O cooperativismo brasileiro está cada vez mais conectado à inovação. A pesquisa “Pesquisa de Inovação no Cooperativismo Brasileiro 2024” revelou que oito em cada dez cooperativas implementaram ao menos um projeto inovador nos últimos dois anos, evidenciando que a busca por novas soluções deixou de ser exceção para se tornar parte da estratégia do setor. No cooperativismo agropecuário, esse movimento ganha força com iniciativas que integram tecnologia, capacitação e sustentabilidade, abrindo caminho para ganhos de produtividade, competitividade e impacto social.
Segundo Hellen Beck de Souza, analista do Núcleo de Inteligência e Inovação do Sistema OCB, “o levantamento mostrou que a inovação já é uma prática disseminada: oito em cada dez cooperativas implementaram pelo menos um projeto inovador nos últimos dois anos. Além disso, os dados indicam uma relação clara entre faturamento e número de iniciativas: quanto maior o porte da cooperativa, mais projetos inovadores são desenvolvidos. A percepção de relevância também impressiona: em uma escala de 0 a 10, a importância atribuída à inovação alcançou média de 9,6, quase unânime. Por outro lado, a pesquisa acendeu um alerta para a consolidação da cultura de inovação. Nesse quesito, a média foi de 6,4 na autoavaliação, revelando que, embora a inovação seja valorizada, transformá-la em hábito organizacional contínuo ainda é um desafio”.

Esse desafio passa, sobretudo, por recursos. Apenas 29% das cooperativas possuem orçamento específico para inovação, destinando em média 1,6% do total para esse fim. “Sem recursos dedicados, a inovação muitas vezes é tratada como um custo secundário, e não como investimento estratégico”, pontua Hellen. Para mudar essa realidade, o Sistema OCB criou o Radar de Financiamento, mapeando editais e linhas de crédito e promovendo workshops para capacitar cooperativas a acessar esses instrumentos.
Modelos e estratégias que estão funcionando
Entre os modelos mais adotados está a inovação aberta, presente em 58% das cooperativas. Essa abordagem amplia o acesso a soluções vindas de startups, universidades e fornecedores, reduzindo custos e acelerando resultados. Paralelamente, a inovação incremental – voltada para melhorar processos e produtos existentes – tem gerado ganhos rápidos e consistentes.
Hellen reforça que “começa a ganhar força a adoção de modelos de negócio inovadores e iniciativas que integram inovação aos pilares ESG, conectando tecnologia, sustentabilidade e impacto social positivo”. O grande diferencial do setor, segundo ela, é que “nas cooperativas, inovar é gerar valor para todos, não só lucro para acionistas”.
Casos que inspiram
Nos últimos anos, diversos exemplos têm mostrado a força dessa combinação. Programas como o Conexão com Startups demonstram como a união de cooperativas e startups permite implementar tecnologias, melhorar processos e gerar valor de forma colaborativa. A Uniodonto, por exemplo, criou uma plataforma inteligente de agendamentos médicos com a startup Magma Digital. Já a Cemil, de Minas Gerais, usa inteligência artificial para prever o preço de laticínios com alta precisão, em parceria com a UPTech.
Há também casos de intercooperação de alto impacto, como a criação da Vexgo, marca de transporte de cargas desenvolvida pela Nater Coop e Coopetranserrana. No agronegócio, a Frísia e a Castrolanda têm investido no SigmaABC, aplicativo com mais de 27 módulos tecnológicos para agricultura de precisão, fruto da Fundação ABC.
O olhar das políticas públicas
O avanço da inovação no cooperativismo não se deve apenas a esforços internos. Gabriel Augusto, superintendente de Inovação da Secretaria de Ciência e Tecnologia de Goiás, destaca o papel do poder público: “A Secretaria de Ciência, Tecnologia e Inovação de Goiás (SECTI) entende que a inovação é um pilar essencial para a competitividade e a sustentabilidade das cooperativas. A ideia aqui é criar pontes entre o ecossistema de inovação e o cooperativismo, à exemplo do nosso apoio à própria edição da CoopsParty 2024 por meio da secretaria tanto quanto do Pacto Goiás pela Inovação”.
Segundo ele, a estratégia é conectar universidades, centros de pesquisa, startups e setor produtivo, oferecendo incentivos, acesso a editais e conexão com hubs de inovação. Essa rede fortalece iniciativas de transformação digital, alfabetização em dados e inovação aberta – áreas que, para ele, terão impacto crescente nos próximos anos.
Tendências que vão moldar o futuro
Para Gabriel, cinco tendências se destacam: “Digitalização e automação de processos, aumentando a eficiência e reduzindo custos; inteligência artificial e análise de dados para aprimorar a gestão, prever demandas e personalizar serviços aos cooperados; sustentabilidade e economia circular, com soluções que agregam valor e reduzem impactos ambientais; plataformas digitais de relacionamento, fortalecendo o engajamento e a participação dos membros; e inovação aberta, por meio de parcerias estratégicas com startups, centros de pesquisa e outras cooperativas”.
Esse direcionamento tecnológico, aliado ao foco em impacto social e governança participativa, reforça o que diferencia o cooperativismo dos negócios convencionais: a inovação não é fim em si mesma, mas instrumento para melhorar a vida dos cooperados e da comunidade.
Um setor que se reinventa sem perder a essência
O cooperativismo tem mostrado que é possível combinar tradição e inovação de forma equilibrada. Governança democrática, foco no coletivo e princípios sólidos convivem com digitalização, automação e uso intensivo de dados. O desafio agora é consolidar a cultura inovadora como prática permanente, com processos claros para geração e implementação de ideias, orçamento recorrente e engajamento das lideranças.
Hellen resume o caminho: “Para inovar mais, as cooperativas precisam combinar planejamento orçamentário consistente e recursos recorrentes para inovação; estruturação de processos claros para geração, seleção e implementação de ideias; e investimento contínuo em capacitação e cultura de inovação, de modo a engajar lideranças e cooperados. É essa soma que permitirá transformar o discurso favorável à inovação em resultados concretos e sustentáveis”.
Panorama da Inovação nas Cooperativas
• 80% implementaram ao menos um projeto inovador nos últimos dois anos
• 58% adotam inovação aberta
• 29% possuem orçamento específico para inovação
• 1,6% é o percentual médio do orçamento dedicado à inovação
• Nota média de relevância atribuída à inovação: 9,6
• Nota média de consolidação da cultura de inovação: 6,4
Tendências
• Digitalização e automação de processos
• Inteligência artificial e análise de dados
• Sustentabilidade e economia circular
• Plataformas digitais de relacionamento
• Inovação aberta e intercooperação
Por Andrezza Hernandes – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 125 da Revista MundoCoop












