A adaptação é inerente ao ser humano desde o seu nascimento. Em cada fase da vida, crianças, adolescentes e adultos são expostos a novas situações e a obstáculos a serem superados. Com o avanço e a transformação da chamada Era da Informação, período marcado pelo acesso rápido e massivo ao conhecimento tecnológico, surgiu um grande e novo desafio para as empresas, cooperativas e organizações: o FOMO (Fear of Missing Out) que, em português, significa ‘o medo de estar perdendo algo importante’.
Essa ‘síndrome’ psicológica chegou como uma resposta natural ao ambiente em que a sociedade atual está inserida. A constante exposição a novas ideias e ferramentas gera ansiedade, competição e um senso de urgência em organizações que não querem “ficar para trás” no mercado, principalmente com relação à concorrência.
Um estudo recente da PwC (Global Digital IQ Survey) mostrou que 54% dos executivos sentem que suas empresas estão atrasadas na adoção de tecnologias emergentes. Em contrapartida, segundo a empresa de consultoria Gartner, até 70% dos projetos de transformação digital falham parcialmente por falta de alinhamento com os objetivos do negócio.
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Abordar o FOMO corporativo dentro do contexto atual faz todo o sentido, já que o medo de estar perdendo algo está diretamente ligado ao excesso de informação e à hiperconectividade. No ambiente empresarial, isso se traduz na pressão para adotar as últimas tendências e inovações tecnológicas, por medo de perder competitividade ou relevância no mercado.
Esse grande receio de perda leva as organizações a entrarem em uma “corrida desenfreada” pela adoção de novas tecnologias. O que acaba ocorrendo é que elas buscam estar na vanguarda da inovação, independentemente de uma estratégia clara.
É justamente essa reação impulsiva que pode levar uma cooperativa ou empresa a adotar tecnologias sem alinhamento com os objetivos do negócio. Outro passo equivocado é usar as novidades sem considerar se elas resolvem problemas específicos ou melhoram os processos internos, investem sem avaliação de impacto e implementam novas tecnologias de alto custo que não são adequadas ao seu modelo.
É o que diz Andrea Iorio, especialista em inovação, palestrante e escritor best-seller. Para ele, as cooperativas, por exemplo, acabam entrando nessa corrida tecnológica, mas nem sempre de uma maneira sustentável. “O FOMO leva líderes e colaboradores a quererem correr atrás do que os outros estão fazendo por se sentirem fora desta corrida. Só que o grande problema é que outros estão correndo suas próprias corridas, mas o cooperativismo tem maneiras diferentes de interagir com o seu cooperado, com seu cliente, o que acaba se tornando um risco”, alerta o especialista.
Como as cooperativas atuam de forma diferenciada em comparação com empresas tradicionais, “muitas das inovações tecnológicas que podem ser mais transacionais nas empresas não cooperativistas podem não ser recebidas tão bem pelo cooperativismo. O cooperado quer um relacionamento mais próximo e, algumas vezes, essas ferramentas vêm para afastar, vêm para automatizar, o que pode levar a se perder um pouquinho o toque da humanização”, avisa Iorio.
Um exemplo de resultado positivo do uso tecnológico vem da Unicred União, que criou a Agência Mais, primeira unidade de atendimento virtual do sistema cooperativo de crédito. Segundo Marcelo Vieira Martins, diretor executivo da coop e autor de livros sobre cooperativismo, para implementar a novidade não foi necessário nenhum grande investimento. “Do ponto de vista da tecnologia, tudo evolui o tempo todo. Mas, desde o começo da Agência Mais, optamos por sistemas simples, voltados para controle de fluxo, conversas e soluções rápidas. Como são tecnologias de baixa complexidade, usamos os mesmos recursos tradicionais que outras agências e a própria cooperativa já utilizavam. Isso porque, para nós, a tecnologia é um meio, não o foco. A base da Agência Mais sempre foi o atendimento de pessoa para pessoa – o digital é só o canal”, evidencia Marcelo.

