COOP É TECH, COOP É POP
Corria o ano 399 AC, e uma das figuras mais proeminentes de Atenas, na Grécia, estava sendo levada a juízo por impiedade (ou em grego, asebeia) contra os Deuses reconhecidos pelos Gregos, e por corromper a juventude de Atenas. Essa figura era o Sócrates, que passou à história como um dos maiores filósofos da história – ainda mais graças aos relatos de seus discípulos Platão e Xenofonte.
Hoje, a distância de mais de 2000 anos, sabemos que na realidade a motivação era mais política que mais nada, sendo que Sócrates tinha o hábito de questionar muito as normas e as práticas da democracia ateniense, e por isso acabou sendo condenado a morte, e ultimamente morto com uma poção letal de chicória.
Para os propósitos dessa discussão, quero focar um momento aqui na acusação de corromper os jovens de Atenas, e sobre o porquê essa acusação foi feita: o método Socrático era propriamente um método de constantemente fazer perguntas, e através desse método, ele questionava muitas crenças, dogmas, e fazia com que seu interlocutor fosse ver as coisas com perspectivas diferentes. Um pouco tudo que precisamos nos dias de hoje, certo? Pois bem, esse método foi o que lhe custou caro: ao questionar, ele expunha as inconsistências e até ignorância de figuras proeminentes em Atenas, e por isso podemos até chegar a dizer que o Sócrates foi condenado à morte por “fazer perguntas demais”.
Por mais que nos dias de hoje, quase 2500 anos depois, nos não condenamos mais a morte apenas para isso, temos que admitir que o cenário não mudou muito – ou seja que continuamos desincentivando as perguntas em nossos sistemas educacionais e corporativos. Isso precisa mudar profundamente, e é justamente sobre essa nova habilidade de fazer melhores perguntas para termos melhores resultados no mundo da Inteligência Artificial, que eu chamo de “prompting”, que vamos falar.
Para começar a discussão, quero ir atrás para os anos ’80, quando se popularizaram as calculadoras. O que elas fizeram? Fizeram com que uma pessoa leiga de matemática, mas que soubesse utilizar bem uma calculadora, pudesse ter o mesmo resultado de uma pessoa que tivesse um PhD em aritmética.
Isso equalizou muito o conhecimento, ou pelo menos democratizou o acesso ao conhecimento: De repente, a habilidade de realizar cálculos complexos não estava mais restrita àqueles com profundo conhecimento aritmético ou anos de estudo em matemática. Uma pessoa com compreensão básica do funcionamento de uma calculadora poderia obter resultados semelhantes aos de um PhD em aritmética para uma vasta gama de problemas. Este desenvolvimento trouxe à tona uma verdade fundamental sobre a tecnologia: sua capacidade de democratizar o acesso ao conhecimento e à capacidade de resolver problemas.
Só que para o propósito desse artigo eu vou dar um passo além nessa reflexão, ou seja, dizer que caso o leigo de matemática saiba utilizar melhor a calculadora, irá ter resultados até melhor do que o PhD. Assim como hoje uma pessoa que não tem conhecimento jurídico, pode acessar informação na Internet sobre uma área obscura do direito de privacidade de dados, do que um próprio advogado que não tem como reter tanto conhecimento num cérebro humano só. Ou um colaborador que não é designer, que cria uma peça de marketing pelo Midjourney pode ter um resultado muito melhor do que um designer profissional, se souber fazer o pedido certo para a IA. E assim por diante: na era da IA o superpoder não está em quem tem todas as respostas, mas sim em quem sabe formular melhor as perguntas.
Percebe? Além de democratizar acesso à informação e conhecimento, a Inteligência Artificial recompensa os indivíduos que souberem formular melhor suas “perguntas” – e por mais que não sejam perguntas explícitas, podemos dizer que saibam melhor formular o problema. Eu chamo essa habilidade de “prompting”.
Na realidade, “prompting” já é um termo técnico que deriva do mundo da engenharia de software e da IA. Qual a definição tradicional de prompting? De fato, prompting se refere ao processo de fornecer uma entrada ou instruções para obter uma resposta desejada do modelo. O “prompting” envolve fornecer um texto ou pergunta específica a um modelo de IA para obter um output: Esse input pode ser uma afirmação, pergunta ou comando que define o contexto para o que o usuário deseja que o modelo gere.
Traduzido pelo contexto de liderança, além do que saber imputar bem as perguntas para as IAs, que é o primeiro ponto do prompting, a minha definição de “prompting” justamente contempla também o processo de fomentar uma mudança no seu interlocutor, através da formulação de perguntas, ou questionamentos. Um pouco segundo o modelo do Sócrates, para fazer com que justamente sejam questionadas as crenças que nos trouxeram até aqui, mas que não são necessariamente mais relevantes no mundo de hoje – processo pelo qual ele foi eventualmente condenado a morte mais de 2000 anos atrás, mas pelo qual teríamos ser que recompensados nos dias de hoje, já que a mudança é exponencial.
O paradoxo disso tudo? é que porém, no ambiente educacional e corporativo, nos ainda incentivamos o comportamento oposto, ao recompensar a qualidade das respostas, e não das perguntas que fazemos.
Esse método de ensino, herança de uma revolução industrial onde tinha-se o desafio de ter bons trabalhadores massivos e operadores de maquinas, mas onde o pensamento critico era até desincentivado porque visto como algo ineficiente e improdutivo, ou até perigoso (imagine se alguém questionar nossas ordens do alto, pensavam os lideres daquela época!), tem um grande problema, ou seja um desalinhamento gigante entre as recompensas educacionais, colocadas no conhecimento (que já é democraticamente acessível hoje em dia), e os skills necessários, relacionados ao questionamento do conhecimento.
Por isso, se quiser ser um melhor líder num cooperativismo que muda de forma muito rápida, foque nas perguntas – e com muito pensamento crítico, desafie o pensamento dominante para se abrir ao mundo que virá.
Por Andrea Iorio, palestrante, escritor best-seller e especialista em Transformação Digital e Inovação
Coluna exclusiva publicada na edição 120 da Revista MundoCoop