Com o mundo se tornando cada vez mais voltado para a discussão que inclui temas de diversidade, inclusão e equidade no ambiente corporativo, uma pesquisa da Deloitte vem justamente trazer as ferramentas necessárias para que as empresas coloquem isso em prática. Com o nome de “Diversidade, Equidade e Inclusão nas Organizações 2022”, o estudo, que contou com a participação de 374 empresas, comprova que as mulheres continuam a ocupar posições de liderança, mas o mesmo não pode ser dito da participação dos demais grupos – especialmente raciais, de orientação sexual e de pessoas com deficiência –, que ainda é baixa. O levantamento traz dados sobre a estrutura, a disponibilidade de orçamento e a participação das pessoas que representam os grupos historicamente minorizados em instâncias de decisão.
E, mesmo que a pesquisa tenha revelado que as mulheres são o grupo mais bem representado em cargos de liderança (diretoria ou superior) e conselho, Angela Castro, sócia de Consultoria Tributária e líder do programa ALL IN na Deloitte, afirma que essa participação ainda é baixa ao considerar a população feminina no Brasil. “Esse tema tem evoluído de forma modesta mas, quando vamos aos demais grupos, o resultado é mais grave ainda, inclusive em aspectos de presença, independente de posição na empresa”, explica ela, acrescentando que é necessário sistematizar a jornada do profissional para que ela seja, de fato, diversa e inclusiva.
Vale destacar que a pesquisa mostra que quase dois terços (64%) das empresas pesquisadas têm uma frente voluntária de DE&I voltada a mulheres e mais da metade tem grupos para pessoas com deficiência (52%), LGBT+ (51%) e raças e etnias (51%), onde cerca de 64% têm orçamento para conduzir as ações da frente de DE&I.
“É imprescindível priorizar iniciativas que vão além da atração e recrutamento. Dos 64% das empresas que têm orçamento DEI, grande parte investe somente no início da jornada do profissional, com redução gradativa para ações voltadas ao crescimento, desenvolvimento e promoção, ou até mesmo retenção”, alerta a especialista.
Angela diz, ainda, que o avanço ainda é pequeno. Para ela, há alguns anos, houve uma aceleração que vinha de forma mais consistente com alguns marcos que acentuavam as conversas mas, com a pandemia, iniciada em 2020, esse ritmo ficou mais lento ainda.
“Esses resultados indicam um esforço das organizações em estruturar suas ações, equipes e recursos para endereçar questões relacionadas à diversidade e inclusão. Sendo que a idade média das frentes é de 3,5 anos. Isso demonstra que há um grande caminho a seguir para obter maturidade nos processos e ações e, somente depois, conquistar um impacto qualitativo, maior representatividade e mais pessoas na participação nos níveis hierárquicos de liderança”, completa.
Ela afirma que é necessário que toda empresa tenha a intencionalidade não somente com o grupo que faz DE&I, mas em todo seu ecossistema, desde fornecedores, clientes, alianças estratégicas, conexões sociais, governo, etc. “O tema é muito amplo para ser tratado dentro de uma bolha que, às vezes, está no RH, ou em qualquer outra área, de forma indefinida. O que não colabora para ações intencionais e legitimas”, comenta Angela.
Segundo Karen Skarski, Head of Sales para Latam da Temenos, o avanço da promoção da diversidade nas organizações brasileiras ainda precisa superar muitas barreiras. “Ainda estamos há anos-luz de empresas norte-europeias, onde há décadas não existe mais a necessidade de se falar em promoção de uma cultura de DE&I, pois as práticas inclusivas já fazem parte do DNA das organizações. Por aqui, existem muitos tabus, preconceitos e valores seculares a serem superados. No entanto, nos últimos 3 a 5 anos, avançamos muito nesse tema, e acredito sinceramente que chegaremos a índices satisfatórios em algum momento aqui no Brasil”, opina.
Teresa Daltro, CEO da Rede Daltro Educacional, afirma que as empresas precisam se posicionar em relação ao tema. “O mundo de hoje não é o mesmo de 20 anos: a representatividade precisa estar inserida em todos os âmbitos das empresas, quebrando esses padrões de conservadorismo. É preciso que a gestão seja responsável por promover essa inserção. Na minha rede educacional, por exemplo, tenho programas de inclusão e vagas de liderança para candidatos com foco na diversidade racial, além de pessoas com deficiência e LGBTQIA+”, detalha.