Nessa linha de raciocínio, que a tecnologia ajuda, mas quem faz a diferença no atendimento são as pessoas – tanto quem atende quanto quem é atendido, o diretor destaca que o melhor atendimento é o humanizado. “Se tivéssemos apostado na tecnologia como fim, talvez tivéssemos caído em armadilhas comuns, como menus automáticos, robôs e outras soluções que prometem facilitar, mas muitas vezes complicam. Agora, com a inteligência artificial entrando nesse espaço, o risco é o mesmo: vender uma ideia de atendimento mais agradável, com custo menor, mas que perde o lado humano”, adverte.
Riscos
No mundo atual, onde inovações, tendências e dados circulam em tempo real, as cooperativas e as empresas passaram a enfrentar essa nova realidade. Especialmente, as organizações comerciais organizadas em cooperativas, já que seguem princípios baseados nos preceitos de responsabilidade ambiental, social e de desenvolvimento igualitário e justo para toda comunidade onde os negócios são operacionalizados.
Não se trata apenas de acompanhar o mercado, mas de um impulso quase incontrolável de aderir a tudo o que é novo, por medo de ficar para trás. Essa ansiedade por estar sempre “na crista da onda” tem levado muitas organizações a decisões precipitadas, com mais riscos do que resultados.
Camila Berteli, gerente de Cultura e Desenvolvimento da Unilever, mencionou o FOMO em um artigo publicado no blog da Eureca. No texto, ela reflete sobre a dificuldade de priorizar eventos e compromissos após a pandemia, destacando a importância de minimizar esse sentimento para focar em atividades que realmente agregam valor. “Por isso, tenho buscado minimizar o meu sentimento do FOMO que sempre sentimos quando vemos tantas agendas bacanas que queremos estar, para realmente eleger aquele evento que agrega conhecimento, boas conexões, que saímos cheios de ideias e com a sensação de que valeu”, ressalta.
A ‘síndrome’ FOMO também pode evidenciar os principais erros que as cooperativas podem cometer nesse processo, assim como traçar caminhos para evitar esses erros. “Uma consequência é a tomada de decisão por impulso, quando se diz: se os outros estão fazendo, por que eu não estou fazendo também? É uma decisão pouco racional, muito impulsiva e, na sua pouca racionalidade, muitas vezes não começa por aquela que é verdadeiramente a dor do cliente”, ressalta o especialista Andrea Iorio.
Excesso
O atual desafio para as organizações empresariais vai além de lidar com o excesso de conteúdo, mas também desenvolver filtros emocionais e cognitivos para manter o equilíbrio em meio ao ruído. Como todos vivem um período pautado pela abundância de dados, conectividade constante e velocidade na transmissão de conteúdo, esse cenário trouxe novos riscos para os negócios.
O que define a Era da Informação, desde seu surgimento no final do século XX, é justamente o valor central que a informação passou a ter para a economia e a sociedade. Apesar disso, especialistas argumentam que esse tempo está passando por uma transição, conhecida por novos nomes como Era da Inteligência Artificial, Era da Experiência, Era da Desinformação (pelo volume de manipulações digitais) ou até mesmo por Pós-era da Informação, quando o desafio não é mais acessar dados, mas lidar com seu excesso e com uma interpretação correta.

Exemplos
Em grandes organizações, é fácil reconhecer esse comportamento: uma nova tecnologia surge, uma grande marca aposta nela e, de repente, todo o mercado se sente pressionado a seguir o mesmo caminho. Alguns exemplos podem surgir como adoção acelerada de tecnologias como blockchain ou metaverso, sem um plano de aplicação real; presença forçada em todas as redes sociais, mesmo quando a audiência da marca não está ali; e imitação de movimentos de concorrentes, sem considerar o contexto, o público ou a maturidade da própria empresa.
Essas decisões, baseadas no “e se a gente estiver perdendo algo? ”, raramente vêm acompanhadas de análise estratégica profunda. Muitas vezes, são reações emocionais disfarçadas de inovação. Por isso, adotar novas medidas sob influência desse novo comportamento pode ter impactos sérios e silenciosos na saúde da cooperativa ou empresa.
