As cooperativas de crédito são plenamente capazes de enfrentar momentos de turbulência financeira. É isso que o Conselho Mundial de Cooperativas de Crédito (Woccu, em inglês) quer o mundo todo compreenda. Em seu relatório anual, a instituição aponta os temas mais relevantes ao cooperativismo de crédito mundial. Entre eles, destaca-se inclusão financeira, cibersegurança e sustentabilidade. São tendências basilares à expansão do setor.
O Woccu defende ainda que autoridades responsáveis adotem uma proporcionalidade na regulamentação do cooperativismo financeiro, o que contribui para que o sistema cooperativo inclua mais pessoas. Para este propósito, aposta no apoio do G20, que em dezembro, passa a ser presidido pelo Brasil.
A experiência brasileira na regulamentação deste setor pode ser referência a outras economias, na visão de Ênio Meinen, diretor de Coordenação Sistêmica e Relações Institucionais do Sicoob. Há décadas atuando e propagando o cooperativo de crédito, ele avalia que “o marco regulatório aplicado no cooperativismo financeiro brasileiro, por seu alcance, amplitude, constância, robustez, flexibilidade societária e operacional é indiscutivelmente referência para o mundo”. As cooperativas de crédito esperam ultrapassar 20 milhões de cooperados neste ano.
Impulso à inclusão
O acesso a serviços financeiros é considerado um passo essencial para a inclusão social e o combate à desigualdade, e a pandemia foi um importante impulsionador para que mais pessoas tivessem acesso ao sistema financeiro. Nesse período, muitas pessoas precisaram abrir conta para receber os depósitos de auxílios governamentais, por exemplo. Na América Latina, 73% dos adultos passaram a ter conta em instituição financeira neste período, segundo dados do Global Findex 2021, uma pesquisa realizada pelo Banco Mundial em 123 países.
Só no Brasil, de acordo com o Banco Central, mais de 20 milhões de brasileiros passaram a ter conta em alguma instituição financeira no período pandêmico. Estima-se que 16% da população brasileira ainda não tem acesso a uma instituição financeira.
Mas, para promover inclusão financeira de fato, vai muito além de abrir uma conta. É preciso aliar o acesso a serviços bancários à promoção da consciência na gestão das finanças pessoais. De acordo com definição do Banco Mundial, a inclusão financeira pressupõe que pessoas e empresas tenham acesso a produtos e serviços financeiros que sejam úteis e acessíveis, atendam às suas necessidades de transações, pagamentos, poupança, crédito, seguros, e que estes sejam ofertados de modo responsável e sustentável. Para Maurício Longhini Barbeiro, professor de Finanças Sustentáveis do Isae, a educação financeira a quem está sendo incluído no sistema deveria ser prática em qualquer instituição financeira.
A sustentabilidade permeando a atuação do cooperativismo financeiro
Em progressiva expansão, as finanças sustentáveis são tendência e desafio ao cooperativismo financeiro. O Woccu entende que essa é uma oportunidade para se demonstrar os benefícios sociais das cooperativas de crédito, o que deve exigir, no entanto, uma metodologia eficiente e apresentação de dados sólidos. O guia desenvolvido pela instituição pode ajudar as cooperativas atuar em finanças sustentáveis.
“Quando há o ESG, a sustentabilidade em uma cooperativa de crédito, busca-se uma economia mais regenerativa e inclusiva”, avalia Barbeiro. Regenerativa porque o sistema que é alimentado pelo crédito oferecido promove alguma regeneração do sistema, seja em termos de redução de emissões de poluentes, da educação das pessoas sobre finanças, sustentabilidade etc., ou da descarbonização de portfólio, quando se diminui as emissões de carbono das atividades financiadas por meio de concessão de crédito para reflorestamento, para aumento da eficiência energética de clientes entre outros.
Outra maneira de trabalhar essas questões envolve os títulos atrelados a uma meta de sustentabilidade a ser alcançada, os chamados Sustainability–Linked Bonds (SLB), e os Green, Social, Sustainability Bonds (GSS), ligados a metas de governança ambiental, social e corporativa, que devem ser cumpridas pelos tomadores. Segundo o Banco Central, o Brasil é o segundo maior emissor da América Latina desses títulos (atrás somente do Chile), e representa pouco mais de 1% das emissões globais.
Corresponsabilidade financeira
O professor sublinha a corresponsabilidade financeira das instituições em relação ao crédito que concedem. “Se um crédito é usado para desmatar, para criar uma expansão com energia que não seja limpa, quem concede o crédito também tem responsabilidade nas emissões que essa pessoa vai gerar, no desgaste ambiental”.
