O mercado de trabalho não é mais o mesmo. Tal afirmação, mesmo que soe genérica nos dias atuais, é mais real do que nunca, uma vez que a nova década e a pandemia trouxeram uma nova e completamente diferente dinâmica para as relações de trabalho. Neste contexto, não apenas a chegada abrupta do home office trouxe novos desafios e oportunidades, mas também a nova forma como a geração z olha para as suas profissões mudou a forma como o mercado se comporta, trazendo dilemas inéditos para gestores.
Se na década passada o lema era “resultados a qualquer custo”, hoje profissionais de todas as áreas buscam uma jornada mais equilibrada, com uma maior harmonia entre a vida profissional e pessoal. Se no começo o home office significava menos horas no trânsito e mais qualidade de vida, logo os colaboradores se depararam com jornadas abusivas e uma perigosa linha tênue entre a vida pessoal e profissional. Neste cenário, novos movimentos surgiram. E em todos eles, um objetivo comum dita novos direcionamentos: a busca por uma jornada mais equilibrada com a vida pessoal, resultados em mais tempo para atividades além do ‘escritório em casa’.
Em resposta a esse cenário, um movimento silenciosamente entrou na vida de um número imensurável de profissionais ao redor do globo. E assim, o quiet quitting ganhou a atenção da mídia, e dos gestores. Apesar de trazer o termo quitting (que pode ser traduzido como “desistir”), o movimento não tem nenhuma relação com a grande demissão voluntária mencionada anteriormente. Ao contrário desse grupo, os adeptos do quiet quitting não possuem a intenção de deixar os seus empregos, e simplesmente decidem adequar sua rotina para atividades e demandas estritamente ligadas ao que foi estabelecido no contrato de trabalho, uma vez que buscar uma recolocação em uma posição e local mais agradáveis, tem se tornado cada vez mais difícil.
“Embora o termo “quiet quitting” tenha sido popularizado em 2022, seus aspectos existem no local de trabalho há muito mais tempo. Esse é um movimento que você pode ser contra ou a favor, mas que de fato está acontecendo. Ele representa uma redefinição, um momento de redesenhar a relação com o trabalho que estamos vivendo. As pessoas estão redefinindo as horas que elas trabalham e o quanto elas se engajam nas atividades relacionadas ao trabalho, porque nem sempre estão necessariamente conectadas e trabalhando, e tem outras atividades durante o dia, fazendo com que muito do trabalho possa estar fora do horário comercial”, nos conta Tonia Casarin, especialista em liderança socioemocional e mestre em educação para líderes pela Universidade de Columbia.
Olhando para o cenário como um todo, o quiet quitting é uma ação de resposta ao novo lema “trabalhar para viver e não viver para trabalhar”. Seus adeptos, estão mais conectados com o equilíbrio emocional e mental, e ao se depararem com ambientes e jornadas de trabalho que julgam como tóxicos e prejudiciais, buscam por conta própria adequar as demandas para aquilo combinado previamente. Além disso, a falta de reconhecimento por aquilo que é feito torna o quiet quitting ainda mais presente em diversas jornadas, uma vez que a opção de “vestir a camisa a qualquer custo”, deixa de fazer sentido para esses grupos.
Para Casarin, esse movimento pode e já levanta divergências no mercado, uma vez que o colaborador passa a declinar demandas excessivas e jornadas além do estabelecido. Contudo, o cenário apresenta também oportunidades. “Mesmo existindo pessoas “contra”, essa é uma nova oportunidade e visão, sendo o grande desafio saber como serão alinhadas às expectativas, a liderança em relação a entrega e a quantidade de trabalho. Além disso, traz também desafios sobre em relação à atração e retenção de talentos porque, nos dias de hoje, pesquisas apontam que as pessoas procuram trabalhos mais flexíveis, dependendo da flexibilidade que a empresa oferece, os colaboradores podem trabalhar em home office, o que dificulta o ambiente de trabalho de trazer e desenvolver talentos”, afirma.
Ainda neste novo ecossistema, germina um novo aspecto a ser observado, diretamente ligado com o surgimento do quiet quitting: a falta de engajamento com a empresa. Mesmo que seja desejo da maioria trabalhar em um local alinhado com os interesses e valores, muitas vezes o mercado coloca o profissional em outro caminho, causando sentimentos como frustração e desânimo. Segundo uma pesquisa da Gallup, apenas 33% dos funcionários americanos estão engajados em seus empregos. Mais de 50% relataram que estão aderindo ao quiet quitting e estão “apenas aparecendo” e 17% se descrevem como “ativamente desengajados”.
Essa falta de conexão com o ambiente onde o colaborador está inserido, se relaciona diretamente ao novo movimento do mercado de trabalho onde o propósito, em sua mais pura essência, passou a ser buscado por profissionais de todo os tipos e posições hierárquicas. Nesta nova era, o colaborador busca sentido não apenas naquilo que faz, mas também – e de forma igual – no local onde está inserido. Para ele, fazer parte de um time que não dá vida aos seus valores, não traz sentido para a sua profissão, tirando dele a vontade de “fazer acontecer”.
“Essa nova geração não é ligada apenas ao seu próprio propósito, mas consome os propósitos das empresas, e dessa forma, também buscam trabalhar em empresas que sejam alinhadas com o que dizem. E isso está ligado a novas gerações entrando no mercado de trabalho e também consumindo. Ainda que o propósito não seja uma tendência necessariamente nova, nós ouvimos falar da busca ao propósito, e de pessoas que escolhem as suas carreiras baseadas nele”, frisa Casarin.
Cenário ideal
Apesar de estar em pleno crescimento, o quiet quitting atrai – como em todos os novos movimentos de mercado – olhares positivos e negativos. Se por um lado a extinção de uma jornada exorbitante se prova como uma tendência ideal para profissionais mais saudáveis mentalmente e fisicamente, por outro lado há quem acredite que tal opção por parte do colaborador possa impactar negativamente não apenas no próprio desenvolvimento de carreira, mas também nos resultados a longo prazo.
Para que se crie um ambiente ideal, criar um novo vínculo entre o todo o staff é fundamental para que o engajamento diário retorne, seja no ambiente presencial ou no home office. Neste sentido, buscar ações que deem voz ao colaborador deve estar no radar de gestores, que podem inclusive utilizar momentos de networking presencial para o estabelecimento e desenvolvimento de uma nova conexão. Além disso, olhar para a busca pro propósito no trabalho deve ser um tema de real preocupação para gestores, que devem entender que neste novo momento do mercado, o colaborador que sentir que o seu local de trabalho não está alinhado com seus objetivos, buscará uma outra opção, independentemente dos benefícios (financeiros ou não) da posição atual.
De fato, falar sobre o trabalho exaustivo e seu impacto na vida pessoal e na saúde do colaborador é indispensável. O mundo corporativo pré-pandemia não existe mais, e novos processos e práticas devem ser adotados prontamente, sem deixar de lado mudanças coletivas exaustivamente discutidas e debatidas nos últimos anos. Tendências como a demissão voluntária em massa e o quiet quitting são o exemplo de um novo olhar que definiu o mercado como será daqui em diante. Não um mercado formado por uma geração que não quer colocar a mão na massa (como alegam alguns grupos), mas de um mercado formado por pessoas que querem contribuir para uma mudança, sem deixar de lado ou negligenciar aquilo que são.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop
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