Para especialistas na área, os principais riscos são o desperdício de recursos, como tempo, energia e orçamento direcionados para iniciativas sem retorno; o desalinhamento estratégico: perder o foco do que realmente importa para o negócio e para o cliente; a fadiga organizacional: colaboradores exaustos por mudanças constantes e sem direção clara; e a perda de identidade da marca: quando se tenta seguir tudo e todos, a empresa deixa de ser reconhecida por algo único.
Propósito
De acordo com quem entende do assunto, a saída não é rejeitar a inovação, mas adotar a prática com consciência, clareza e propósito. Algumas práticas podem ajudar, como a análise de tendências com senso crítico, a adoção de critérios objetivos de priorização para reduzir a influência da ansiedade coletiva nas decisões, a manutenção do foco com propósito e estratégia e o investimento em inovação sustentável, resolvendo problemas reais, respeitando o ritmo da organização e gerando valor a longo prazo.
Na Era onde tudo muda o tempo todo, as empresas maduras devem aprendem a transformar esse medo em curiosidade estratégica, e não em decisões impulsivas. O verdadeiro diferencial competitivo está em saber o que ignorar, tanto quanto saber o que adotar.
Nessa perspectiva, o especialista Andrea Iorio faz um alerta com relação à necessidade de medir o impacto de cada tecnologia antes da sua implementação. Segundo ele, talvez o único efeito positivo do FOMO corporativo é que se cria um senso de urgência. “É preciso sempre medir o impacto da tecnologia e se colocar quais são as métricas de sucesso para essa estratégia. Não é só questão de lançar uma ferramenta digital para o cooperado ou de automatizar uma tarefa, mas é qual ganho que eu tenho disso? Qual ganho que o cooperado tem disso? Como isso impacta minhas métricas mais importantes? ”, ensina.
Bons impactos
A síndrome psicológica FOMO também pode ter bons efeitos nas cooperativas e organizações. Abertura para novidades, engajamento, motivação e a competitividade no mercado são pontos que podem ser considerados positivos como efeito do fenômeno.
Como exemplos de impactos negativos, há a sobrecarga de trabalho, a cultura competitiva e tóxica, a dificuldade em priorizar e as consequências para o bem-estar de colaboradores. Mas existem estratégias para reduzir esse impacto de maneira positiva e criar valor, tanto para colaboradores quanto para clientes.
Para conduzir a gestão do problema é preciso focar em prioridades, promover o cuidado da saúde mental dos colaboradores, valorizar a colaboração e adotar novidades com cautela. Especialistas em Inovação asseguram que o equilíbrio saudável entre atenção ao mercado e cuidado com a equipe pode transformar o FOMO em um fator positivo.
No Brasil, algumas empresas já possuem estratégias interessantes para lidar com esse comportamento, tanto internamente quanto em relação aos consumidores. A Natura, empresa brasileira de cosméticos, por exemplo, alinhou inovação e sustentabilidade. Com a promoção de práticas que valorizam a biodiversidade e as comunidades locais, criou-se um senso de exclusividade e impacto positivo que reduz o FOMO relacionado a tendências passageiras.
No coop
Aplicar estratégias de mitigação do FOMO corporativo em uma cooperativa pode trazer benefícios tanto para a produtividade dos colaboradores quanto para a relação com os clientes. A ideia pode ser enfatizar a exclusividade real, ao invés de criar campanhas que gerem ansiedade (como promoções de tempo limitado), com foco em destacar os valores e a qualidade do seu produto ou serviço diferenciados.
Além disso, uma saída pode ser educar e inspirar os públicos alvo com campanhas que incentivem decisões conscientes, sustentáveis e transparentes, mostrando seu negócio nos bastidores para criar confiança e um senso de comunidade. Outra opção seria a divulgação de ações sociais ou ambientais para reforçar que o cliente faz parte de algo maior e coletivo, que impacta a vida de todos, característica que faz parte do DNA do cooperativismo.
Por Alessandra Faria – Redação MundoCoop

Reportagem exclusiva publicada na edição 123 da Revista MundoCoop