Os projetos de conservação e remoção de carbono geram benefícios ambientais visíveis e importantes, mas têm perdido a oportunidade de participar de um novo modelo de desenvolvimento e aumentar ainda mais a efetividade dos projetos com a participação e o protagonismo das comunidades do entorno.
De acordo com a Aliança Brasil NBS (2023), o Brasil tem o potencial de representar 15% das oportunidades globais em soluções baseadas na natureza (SBN) e isso pode ser materializado em projetos que reduzem ou removem carbono, os quais estão distribuídos em áreas públicas e áreas privadas.
Em visão de mercado, de acordo com a McKinsey & Company (2021), estima-se que o valor do mercado voluntário de carbono será de cerca de US$ 50 bilhões (mais conservador) a US$ 100 bilhões até 2030. O Brasil pode representar de 5% a 37,5% desse mercado.
O carbono vinculado às SBN é uma promessa de alinhar a economia com a floresta em pé. E, de fato, mesmo com todas as críticas e revisões das metodologias e padrões do mercado voluntário, a contribuição de projetos que reduzem e removem carbono tem um efeito bastante significativo para a mitigação do impacto climático.
Mas, por ser um mercado em ascensão é que a integridade e a qualidade dos créditos devem ser uma exigência. E isso está diretamente associado à responsabilidade social, e com a biodiversidade. Um crescimento desordenado de projetos (Redução de Emissões por Desmatamento e Degradação Florestal (REDD+) ou de restauração de larga escala) pode acarretar um cenário com equívocos técnicos, prejuízos às comunidades e uma contribuição superestimada à biodiversidade.
Um foco no social do carbono
“Ecologia sem luta de classe é jardinagem”, fala reproduzida por Chico Mendes, reforça que a raiz do problema ambiental no Brasil, assim como em outros países da América Latina ou em desenvolvimento, é SOCIAL.
Ou seja, não é possível estabelecer estratégias de conservação e mitigação do impacto climático sem considerar as pessoas envolvidas a essa cadeia e todo o histórico de uso e ocupação do território.
Embora tenha havido muito progresso no desenvolvimento dos projetos REDD+ e de restauração florestal, e suas salvaguardas e cobenefícios, e tenhamos excelentes exemplos de projetos[1], de acordo com Milne et. al. (2019), ainda há um caminho a ser perseguido, pois a questão social e a governança florestal são muito complexas, incluem questões de posse de terra, conflito fundiário, corrupção, falta de transparência, invasão de terras indígenas, barreiras metodológicas para calcular linha de base social, consultas prévias, aprovações com órgãos como Funai, Incra, no caso do Brasil, entre outros problemas e necessita ser avaliada com cuidado em cada realidade de projeto.
Ademais, Myers et al. (2018) reforça que realizar um projeto de desmatamento evitado limitado a um olhar técnico sobre a justiça (ou equidade) findando em termos distributivos por meio da repartição de benefícios não é suficiente e pode fadar o projeto ao fracasso. É preciso compreender a complexidade social dos territórios, suas reivindicações e ser oportunamente ativo para que as pessoas possam alcançar a paridade de participação na mudança de uso da terra chamando-os para a deliberação. Abrir um espaço de diálogo constante pode representar uma transformação positiva e política no território e os projetos de conservação podem ser propulsores desse movimento. Caso contrário, os proponentes ficarão em um ambiente de conflito sem solução.
Apesar dos estudos focarem mais em REDD+, a mesma lógica vale para a restauração florestal. Para ter sucesso é preciso considerar um processo participativo, onde as comunidades são protagonistas do processo de construção de um projeto de conservação, independentemente da propriedade ser privada ou pública. As comunidades devem ser envolvidas na estruturação de alternativas que culminem numa economia baseada na sociobiodiversidade, para que se apropriem e valorizem a floresta em pé ou reflorestada e entendam a importância dela para o desenvolvimento local e crescimento e empoderamento de suas famílias e do território.
Quando se trata de Amazônia, onde a maior a parte dos projetos REDD+ se encontra, no Brasil, isso se torna ainda mais relevante. Um jovem, iniciando carreira hoje no território, encontra como possibilidade trabalhar em setores que, preso à economia convencional, vê a floresta como um problema.
Dos empregos formais, cerca de 60% encontram-se na pecuária, 30% na agricultura e apenas 5% na produção florestal. Quando se olha para a taxa de desemprego, que chega a 40% na região, o dobro da média nacional para jovens entre 25 e 29 anos, conclui-se que a floresta não é encarada como opção profissional (BINA, 2023).
Movimentos que propõe soluções ambientais são estritamente necessários e urgentes. No entanto, o Brasil é um país com vulnerabilidade social extrema e com uma parcela significativa dos 30 milhões de amazônidas atraídos para a cadeia do desmatamento. O REDD+ ou a restauração florestal não pode ser um movimento exclusivamente ambiental, precisa ser desenhado de dentro, envolvendo as pessoas, os pequenos proprietários, assentados, indígenas, extrativistas, ribeirinhos, comunidades locais para que seja uma solução efetiva no combate a crise climática e impulsionadora de mudanças reais.
A floresta também é as pessoas! Envolver as pessoas pode gerar mais florestas!
*Gabriela Goulart é especialista em gestão socioambiental na Synergia Socioambiental
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