Em 2010, ainda nas cinzas da crise financeira de 2008, nascia a ideia de uma cooperativa para combater a pobreza energética e evitar a saída de população. Duas pequenas vilas do condado de Tipperary, no interior da Irlanda, procuravam dar um novo impulso à economia local, numa altura em que não se vislumbravam oportunidades de emprego. A falta de trabalho afastava pessoas da região, predominantemente rural, mas um grupo de pessoas recusou-se a baixar os braços e reuniu a comunidade local à procura de soluções capazes de trazer dinamismo económico à área.
É Derry O’Donnell quem nos conta a história daquela que viria a tornar-se na cooperativa Energy Communities Tipperary Cooperative (ECTC). Entre as várias soluções colocadas em cima da mesa, recorda o coordenador de desenvolvimento da cooperativa, ficou a ideia de seleccionar um conjunto de habitações locais, a partir do universo total de cerca de quatro centenas, e promover a sua reabilitação energética.
Para aquecerem as suas habitações, os habitantes das duas vilas gastavam cerca de um milhão de euros todos os anos. A comunidade, para além de procurar dinamizar a economia local através de uma vasta operação de reabilitação energética cuja força estaria na mão-de-obra local, procurava combater a pobreza energética, a falta de eficiência das habitações e as elevadas facturas energéticas.
Reunida a vontade popular, o financiamento para a concretização de um projecto-piloto chegou através de um fundo da Autoridade de Energia Sustentável da Irlanda (SEAI). O objectivo estava traçado – fazer as facturas energéticas descerem em 25 %, permitindo que o dinheiro ficasse na economia local.
Reabilitar localmente, poupar localmente: nasce a cooperativa de energia
A concretização local das primeiras reabilitações energéticas permitiu obter economias de escala com ganhos financeiros óbvios. Isto foi possível, explica Derry O’Donnell, porque o trabalho estava a ser levado a cabo com a máxima proximidade, isto é, em “casas juntas umas às outras ou pelo menos próximas”.
O sucesso da iniciativa comunitária não passou despercebido e, logo, foram várias as comunidades próximas que procuraram envolver-se em iniciativas idênticas. Estava aceso o rastilho que viria a permitir a fundação da cooperativa de energia do condado de Tipperary.
Em 2014, eram já quatro as comunidades que se juntavam e obtinham sucesso na captação de financiamento junto da SEAI, através do programa Better Energy Communities, para trabalhar na reabilitação energética do parque edificado habitacional mais envelhecido e de edifícios comunitários. No âmbito desta iniciativa, e com um financiamento de 643 mil euros, foram reabilitadas 111 habitações e dois edifícios comunitários, tendo como resultado uma poupança energética de 1 GWh.
Um ano depois, em 2015, participavam oito diferentes comunidades e era, por fim, formalizada a constituição da Energy Communities Tipperary Cooperative, com uma estrutura de direcção constituída por voluntários das diferentes comunidades participantes e por dois outros membros provenientes de uma empresa de desenvolvimento local e da agência local de energia.
A ideia fundadora é simples e pode ser replicada localmente, realça Derry O’Donnell. “Em vez de ter de ser cada comunidade a entrar em contacto com os empreiteiros, passa a haver apenas um coordenador de projecto responsável por gerir projectos para todas as comunidades, com uma ética de trabalho partilhada”. Desde a sua fundação, a cooperativa é responsável pela promoção de todo o tipo de reabilitações energéticas – das mais leves, com pequenas intervenções, até às mais profundas, incluindo, assim, obras para colocação de uma camada de isolamento térmico ou para instalação de painéis solares térmicos ou fotovoltaicos destinados à produção de electricidade para autoconsumo, por exemplo.
Derry O’Donnell, enquanto coordenador de desenvolvimento, acabou por tornar-se, em 2019, no primeiro empregado da cooperativa, responsável pelo recrutamento de mais comunidades para a cooperativa e por dar apoio aos voluntários.
A partir dessa altura, o ritmo de reabilitação energética do edificado local foi redobrado e o valor dos fundos obtidos cresceu na mesma escala. Até 2016, a cooperativa recebeu um apoio financeiro de dois milhões de euros que lhe permitiu concretizar reabilitações em 261 habitações e oito edifícios comunitários, que resultaram em poupanças energéticas para as comunidades locais estimadas em 2,1 GWh. Nos dois anos seguintes, o financiamento cresceu para os 2,8 milhões de euros e as poupanças energéticas alcançaram os 3 GWh.
O combate à pobreza energética está no centro da actuação da ECTC, sublinha o responsável, ilustrando como, em casos de proprietários a viverem em pobreza energética que pretendam avançar com a reabilitação energética, a cooperativa pode adiantar-se à comparticipação pública da reabilitação que o Estado garante – que só chega depois de concretizada a obra – e pagar ao empreiteiro no lugar do proprietário.
Modelo one-stop-shop para replicar na Europa
Atualmente, a cooperativa participa no projecto europeu One Stop Renovation Coop, no âmbito do fundo europeu para o ambiente e a acção climática (LIFE), com o objectivo de desenvolver um modelo de reabilitação energética liderado por comunidades e cidadãos e capaz de oferecer um serviço One-Stop-Shop – isto é, um serviço de paragem única que acompanha os proprietários em todas as etapas de um processo de reabilitação energética.
A Energy Communities Tipperary Cooperative junta-se, assim, a duas outras cooperativas europeias – a belga Energent e a francesa Les7Vents – no desenvolvimento de um modelo de reabilitação energética One-Stop-Shop que possa ser partilhado dentro do continente europeu. O objectivo final é o desenvolvimento de um conjunto de ferramentas orientado para o treino e para a disseminação do modelo de paragem única noutros países e noutras comunidades locais.
Desde 2021 que a solução One-Stop-Shop é oferecida pela cooperativa para a reabilitação energética, garantindo um serviço que engloba a elaboração de avaliações técnicas e orçamentos, um controlo de qualidade, a gestão de projecto e as parcerias com instituições locais de financiamento, bem como o apoio técnico no processo de candidatura a fundos públicos, que, na Irlanda, comparticipam até 80 % do valor da reabilitação energética, no caso de proprietários que se encontrem em situação de pobreza energética.
“Tomamos conta de tudo, preenchemos a papelada e o proprietário só tem basicamente de dizer que pretende avançar com a reabilitação energética da sua casa. Depois, é essencialmente sentar-se”, explica Derry O’Donnell.
Eventos comunitários para promover a reabilitação energética
Apesar do interesse popular que ofereceu as bases para a fundação da cooperativa, nem sempre são as pessoas a virem ter com a ECTC. No seu trabalho, a cooperativa tem como derradeiro objectivo alavancar a reabilitação energética à escala da comunidade e, para isso, realiza um trabalho constante na procura de novos membros. Dentro da sua actividade regular, promove a realização de “eventos de informação energética” nas comunidades locais, informa Derry O’Donnell.
Nestas ocasiões, a população é convidada a reunir-se em espaços providenciados pelas autarquias locais e é oferecida informação sobre o trabalho da cooperativa e sobre os incentivos financeiros públicos existentes destinados à reabilitação energética.
Porque a eficiência energética não depende apenas da reabilitação energética dos edifícios, a cooperativa oferece ainda aconselhamento energético a proprietários de habitações, procurando fazer descer o consumo de energia e de electricidade através da mudança de comportamentos.
Fonte: Edifícios e Energia
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