No último mês, dois julgamentos importantes movimentaram o universo das cooperativas ao tratarem da Lei 11.101/2005, que regula a recuperação judicial. Em jogo: a possibilidade de cooperativas pedirem recuperação judicial e também a forma como elas se encaixam (ou não) como credoras nesse processo. Vamos por partes:
1. Quando a cooperativa é credora
No julgamento do REsp n.º 2.091.441, a 3ª Turma do STJ analisou um caso em que uma cooperativa de crédito era credora de um cooperado que entrou em recuperação judicial. A pergunta era: esse crédito deve seguir as regras da recuperação?
A resposta foi não. Por unanimidade, o STJ entendeu que créditos decorrentes de operações típicas de cooperativa de crédito, atos cooperativos, não se submetem ao regime da recuperação judicial, com base no §13 do art. 6º da própria Lei 11.101/05 alterada pela Lei 14.112/2020. A justificativa? Além da previsão legal expressa após alteração da referida Lei, o reconhecimento de que o risco da inadimplência nesses casos recai sobre todos os cooperados.
2. Quando a cooperativa pede recuperação
No julgamento dos REsp 2.183.710 e REsp 2.183.714 foi avaliado o seguinte: uma cooperativa médica pode pedir recuperação judicial?
Contexto: embora o Código Civil classifique cooperativas como sociedades simples, o que traria um aparente contrassenso quanto à aplicação da lei de recuperação judicial voltada às sociedades empresárias, a Lei 5.764/71 prevê que as cooperativas podem desenvolver quaisquer atividades econômicas. Por outro lado, o art. 2º da Lei 11.101/05 veda expressamente que operadoras de planos de saúde entrem com pedido de recuperação judicial e o caso objeto da análise era de uma cooperativa operadora de planos de saúde.
Resultado: O STJ reconheceu o direito de cooperativas médicas recorrerem à recuperação judicial, tanto pela relevância econômica e interesse social de preservação das cooperativas, quanto amparado na Lei 14.112/2020, que fortaleceu essa possibilidade ao prever expressamente que a vedação contida no art. 2º não se aplica às cooperativas médicas. Citou-se, ainda, a ADI 7.442 através da qual o STF reconheceu a constitucionalidade dessa inclusão argumentando que “o grau exigido para a sua organização econômica, o impacto da atividade exercida e a relevância social recomendam mecanismos de preservação de tais entidades”.
Fica a dúvida: as demais cooperativas que não estejam expressamente vedadas pela Lei podem pedir recuperação judicial?
O processo em questão era específico de uma cooperativa médica, então o STJ não ampliou manifestamente e diretamente tal interpretação, mas indiretamente sim, ao reconhecer, assim como o STF, o papel econômico e social das cooperativas e o interesse em sua preservação, o que abre caminho para novas decisões reconhecendo tal direito às cooperativas, exceto àquelas de crédito, para as quais há vedação expressa. Vamos acompanhar!
*Marina Lopes é Sócia do escritório BMAS advogados

Reportagem exclusiva publicada na edição 124 da Revista MundoCoop