Nos últimos anos, o sistema financeiro vive uma transformação silenciosa, mas profunda. Enquanto grandes bancos reduzem a presença física e apostam no digital como principal canal de relacionamento, as cooperativas de crédito seguem na contramão, investindo em agências multifuncionais que se tornaram espaços de convivência, negócios e comunidade.
Num cenário marcado pela inteligência artificial, autonomia digital e novas formas de consumo, o papel do contato humano volta a ser debatido. Para compreender essa mudança de paradigma, a MundoCoop conversou com Edgar de Abreu, Professor e CEO da 4U EdTech.
Em uma conversa exclusiva, Abreu analisa as estratégias por trás da digitalização e o valor que a presença física ainda exerce no setor financeiro, e destaca o impacto da IA nas relações financeiras, os riscos da virtualização total e como o futuro das instituições passa por um modelo híbrido: menos espaço, mais propósito.
Confira!
Nos últimos anos, temos visto grandes bancos fechando agências, enquanto cooperativas de crédito seguem investindo em espaços físicos multifuncionais. Na sua visão, o que explica essa diferença de estratégia entre os dois modelos?
A principal diferença está no modelo de negócio e na relação com o cliente. Nos bancos tradicionais, o fechamento de agências é uma estratégia financeira: menos espaço físico significa redução de custo e aumento de margem. Isso não indica encolhimento, ao contrário, o número de clientes por gerente aumentou muito nos últimos anos. Hoje, um gerente não gerencia uma agência, mas uma carteira de clientes.
Já nas cooperativas, a lógica é oposta. Como não têm fins lucrativos, o objetivo não é cortar custos, mas gerar sobras e proximidade. A agência é vista como ponto de convivência e confiança, especialmente em comunidades menores, onde a presença física ainda gera pertencimento.
Em resumo: os bancos estão reduzindo espaço para ganhar eficiência financeira, e as cooperativas estão ampliando espaço para ganhar relevância relacional. Ambos, porém, caminham para um ponto de equilíbrio.
Com o avanço dos canais digitais e da inteligência artificial no atendimento, qual é hoje o verdadeiro valor de uma presença física para uma instituição financeira? Trata-se de necessidade ou de diferencial competitivo?
A presença física hoje deixou de ser necessidade operacional e se tornou diferencial competitivo. Antes, o cliente precisava ir até o banco para resolver qualquer coisa: abrir conta, pagar conta, investir. Agora, com a IA e o digital, tudo isso pode ser feito remotamente. O espaço físico passa a ser um lugar de desejo, não de obrigação, um ambiente pensado para negócios, café, reuniões e relacionamento.
A IA, por sua vez, libera o gerente das tarefas repetitivas (resgates, aplicações simples, cotações, etc.), permitindo que ele dedique tempo ao que realmente importa: relacionamento, confiança e operações estruturadas.
Portanto, o físico não é mais essencial, mas continua sendo um ativo estratégico quando usado para gerar vínculo humano e experiências positivas.
As cooperativas de crédito apostam em agências que vão além do atendimento, criando espaços de convivência e conexão com a comunidade. Essa abordagem pode ser considerada um modelo de relacionamento mais sustentável no longo prazo?
As cooperativas têm uma proposta de relacionamento mais sustentável no longo prazo. Elas tratam o espaço físico como extensão da comunidade, e não apenas como ponto de atendimento. Esse modelo cria vínculo social e emocional, fortalece a principalidade bancária (onde o cliente concentra suas principais operações) e gera fidelização natural, algo raro no mercado atual, onde cada pessoa tem conta em média em cinco instituições.
Essa presença relacional, somada à digitalização equilibrada, cria um modelo mais humano e duradouro, especialmente em regiões onde o relacionamento ainda pesa mais que a conveniência.
Em um cenário em que a digitalização é inevitável, quais riscos as instituições correm ao abandonar completamente a presença física? Há um limite para a “virtualização” das relações financeiras?
O maior risco é desumanizar o relacionamento. A digitalização é inevitável, mas há um limite para a “virtualização” das relações financeiras. Nem todos os clientes têm maturidade digital, e mesmo os mais jovens, quando enfrentam decisões complexas, crédito, sucessão, investimentos, ainda buscam apoio humano.
Abandonar o físico por completo pode gerar desassistência, perda de confiança e uma percepção de que o banco “não tem dono”. O ideal é um modelo híbrido, onde a IA cuida do operacional e o humano do emocional e estratégico. O físico continua sendo o espaço onde essa relação se consolida.
O público mais jovem, especialmente a Geração Z, tem mostrado preferência clara por interações digitais e autonomia financeira via aplicativos. Como as instituições podem equilibrar essa nova dinâmica com a manutenção de espaços físicos relevantes?
A Geração Z valoriza autonomia e agilidade, mas também busca propósito e experiência. Eles não querem filas nem burocracia, mas gostam de lugares onde possam se conectar, aprender e viver experiências reais.
As instituições podem equilibrar isso com espaços menores, mas mais inteligentes, hubs de convivência, coworkings, cafés, salas de negócio e eventos de educação financeira. Assim, o físico deixa de ser agência e vira ponto de experiência.
Em resumo: o digital resolve o “o quê”, o físico entrega o “por quê”.
Pensando no futuro do sistema financeiro, você acredita que veremos um modelo híbrido consolidado — com espaços físicos mais enxutos, mas estrategicamente posicionados — ou a tendência é de uma digitalização total do relacionamento com o cliente?
O futuro será híbrido e estratégico. Os bancos devem parar de fechar agências em massa e as cooperativas, de abrir sem critério. O novo modelo deve unir presença física enxuta, tecnológica e bem localizada com atendimento digital inteligente via IA. A lógica será: menos espaço, mais propósito.
A IA vai atender com eficiência quem está desassistido, enquanto o humano vai fortalecer a confiança e o relacionamento, o verdadeiro ativo financeiro de qualquer instituição.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop