As agências de comunicação devem se guiar por um conjunto de valores e princípios? Os fundadores da cooperativa La Sembra, na Catalunha, tinham essa questão em mente quando decidiram criar uma nova cooperativa de comunicação pautada em valores para atender organizações do setor público e da economia social.
“Desde o início, eu queria trabalhar em um projeto alinhado aos meus valores”, lembra a jornalista e economista Aina Serra Julià, uma das duas fundadoras da cooperativa. “Tento ter relacionamentos saudáveis, consumir de forma consciente e queria trabalhar para uma organização com os mesmos valores.”
Outra característica da cooperativa que a atraiu foi o envolvimento no processo de tomada de decisões, o que, ela acrescenta, traz responsabilidade e comprometimento com o empreendimento.

E assim, em 2021, Julià fundou a La Sembra com uma de suas colegas. Em 2024, a cooperativa de trabalhadoras liderada por mulheres havia crescido para incluir 10 funcionárias. Nem todas são sócias da cooperativa ainda – três estão em processo de se juntar aos dois membros fundadores existentes.
Julià afirma que o crescimento se deve, em parte, ao crescimento do setor de comunicação nos últimos anos, com o setor audiovisual na Catalunha registrando um aumento de 14% na receita somente em 2024. O governo catalão também tem apoiado a economia social e solidária, com uma série de políticas de apoio adotadas nos últimos 10 anos.
Outro motivo para o crescimento da La Sembra, ela acredita, é sua dedicação à comunicação orientada por propósito. “Também tentamos trabalhar de forma significativa, algo raro no setor”, diz ela. “Com a eleição de Trump, vimos a importância do papel das redes sociais e queríamos trabalhar com a ideia de uma comunicação orientada por valores.”
O que la Sembra quer dizer com isso é comunicar tendo consciência do impacto que isso pode ter no público.
“Isso significa estar ciente de tudo, ter um propósito”, acrescenta Julià. “Então, por exemplo, se um tuíte não traz nada de novo, talvez não haja necessidade de publicá-lo.”
Ao fazer isso, a cooperativa espera também reduzir o que Julià chama de “ruído desnecessário” – e diminuir seu impacto ambiental.
“Todo trabalho de comunicação, seja impresso ou digital, tem uma pegada ambiental”, diz ela. “Por isso, queremos reduzir a nossa.”

Ao mesmo tempo, La Sembra afirma que seu objetivo é comunicar de uma forma que ajude os cidadãos a assumirem mais responsabilidade pela justiça social e a oferecer mais em termos de dados, depoimentos e conscientização sobre a desigualdade social. Isso, por sua vez, ajudará a fomentar um senso de comunidade e a conectar as pessoas mais entre si, espera Julià. Seu objetivo final é criar comunidades conscientes e coesas que possam impulsionar o progresso e a transformação social.
“Esses são os quatro valores que norteiam o trabalho da cooperativa: menos ruído, menor pegada ambiental, mais consciência e mais comunidade”, acrescenta ela.
Entre os clientes estão empresas sociais e do terceiro setor, incluindo cooperativas e organizações do setor público. Estas últimas são clientes importantes, diz Julià, porque podem realmente ajudar a transmitir sua mensagem e abordagem por meio de seu amplo alcance comunitário.
Desde o seu lançamento, a La Sembra trabalhou com mais de 300 organizações, a maioria das quais atua no setor da economia social.
As cooperativas representam 8% do PIB da Catalunha, o que, diz Julià, é um bom indicador do grau de conscientização sobre o modelo na região.
“O modo de vida catalão é muito focado no coletivo”, diz ela, argumentando que ser uma nação e cultura sem um Estado ajudou a promover as cooperativas como um movimento social.
Essa identidade catalã distinta também faz com que as pessoas se interessem mais por modelos de mídia alternativos, seja no jornalismo ou na comunicação, diz Julià.
Para ajudar a aumentar a conscientização sobre o setor cooperativo, La Sembra administra uma publicação online chamada Jornal.Cat, que inclui notícias e comentários sobre a economia social catalã.
“O jornalismo em geral é um setor que apresenta um grau de conscientização maior em comparação a outros setores de atividade”, acrescenta Julià.
Uma das motivações por trás do lançamento do Jornal.cat foi a ideia de produzir jornalismo baseado em soluções e focar no papel das
cooperativas na resolução de problemas.
“Claro, não quero ser ingênua e dizer que devemos nos concentrar apenas nisso”, diz ela. “Mas uma das prioridades que estabelecemos para nós mesmos foi dar voz às alternativas que estão sendo desenvolvidas. Entendemos que a mídia tradicional se concentra em histórias negativas devido ao tráfego que elas geram.”

Mas enquanto notícias negativas tendem a vender, o Jornal.Cat segue outro caminho, destacando alternativas melhores.
“Queremos mostrar que a ‘utopia existe’ e está sendo desenvolvida a cada dia em toda a Catalunha”, diz Julià.
O Jornal.Cat também pretende se aprofundar nas causas estruturais de questões como desigualdade social ou mudanças climáticas.
“Analisamos as causas, mas as notícias negativas não tomam conta da nossa publicação. Isso é muito importante para nós”, acrescenta Julià.
Nos últimos meses, algumas organizações de mídia catalãs têm saído das principais plataformas de mídia social em protesto contra mudanças algorítmicas que priorizam conteúdo controverso.
Apesar disso, o Jornal.Cat optou por se juntar a novas plataformas como o Mastodon, enquanto continuou a postar em plataformas como o X e o Facebook.
“Sair dessas plataformas significaria abrir mão de interagir com as pessoas com quem queríamos interagir — e transformar a forma como elas veem o mundo. Então, mesmo sendo uma contradição, decidimos não deixá-las”, diz Julià, acrescentando que a cooperativa continuará monitorando essas plataformas.
“Para impulsionar a mudança, precisamos estar onde a maioria das pessoas está”, acrescenta. “Caso contrário, só falamos com nós mesmos.”
Fonte: The Co-op News com adaptações da MundoCoop