Estou escrevendo estas linhas em Boston, onde o futuro encontra o presente todos os dias, e ainda estou processando uma semana que mudou completamente minha perspectiva sobre o que significa liderar em um mundo movido por inteligência artificial. Como reconhecimento pelo prêmio Relevant Leaders 2024, tive o privilégio de participar de uma imersão exclusiva promovida pelo CNEX e MIT Sloan Management Review Brasil – sete dias navegando entre Harvard, MIT, Boston Dynamics e outras organizações que estão moldando o futuro.
Mas o que mais me impactou não foi a tecnologia em si. Foi a descoberta de que o futuro sobre o qual tanto discutimos já está acontecendo — e a diferença entre quem prospera e quem fica para trás não é uma questão de recursos ou tamanho, mas de como se enxerga o presente.
O novo paradigma estratégico
Durante conversas com executivos da Harvard Business Impact, ficou evidente um desafio que transcende questões técnicas. Enquanto empresas investem milhões em implementações de IA, muitas não conseguem gerar um retorno proporcional ao investimento. O problema, segundo descobri, não está na tecnologia – está nas expectativas e na abordagem estratégica.
“Não basta implementar IA; é preciso saber o que esperar dela”, observou um dos executivos. Essa declaração simples encapsula uma transformação profunda no pensamento estratégico: organizações líderes não estão mais perguntando “como usar a IA?”, mas “como preparar a organização para pensar com a IA?”. Essa distinção sutil separa empresas que lideram de empresas que seguem.
Experimentação estratégica vs. desesperada
Na Akamai Technologies, empresa pioneira em redes de entrega de conteúdo que hoje sustentam a infraestrutura digital global, presenciei uma abordagem que desafia a urgência típica do mercado. Apesar de integrar IA em seus produtos desde 2015, a organização mantém uma postura deliberadamente experimental.
“Ainda estamos experimentando, e isso é proposital”, explicou um dos líderes. Essa aparente contradição – uma das empresas mais tecnológicas do mundo admitir que “ainda está experimentando” – revela uma compreensão sofisticada sobre inovação tecnológica.
A lição estratégica é clara: o medo de ficar para trás pode levar empresas a correrem na direção errada. Organizações que prosperam distinguem entre a experimentação inteligente e a implementação desesperada.
Da automação à aumentação
Na Boston Dynamics, onde presenciei robôs executando tarefas que pareciam impossíveis há poucos anos, descobri algo contraintuitivo sobre o futuro da automação. A empresa não está construindo substitutos para capacidades humanas, mas sim amplificadores. “Não é sobre automação. É sobre aumentação”, explicou um dos engenheiros.
Essa distinção redefine completamente a estratégia corporativa em relação à IA. Enquanto a automação pergunta “Que processos podemos eliminar?”, a aumentação questiona “Que potencial podemos amplificar?” – tanto humano quanto organizacional. A primeira busca eficiência através da subtração, já a segunda busca possibilidades através da multiplicação.
No entanto, algo ainda mais profundo está em andamento, o surgimento de organizações agênticas. Elas não apenas usam IA, mas desenvolvem capacidades de agir de forma inteligente, tomar decisões contextualizadas e se adaptar dinamicamente. Elas estão se tornando, literalmente, mais inteligentes como sistemas.
A democratização da criação tecnológica
Na OutSystems, validei um conceito que pode revolucionar a estrutura organizacional tradicional: a codificação conversacional. Essa tecnologia permite que profissionais com conhecimento de negócio criem soluções tecnológicas por meio de interação natural com IA, eliminando a necessidade de programação tradicional. “Estamos democratizando o desenvolvimento”, explicaram os executivos. “Pessoas com contexto de negócio podem se tornar desenvolvedores”, completaram.
As implicações estratégicas são profundas. Se o conhecimento de negócio se torna mais valioso que a expertise técnica para a criação de soluções, isso redefine completamente a proposta de valor de diferentes funções organizacionais e altera a dinâmica dos investimentos em tecnologia.