Agronegócio em alta para lideranças femininas aparece na pesquisa
Um dos pontos que chama a atenção na pesquisa é que a afinidade com o agronegócio é o principal motivo para atuação feminina no setor. Esse interesse genuíno somado aos movimentos constantes de aprimoramento e melhor formação fazem com que haja um maior espaço para mulheres no agro e, consequentemente, na liderança. Angela detalha que a presença feminina no setor em um ano (3º.trimestre 20 a 3º. Tri 21) cresceu 5% a mais que em 11 anos (2004 a 2015), segundo CAGED.
“Um ponto importante é que a presença feminina no setor é de, apenas, cerca de 16% de mulheres. Como nos outros, à medida que sobe o nível hierárquico, há uma queda considerável na participação de mulheres. Logo, a transformação é uma jornada e deve ser tratada como tal, indo de ações de sensibilização e conscientização, como a desmistificação dos vieses inconsciente, treinamento de liderança inclusiva, entre outras ações”, explica.
Para que a inclusão dentro das cooperativas faça sentido, Angela acredita que mentorias e apadrinhamentos possam tornar a inclusão uma realidade. “Inclusive, características específicas do setor, como sucessão, devem ser adotadas. Os entraves culturais podem ser atenuados com reforço pelo conhecimento”, pontua.
Já Karen Skarski afirma que trata-se de uma questão de tempo para que essa participação feminina cresça ainda mais, independente do setor. “ Fico feliz em perceber que há mais mulheres liderando em todo o país. No entanto, minha preocupação está na diferença regional do Brasil, já que em boa parte dele o machismo impera. Com o passar do tempo e exemplos reais, conseguiremos melhorar esse cenário. Tenho fé de que estamos no caminho certo! Por isso, as cooperativas precisam conseguir enxergar que inclusão não é uma questão de imagem e modernidade, mas uma prática essencial para a sobrevivência a longo prazo de uma empresa. As empresas inclusivas são mais lucrativas e apresentam equipes mais felizes, e serão as mais competitivas no mercado. Quem não quiser surfar essa onda, vai ficar para trás!”, dispara.
De acordo com Teresa Daltro, o papel das cooperativas é justamente cooperar, unir e agregar. “Por isso, elas, mais do que qualquer outro grupo, são capazes de usar os dados da pesquisa para promover a inclusão, verificando os pontos fracos que devem ser trabalhados, como os relacionados à diversidade, gênero e pessoas com deficiência, promovendo ações internas que colaborem com essa mudança. O pensamento de inclusão deve ser sempre feito de acordo com ações tomadas internamente para, depois, ganharem corpo e se tornarem realidade”, analisa.
O futuro: empresas devem mudar ecossistema em sua essência para tornar a diversidade inclusiva possível
Portanto, para tornar o tema DE&I uma prática natural dentro das organizações, há muito a ser feito. Karen Skarski, da Temenos, afirma que, com as novas gerações de líderes, aos poucos os valores e a cultura vão conquistar mudanças positivas. “Assim, a inclusão ganha mais espaço dentro das empresas e da sociedade como um todo. Há décadas observamos uma grande mobilização social por mais direitos de grupos minoritários e excluídos, e as gerações mais jovens são as que mais se sensibilizam com essas causas. Por isso, acredito fortemente que as novas e jovens lideranças devem ser as principais responsáveis em trazer uma postura mais inclusiva. O papel da liderança é essencial para conseguirmos uma mudança de rumo e transformar o tema DE&I”, analisa.
Teresa Daltro concorda: “somente partindo para uma mudança mais profunda dentro da cultura organizacional da empresa, isso é possível. Nossa sociedade é conservadora. Por isso, é necessário quebrar esse padrão e desenvolver ações que gerem inclusão e respeito a todos os grupos. No entanto, quebrar padrões sociais tão arraigados não é nada fácil. Temos que nos unir em prol de tornar a inclusão essencial em todos os setores da sociedade.”
Angela Castro, líder do programa ALL IN na Deloitte, aposta que ações sistêmicas, precisas, com métricas e metas pré-definidas, podem acelerar essa transformação. “Estamos longe de ter essa pluralidade ou consciência de atuar de forma verdadeira e com propósito em todo o ecossistema da organização. Como apontou a pesquisa, a promoção da diversidade se mostra avançada em muitos pontos, mas também é desafiadora em diversos aspectos. É fato que as empresas vêm respondendo a uma intensa mobilização social por mais direitos de minorias – direitos esses que foram legal e legitimamente conquistados ao longo de muitos anos. Por outro lado, a transição para uma cultura de negócios mais inclusiva não se dá em uma virada de chave. É preciso um trabalho de esclarecimento, posicionamento e abertura para o diálogo, o que demanda tempo, recursos e intencionalidade por parte das empresas”, conclui.
Por Leticia Rio Branco – Matéria publicada na Revista MundoCoop edição 110
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