Desse modo, financiar ações potencialmente danosas pode inclusive aumentar o risco de dano à reputação e imagem institucional da cooperativa de crédito. “Por isso, é tão importante a análise. Quando a área de risco está observando os fatores ESG como algo que pode impactar sua reputação institucional, percebe essas questões como mais um elemento para análise da concessão de crédito”, analisa Barbeiro.
Do diferencial ao padrão
Outra tendência é que ações sustentáveis e de inclusão devem ser reguladas em futuro próximo, e passar, por tanto, de um diferencial das instituições que as realizam para uma obrigação, o que deve exigir atuações e relatórios com dados e informações precisas sobre os impactos promovidos pelo cooperativismo financeiro.
Um exemplo vem do mercado de seguros. As seguradoras passaram a ter de garantir que aspectos de sustentabilidade sejam considerados em suas atividades e relacionamentos e comprovados por meio de relatórios à comunidade. Em caso de descumprimento dessa obrigação, podem inclusive sofrer sanções.
“Quanto antes as cooperativas de crédito começarem a discutir essas tendências e a se preparar, antes vão conseguir colocar boas práticas no mercado e no seu dia a dia. Quando isso se tornar obrigatório, já estarão mais do que preparadas”, argumenta.
Por estarem em contato direto com os associados, “gerentes de cooperativas de crédito precisam saber que essas perguntas vão chegar e estarem preparados para recebê-las e buscar internamente a melhor solução para aquela demanda. A procura vai ser cada vez maior e aí faz diferença a relação de confiança”, diz Barbeiro.
Cibersegurança é tema em alta
Segundo a Global Findex 2021, 65% das pessoas fizeram ou receberam pagamento digital no período pandêmico. Além disso, as instituições financeiras apontam que quase a totalidade dos correntistas já realiza movimentações e utiliza serviços financeiros de forma digital. Pedro Salanek, consultor Financeiro e professor de cursos in company, pós-graduação e MBA em Finanças Corporativas e Sustentabilidade, avalia que “as digitalizações no crédito e emprego da inteligência artificial, são realidade no mercado financeiro”. E a tendência é tornar as ferramentas digitais indispensáveis ao portfólio operacional, melhorando a experiência do usuário, sendo canal eficiente de acesso a produtos, serviços, relacionamento e atração de novos cooperados.
“Isso exigiu que aprovássemos no Sicoob um mega projeto de gestão centralizada de segurança cibernética”, declara Ênio Meinen. Um investimento que visa manter a integridade da operação e a proteção dos dados. A personalização e estrutura reforçada de proteção de dados e transações são desafios constantes especialmente diante da sofisticação dos golpes e ataques.
Mas, segurança cibernética envolve mais que atualização constante de mecanismos tecnológicos de proteção digital. Um ponto crucial de vulnerabilidade são as pessoas, sejam elas funcionários ou usuários. Há tendência na ampliação dos golpes que usam técnicas de engenharia social.
Um exemplo desse tipo de ataque é o chamado ransomware. Um programa é instalado e criptografa os dados para que a empresa pague um resgate pelas informações. O ransomware causa prejuízo financeiro, pela paralisação das atividades, e prejuízo à imagem organizacional.
Altair Olivo Santin, engenheiro da computação, doutor em Cibersegurança e professor do Programa de Pós-graduação em Informática da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), explica que esse tipo de ataque precisa da colaboração de pessoas com acesso privilegiado ao sistema.
Assim, treinamentos constantes e um plano de contenção desse tipo de dano são fundamentais para diminuir riscos. “Nas empresas, além das tecnologias e conhecimentos técnicos que elas exigem, é preciso treinar as pessoas para que identifiquem e denunciem essas práticas”, reforça Santin.
As técnicas de engenharia social também são usadas, por exemplo, para convencer os clientes a clicar em links, permitindo a um invasor acessar dados do celular ou computador e aplicar golpes financeiros. Por isso, o professor alerta que é preciso instruir igualmente os clientes sobre essas práticas.
Na opinião de Santin, o ideal seria que as instituições fossem além de informar que não enviam mensagens solicitando dados pessoais. Um canal específico para esclarecimento de dúvidas do usuário quanto à segurança digital poderia evitar muitos desses crimes e ajudar na conscientização das pessoas, sugere. “Acho que esse serviço de atendimento para questões de segurança seria uma iniciativa efetiva”.
Por Nara Chiquetti – Redação MundoCoop
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