A inovação aberta com startups nas grandes corporações está vivenciando um período de amadurecimento, marcado por uma maior compreensão, estabelecimento de confiança e aplicação prática.
O período pandêmico forçou uma rápida digitalização, e muitas empresas buscaram nas startups a agilidade necessária para esse processo. No entanto, o momento atual exige uma readequação estratégica que permita transformar essas parcerias em negócios escaláveis e sustentáveis, enfrentando os desafios internos que ainda impedem esse avanço.
Embora o Ranking TOP Open Corps mostre um aumento bastante significativo nas interações entre corporações e startups nos últimos 10 anos — mais de 5.300 empresas se envolveram em algum tipo de relacionamento de julho de 2022 a junho de 2023 —, o desafio de fazer com que a inovação aberta se estabeleça como uma competência organizacional persiste. Para muitas empresas, as iniciativas ainda são periódicas e há um desafio em transformar a inovação aberta em uma competência contínua e integrada – o que é essencial para que as parcerias com startups sejam eficazes e agregadoras.
Os obstáculos internos
Por mais que estejamos avançando, um dos principais obstáculos à inovação aberta é a cultura organizacional enraizada que muitas vezes valoriza o desenvolvimento interno em detrimento de parcerias externas. É o famoso ditado: “isso aí nós conseguimos fazer internamente”. E isso se mostra presente até mesmo em empresas que já possuem uma jornada longa de relacionamento com o ecossistema.
Mesmo quando uma startup demonstra sucesso em testes iniciais, a escalabilidade do projeto pode ser comprometida por questões internas, como burocracia, falta de flexibilidade na arquitetura de TI, concorrência no backlog e uma mentalidade de autossuficiência. Este tipo de resistência é particularmente prejudicial quando a solução proposta pela startup não está no core business da empresa e oferece uma vantagem competitiva significativa se adotada rapidamente.
Ver as startups como parceiras estratégicas amplia a capacidade de execução das grandes organizações e, de carona, contribui para o desenvolvimento econômico e social do país, incentivando o empreendedorismo e a geração de empregos qualificados. Segundo a ABStartups, existem atualmente no Brasil (2024) cerca de 13 mil startups brasileiras que empregam, em média, 15 pessoas cada e faturam R$ 870 mil por ano, com mais de 60% dos fundadores acima dos 35 anos.
Os executivos de grandes empresas, portanto, precisam estar melhor preparados para este novo momento. A era acelerada dos negócios exige que eles não apenas reconheçam o valor das startups como parceiras estratégicas, mas também que liderem a mudança cultural necessária para que elas prosperem em grande escala. Isso implica em promover uma visão que valorize a colaboração externa, alinhe incentivos internos para a adoção de soluções inovadoras e, principalmente, supere o medo de que essas parcerias representem uma ameaça.
Maturidade das startups
É crucial não generalizar a maturidade das startups. Nem todas estão prontas para escalar imediatamente uma solução no ambiente em que uma grande empresa está inserida. Por isso, a relação entre companhias de grande porte e startups deve considerar uma abordagem de médio a longo prazo, que vá se desenvolvendo e se adequando à medida que a empresa amadurece o modelo de relação.
Algumas startups, especialmente aquelas em estágios iniciais, ainda estão desenvolvendo modelos de negócios e capacidades tecnológicas. Nessas situações, o apoio das grandes corporações deve ir além da simples relação cliente-fornecedor, contribuindo para o desenvolvimento da startup e, consequentemente, para o fortalecimento do ecossistema de inovação como um todo. Muitas vezes, ter a oportunidade de absorver isso da grande empresa, mesmo numa relação interrompida, é tão importante quanto assinar um contrato.
Ao mesmo tempo, startups maduras podem oferecer soluções rápidas e eficientes para desafios específicos, permitindo que as grandes corporações se mantenham competitivas em um mercado em constante mudança. A decisão de internalizar uma solução ou colaborar com uma startup deve ser estratégica, levando em conta o estágio de desenvolvimento do negócio e o alinhamento com os objetivos de longo prazo da companhia.
Acesso a novos mercados e aprendizado acelerado
Além de serem fontes de inovação para o mercado onde as empresas operam, as startups são aliadas estratégicas para empresas que buscam acessar novos mercados, novos nichos de clientes e aprender a operar em outros contextos. Um exemplo é de uma grande empresa brasileira que acelerou a criação de um marketplace digital ao se conectar a uma startup, absorvendo o know-how sobre modelos de negócios de plataforma, relacionamento digital com o cliente e estratégias orientadas por dados – um tema incipiente para ela naquele momento.
Este aprendizado acelerado está diretamente ligado ao time-to-market e à geração de novas receitas. Não há motivos para buscar explorar um novo mercado sozinho, quando há potenciais parceiros especialistas que desenvolvem essa dinâmica e “dominam o campinho”. Executivos que compreendem essa dinâmica também aceleram o próprio desenvolvimento, adquirindo novas práticas que podem maximizar os resultados da empresa.
Impacto econômico e mão de obra qualificada
A relação entre grandes organizações e startups vai além de benefícios mútuos; ela tem um impacto significativo no desenvolvimento econômico e social. Países como os Estados Unidos, China e Israel conseguiram desenvolver ecossistemas robustos de startups, impulsionados por parcerias estratégicas com grandes corporações que atraem investidores, investimentos e profissionais qualificados para os ambientes. Oxigenar o relacionamento com startups, é colaborar para que se tenha cada vez mais essa abundância também no Brasil, potencializando a inovação e o crescimento sustentável dos negócios.
Startups promovem, em essência, ambientes de aprendizado constante que formam (e ajudam a reter) profissionais qualificados, desenvolvem tecnologias avançadas e têm na inovação o modelo operacional. Ao desenvolver parcerias e relacionamento com elas, as grandes empresas desempenham também um papel crucial na construção de uma economia mais dinâmica e competitiva.
O papel dos executivos
Para que a inovação aberta se torne uma realidade contínua e eficaz, os executivos devem liderar pelo exemplo, promovendo uma cultura organizacional que valorize a agilidade e a colaboração. Eles precisam estar dispostos a repensar processos, derrubar barreiras internas e adotar uma mentalidade mais aberta e flexível. Isso não significa abrir mão do controle ou da qualidade, mas, sim, entender que, em muitos casos, a colaboração com startups pode ser a chave para alcançar novos patamares de eficiência.
Organizações que já consolidaram modelos estratégicos de relacionamento com startups sabem que esse processo envolve responsabilidades e investimentos contínuos. Elas ajudam as startups a superar fragilidades e a evoluir, garantindo que essas parcerias gerem valor não apenas no curto prazo, mas de forma sustentável e ao longo do tempo, criando um ciclo virtuoso de desenvolvimento de negócios.
Caminho para o futuro
O relacionamento estratégico com startups representa uma oportunidade valiosa para as grandes empresas que buscam diferenciação em um mercado cada vez mais dinâmico.
No entanto, para que essas parcerias alcancem todo o potencial, é importante que os executivos estejam preparados para enfrentar e superar os desafios internos que ainda limitam o avanço da inovação aberta. Com uma estratégia clara, uma abordagem cuidadosa que considere o estágio de maturidade das startups e uma cultura organizacional que valorize a colaboração com o ecossistema, as grandes empresas podem acelerar a própria transformação e serem decisivas para o desenvolvimento de um ambiente de negócios cada vez mais robusto no Brasil.
Nesse modelo de parceria, todos saem ganhando.
Por Dagoberto Trento, consultor especializado em inovação corporativa e sócio da Innoscience