O mercado de reciclagem cresceu e se consolidou nas últimas décadas. Após um longo trabalho de educação que vem desde a base, na escola, temos atualmente uma sociedade ainda mais consciente sobre a importância do descarte correto de resíduos.
Com essa mudança, as cooperativas de reciclagem ganharam um novo fôlego. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre o Saneamento (SNIS), hoje o país possui um total de 1.153 cooperativas desse tipo. Juntas, elas respondiam por 30,7% da coleta total em 2018, ano do último levantamento. São espalhados pelo país, centenas de centros responsáveis por realizar a triagem dos resíduos coletados, dando o direcionamento correto para que sejam reciclados.
Segundo o estudo “O Futuro do Setor de Gestão de Resíduos”, elaborado pela ISWA (International Solid Waste Association), o Brasil deve passar de 82,5 milhões de toneladas de resíduos, para 100 milhões até 2030, sendo o maior gerador de lixo da América Latina. Diante disso, é clara a pressão sobre o mercado, que precisa tratar de um volume maior de lixo, para que os impactos ambientais não se agravem.
Para Carlos Silva Filho, diretor presidente da ABRELPE – Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais e presidente da ISWA – International Solid Waste Association, o “boom” das cooperativas do setor foi impulsionado por diversos fatores. Entre eles, a mudança de comportamento da sociedade e a legislação voltada para esse setor.
“O mercado de reciclagem vem ganhando cada vez mais importância no Brasil a partir da sanção que vigência da Política Nacional de Resíduos Sólidos, a Lei 12 305, de 2010, que trouxe uma série de princípios e diretrizes para um melhor aproveitamento de resíduos e utilização como um recurso. Temos também a questão do princípio da responsabilidade compartilhada, que estabelece justamente obrigações e metas para os produtores e comerciantes, fomentando esse mercado”, explica.
Além das esferas legal e social mudarem a forma como as cooperativas de reciclagem atuam, outro fator tem potencializado o crescimento dessas cooperativas, e vai de encontro com a mudança de posicionamento do consumidor. “Aqui no Brasil, de acordo com os estudos da Abrelpe, temos observado uma mudança no perfil de geração de resíduos, com uma redução no percentual de resíduos orgânicos descartados e um aumento no percentual dos resíduos recicláveis das embalagens dos descartáveis. Com este crescimento e principalmente com essa mudança no perfil de geração de resíduos sólidos, nós temos justamente um maior volume de recicláveis que podem ser aproveitados, que podem ser encaminhados para processos de recuperação e valorização, demandando mais infraestrutura para sua coleta para sua separação, de forma a viabilizar esse seu aproveitamento”, nos conta Carlos.
Contudo, mesmo com estes pontos positivos que consolidaram o trabalho das cooperativas de reciclagem, há ainda barreiras pelo caminho, como a falta de conexão entre alguns elos, vitais para o funcionamento da cadeia. Além disso, há ainda um terceiro tópico que merece a atenção: a infraestrutura. “A disponibilização de infraestruturas para a coleta seletiva e a própria indústria de estar preparada e capacitada e aberta para receber esses produtos, receber esses materiais e processá-los como uma matéria prima. Então, nós temos um potencial muito grande para expandir, mas já temos todo um suporte legal e regulatório para permitir que esses avanços sejam acelerados”, completa.
Com as mudanças vistas no setor, a reciclagem ganhou novos contornos, e hoje termos ainda inéditos para muitos criam novas relações com os resíduos que geramos. “A economia circular vem trazer novos horizontes para o aproveitamento e valorização do resíduo como um recurso. É permitir que os produtos sejam fabricados pensando na sua vida pós consumo. Que os produtos sejam desenhados pensando no seu aproveitamento como um recurso e não no seu descarte, como um resíduo”, afirma. Porém, é vital que tal conceito saia do papel, se quisermos uma real mudança. “Precisamos transformar, transpor estes conceitos da teoria para a prática. Com isso, nós temos aí a dimensão que o setor de resíduos pode adotar, porque justamente conhecendo todo o processo de aproveitamento, de valorização e de retorno desses materiais”, frisa.
Novas oportunidades
Uma das centenas de cooperativas que trabalham para que a cadeia de reciclagem continue funcionando, é a Coopermiti. Fundada em 2010, em parceria com a Prefeitura do Município de São Paulo, a cooperativa realiza diversas operações, com um Sistema Integrado de Gestão da Qualidade e Meio Ambiente implantado e implementado em conformidade com as normas NBR ISO 9001:2015 e NBR ISO 14001:2015. Com isso, a cooperativa desenvolve e opera soluções para o desfazimento do lixo eletroeletrônico e dos resíduos recicláveis secos.
Com o lema “Cooperativismo, Educação e Sustentabilidade”, a Coopermiti é um exemplo de como esse setor pode impactar vidas. Nesta missão, o cooperativismo entra em ação diariamente. Para Alex Luiz Pereira, diretor-presidente da Coopermiti, tais pilares fortalecem a cooperativa, assim como a união em prol de um único propósito. “Sem a cooperação entre os cooperados, entre as cooperativas, e sem a prática da cooperação com demais parceiros comerciais e institucionais, não seria possível criar um ambiente em que o cooperado se sinta motivado a manter-se na luta diária de triar um resíduo de baixa qualidade”, afirma.
Além disso, Pereira faz questão de destacar a educação como um pilar essencial da cooperativa, que atua trazendo novas oportunidades para pessoas de diversos perfis. “A educação é outro ponto motivador, que além de fidelizar as parcerias comerciais e institucionais, de forma lenta e gradual nos auxilia no aumento do engajamento da sociedade em entender melhor a importância da reciclagem, além da qualificação que ele proporciona aos cooperados diretamente envolvidos com a reciclagem. Sem que possamos encontrar um equilíbrio entre os pilares social, ambiental e econômico, o negócio se torna inviável. A constante busca por esse equilíbrio faz-se com a cooperativa mantenha-se competitiva no mercado”, afirma.
Diante de tantos pontos que mostram o estágio atual dessas cooperativas, é fato de que o setor passa por um momento de maturação. Para muitos, tal momento criou o que chamamos de ‘Cooperativas 2.0’, uma fase que demonstra que o setor está diante de uma nova fase e de novos desafios. “A principal característica desse momento é a receptividade da maioria dos gestores das cooperativas em procurar unir forças e buscar mais conhecimento para melhorar a gestão da cooperativa. Há maior receptividade para participação em projetos que visam a profissionalização da gestão e melhoria do desempenho produtivo da cooperativa”, destaca Pereira.
Sejam pequenas ou grandes, é indiscutível que as cooperativas de reciclagem são parte fundamental da sociedade. Leis como a recém-sancionada e outras iniciativas do setor privado, mostram que a preocupação com o nosso lixo é algo real e que está aqui. A partir disso, criar novas políticas para fortalecer o setor é essencial, para que mais empregos sejam criados, mais oportunidades sejam encontradas e mais lixo seja reciclado. “Temos um horizonte bastante favorável, bastante positivo para a ampliação dos índices registrados. Agora, justamente com as medidas recém adotadas e a profissionalização das cooperativas, vamos justamente sustentar este avanço, incorporando novas práticas e trazendo a formalidade, de forma que haja justamente uma melhor economia de escala e de forma que haja justamente maior volume de materiais, consistência e permanência”, finaliza.
Por Leonardo César – Matéria publicada na edição 108 da Revista MundoCoop
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