A cada edição, a pesquisa Carreira dos Sonhos ajuda a decifrar o espírito do tempo no mercado de trabalho. Em 2025, porém, o levantamento da Cia de Talentos revela algo além de expectativas profissionais: ele expõe uma mudança estrutural na forma como os brasileiros se relacionam com suas carreiras. Ao ouvir 73.602 pessoas entre 13 de maio e 22 de agosto, o estudo mostra que os sonhos — e os medos — já não são os mesmos.
“O objetivo central da Carreira dos Sonhos permanece o mesmo desde 2002: compreender o que as pessoas esperam do trabalho, das empresas e da própria trajetória profissional, oferecendo respostas para inquietações recorrentes sobre as mudanças do mercado e a carreira”, afirma Danilca Galdini, diretora de conteúdo da Cia de Talentos.
A novidade metodológica do ano: pela primeira vez, o levantamento combinou IA conversacional e formulário digital, ampliando tanto a escala quanto a profundidade das respostas. “Conseguimos unir a força dos dados fechados com a riqueza das narrativas abertas”, diz Galdini.
Do propósito ao pragmatismo: o trabalho muda de lugar na vida das pessoas
Se por muitos anos o discurso dominante defendia que o trabalho deveria ser fonte de prazer, identidade e autorrealização, a edição 2025 mostra um movimento estrutural.
“Os dados mostram que o trabalho deixou de ser a principal fonte de prazer, identidade e realização e passou a ser um meio, não mais um fim”, afirma Galdini.
O trabalho agora é visto como um instrumento para garantir:
- Estabilidade financeira,
- Bem-estar,
- Flexibilidade,
- Tempo e autonomia para que o prazer seja buscado fora do trabalho, em outras esferas da vida.
“O foco não está em ‘amar o trabalho’, mas em trabalhar de forma sustentável para viver bem”, afirma a executiva.
Estabilidade é a palavra do ano — mas com um novo significado
O dado mais contraintuitivo da pesquisa é a força da estabilidade como desejo transversal aos três públicos. Mas ela não tem mais o sentido tradicional de “emprego para sempre”.
“Estabilidade hoje significa segurança, previsibilidade e, principalmente, oportunidade de se manter aprendendo e empregável”, afirma Galdini.
Além disso, a oportunidade de crescer, aprender e se desenvolver é tratada como um pilar da estabilidade, diz Galdini.
“Seja pelo desenvolvimento contínuo ou empregabilidade contínua. A estagnação profissional é vista como uma forma de instabilidade”.
Desenvolvimento: o motivo nº 1 para escolher qualquer empresa
Entre jovens, média gestão e alta liderança, o motivo mais citado para escolher uma empresa é o mesmo: desenvolvimento constante. E não é de agora. São 15 anos seguidos ocupando o topo entre jovens e, em 2025, ficou em primeiro lugar também entre os outros dois grupos.
“Desenvolvimento é o atalho para empregabilidade e crescimento de renda no Brasil”, afirma Galdini. A qualificação prática e programas estruturados (como estágio, trainee, trilhas e certificações) são vistos como ferramentas concretas de mobilidade. “Aqui, desenvolvimento não é discurso, é critério”, afirma.
O benefício educacional virou estratégia
Um dado externo ao estudo, mas citado pela diretora, reforça a tendência: 90% dos profissionais não teriam estudado no último ano sem apoio da empresa, segundo levantamento da Único Skill.
“O benefício educacional deixou de ser atração e virou retenção”, diz Galdini.
Ao eliminar a barreira financeira e organizar as trilhas de aprendizado, as empresas transformam o desejo de se capacitar em prática contínua — gerando engajamento e melhor performance.
Remuneração volta ao topo
Remuneração e benefícios aparecem entre os três principais motivos de escolha na maior parte das empresas analisadas. Segundo Danilca, é um efeito direto do que os jovens viveram na pandemia:
“Eles foram as pessoas mais afetadas pelo desemprego, viram a renda familiar fragilizar e viram familiares perderem emprego e empresas fecharem. Esse contexto aumentou a sensação de vulnerabilidade, gerando aversão ao risco e busca por estabilidade”, afirma.
Para a executiva, o trabalho deixou de ser apenas realização ou propósito e voltou a ser, antes de tudo, segurança e sobrevivência, por isso, remuneração e benefícios ganharam tanta relevância.
“Mas vale reforçar que a remuneração sozinha não segura ninguém. É preciso unir salário, desenvolvimento e condições saudáveis de trabalho”, afirma.
Setores tradicionais aderem à flexibilidade
O Banco do Brasil foi o único do Top 10 com “políticas flexíveis” entre os motivos mais citados — um marco para um setor historicamente rígido.
“É um sinal claro de evolução: empresas tradicionais começam a combinar estabilidade formal com autonomia operacional”, diz Galdini.
Modelos híbridos, horários flexíveis e benefícios focados em bem-estar se tornam vantagem competitiva, especialmente entre jovens.
E como pequenas e médias podem competir com Google e Itaú?
Em 2025, o ranking revela uma pluralidade inédita. A nova geração tem valorizado cada vez mais empresas brasileiras, de segmentos diversos, com propostas de valor autênticas.
“Não existe mais a empresa dos sonhos. Existem empresas para sonhos diferentes.”
Esse movimento abre espaço para que negócios menores se destaquem ao entender — e comunicar — suas vantagens reais:
- cultura,
- propósito,
- impacto,
- velocidade de crescimento,
- autonomia.
“Esse conjunto de tendências mostra que as aspirações profissionais estão se tornando mais plurais e que diferentes perfis encontram valor em diferentes propostas de marca. Para as empresas, inclusive, pequenas e médias, compreender essas nuances é essencial para construir estratégias de marca empregadora mais precisas, autênticas e conectadas às expectativas reais das pessoas”, afirma.
Abaixo, veja as empresas top 10 para trabalhar, segundo a pesquisa:
- Itaú Unibanco
- Vale
- Ambev
- Petrobras
- Nestlé
- Grupo Globo
- Microsoft
- Banco do Brasil
- Einstein Hospital Israelita
O que define a empresa dos sonhos em 2025
Em 2025, a “empresa dos sonhos” é aquela que combina desenvolvimento concreto, estabilidade financeira e emocional, reconhecimento tangível e uma cultura coerente, inclusiva e práticas reais, afirma Galdini.
“A marca, a visibilidade e a solidez continuam relevantes, mas perdem força se não vierem acompanhadas de trilhas de crescimento e práticas que protejam o bem-estar”, diz Galdini.
É o que especialistas chamam de “Life antes do login”, conta a executiva. “O bem-estar ocupa lugar que era antes do trabalho, passar a ser fonte de prazer, espaço de experiência, identidade e novas conexões”.
Fonte: Exame