Mas há um paradoxo emergindo: enquanto a tecnologia se democratiza, o acesso desigual a ferramentas avançadas pode criar novas formas de exclusão. Na Boston University, presenciei discussões sobre como as instituições estão lidando com essa disparidade – algumas oferecendo acesso premium a todos os estudantes para evitar que condições financeiras impactem o desempenho acadêmico. Esse é um microcosmo do desafio maior que as organizações enfrentarão que é como garantir que a democratização tecnológica não se torne um fator de desigualdade competitiva.
O modelo de aprendizagem do futuro
No Harvard Innovation Lab, observei um método pedagógico que oferece insights valiosos para o desenvolvimento organizacional. Ali, os estudantes não comparecem às aulas para receber informação passivamente. Eles chegam preparados para aplicar o conhecimento previamente adquirido. A avaliação é binária (satisfatório/não satisfatório) e o feedback é estruturado para a melhoria contínua.
Esse modelo espelha perfeitamente como as organizações devem se relacionar com a IA: líderes não podem esperar que a tecnologia resolva problemas automaticamente. Devem chegar às decisões sabendo que perguntas fazer e que resultados esperar.
A síntese do MIT: teoria e prática integradas
No MIT Industrial Liaison Program, que conecta mais de 800 empresas ao ecossistema de pesquisa, compreendi um princípio fundamental: inovação não é um processo de descoberta, é um processo de transformação de impacto.
Essa distinção é crucial para a estratégia empresarial. Descoberta implica encontrar algo preexistente. Transformação implica criar algo novo. O primeiro mindset leva à otimização incremental; o segundo, à criação de valor disruptivo.
Na Boston University, essa filosofia ganha contornos práticos. Presenciei uma mudança fundamental na percepção sobre a IA: o medo de substituição de empregos está dando lugar à esperança de que a tecnologia possa eliminar tarefas repetitivas e liberar potencial humano para atividades mais estratégicas. E mais importante ainda é que as organizações estão se preparando para uma transformação estrutural rumo ao que chamam de “empresa agêntica” – entidades que não apenas usam a IA, mas desenvolvem capacidades organizacionais de aprendizado, adaptação e tomada de decisão inteligente.
Implicações para a liderança estratégica
Após uma semana observando como as organizações mais avançadas abordam a IA, identifiquei quatro mudanças fundamentais que distinguem líderes estratégicos:
- De implementar IA para cultivar o pensamento aumentado: as organizações líderes investem tanto em preparação humana quanto em tecnologia.
- De automação de processos para amplificação de potencial: o foco migra de eliminar trabalho para potencializar capacidades — humanas e organizacionais.
- De eficiência operacional para criação de possibilidades: o objetivo deixa de ser fazer mais com menos e passa a ser fazer o que antes era impossível.
- De otimização de sistemas para construção de organizações agênticas: as empresas mais avançadas desenvolvem capacidades de ação inteligente, tomada de decisão contextualizada e adaptação dinâmica como características organizacionais fundamentais.
A questão estratégica central
A verdadeira revolução não está nos algoritmos ou nos laboratórios. Ela acontece na reformulação da pergunta estratégica fundamental.
A questão não é mais “Como implementar a IA?”. A questão é “Que potencial – humano e organizacional – estamos prontos para amplificar?”. E, ainda mais profundo: “Como construir uma organização verdadeiramente agêntica?”.
Esta mudança de perspectiva pode determinar quais organizações liderarão e quais seguirão na próxima década.
Isso porque automatizar é sobre eficiência – fazer mais com menos recursos. Amplificar é sobre potencial – criar capacidades que antes não existiam. E organizações agênticas representam um novo modelo de inteligência empresarial: sistemas que pensam, aprendem e se adaptam de forma contínua.
Capacidades inexistentes representam mercados inexplorados. E organizações agênticas representam uma vantagem competitiva sustentável.
Gabriel Marostegam diretor de dados e IA na Avanade, formado pela FGV com extensão em Harvard, autor de Fronteiras Inteligentes. Vencedor do Prêmio Relevant Leader 2024, da MIT Sloan Management Review Brasil e CNEX.