comunicação, perguntar bem pode ser a chave para estabelecer conexões mais autênticas. Em vez de apenas transmitir informações, o questionamento abre espaço para ouvir, compreender e cocriar soluções.
Perguntas vs. respostas na era digital
Do mesmo modo que o questionamento fortalece conexões humanas, essa prática também é o antídoto para o excesso de respostas automáticas, que marcam a era digital.
Neste contexto, vivemos um paradoxo: nunca tivemos tantas respostas disponíveis e, ao mesmo tempo, nunca estivemos tão carentes de boas perguntas. A inteligência artificial ampliou exponencialmente a velocidade de acesso a dados, mas essa abundância tornou a resposta uma mercadoria comum.
Para Magaldi, isso exige um reposicionamento e uma capacidade de questionar os pressupostos antes de buscar soluções. De acordo com o autor, apenas a boa pergunta é capaz de preservar a singularidade humana diante da avalanche de respostas automáticas. “As respostas ficaram fáceis, mas as perguntas ganharam ainda mais valor. São elas que diferenciam o humano da máquina”, defendeu.
E exemplos não faltam. Quando Reed Hastings, cofundador da Netflix, se questionou sobre o incômodo das taxas de atraso em locadoras, não buscava apenas uma resposta operacional. Sua inquietação gerou uma transformação: “E se o aluguel de vídeos fosse como uma academia, com um modelo de assinatura sem multas por atraso?”. Anos depois, outra pergunta inaugurou uma revolução na forma de consumir entretenimento: “E se o futuro do consumo de filmes estiver online?”
Esses casos mostram que, em um cenário saturado de respostas automáticas, é o poder da pergunta que abre novos caminhos.
Liderança que ouve pergunta melhor
Para além da formulação de perguntas, há outro elemento indispensável para que o questionamento produza impacto genuíno. A escuta. No universo dos negócios, a abertura de espaço para questionamentos não é produtiva caso se não houver interesse genuíno nas respostas.
“De nada adianta perguntar se não existe genuíno interesse em ouvir”, reforça Salibi Neto. Segundo ele, escutar é uma demonstração de humildade e respeito. A prática da escuta ativa cria laços de confiança, engaja equipes e transforma ideias em insumos para decisões mais robustas.
“A cultura questionadora deve começar com os líderes mais seniores modelando o uso frequente de boas perguntas. Líderes que assumem que não têm todas as respostas e que valorizam a reflexão promovem um ambiente em que esse comportamento se torna viável para toda a corporação.”
– Sandro Magaldi

Magaldi complementa ressaltando a importância da segurança psicológica no clima organizacional e destaca que ambientes em que colaboradores sentem que podem se expressar sem medo de represálias tendem a gerar mais inovação. Ainda, Sandro lembra que líderes precisam dar o exemplo, mostrando que também têm dúvidas e valorizando perguntas incômodas.
Perguntar como cultura organizacional
Transformar o ato de perguntar em valor organizacional é um dos maiores desafios de gestão contemporânea. Para isso, não basta incentivar questionamentos esporádicos, é preciso criar rituais e práticas consistentes.
Salibi Neto sugere exercícios simples, como incluir perguntas estratégicas em reuniões e processos decisórios. Perguntas como “O que estamos deixando de ver?” ou “Qual é a suposição que estamos tratando como verdade?” podem mudar totalmente o rumo de um planejamento.
Por sua vez, Magaldi reforça que essa postura precisa ser modelada pelos líderes mais experientes. Ao admitirem suas próprias dúvidas e vulnerabilidades, eles legitimam a cultura do questionamento e inspiram os demais a fazer o mesmo.
Esse processo, todavia, exige disposição para lidar com o desconforto. Perguntar desacomoda. Tira equipes da zona de conforto e obriga a rever crenças. Mas é justamente desse incômodo que nascem os maiores avanços.
O valor das perguntas na comunicação
Incorporar perguntas estratégicas no dia a dia pode elevar a qualidade da comunicação e dos relacionamentos profissionais. Experimente incluir estas três:
- O que estamos deixando de ver nesta situação?
Ajuda a iluminar pontos cegos e enxergar além do óbvio.
- Qual é a suposição que estamos tomando como verdade?
Expõe crenças limitantes e desafia premissas não questionadas.
- De que outra forma poderíamos enxergar essa situação?
Estimula criatividade, inovação e abertura para perspectivas diversas.
Perguntar como cultura organizacional
O que evita boas perguntas? Muitas vezes, as barreiras para o questionamento não estão na falta de curiosidade, mas na cultura organizacional. Entre os principais obstáculos estão:
- Medo de julgamento: profissionais evitam perguntar para não parecerem despreparados;
- Hierarquias rígidas: estruturas verticais desestimulam a vulnerabilidade;
- Certezas absolutas: líderes que se apresentam como donos da verdade inibem o pensamento crítico;
- Acomodação: diante de respostas fáceis, instala-se o conformismo.
Por João Victor – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 125 da Revista MundoCoop