Formada por agricultores familiares, a comunidade quilombola de São Pedro, em Ibiraçu, no Norte do Espírito Santo, está se estruturando para criar uma cooperativa. A ideia é ampliar as possibilidades de comercialização da produção, hoje limitada por estarem organizados como associação. O sucesso da padaria, uma referência na região comandada por mulheres, é um estímulo para colocar em prática a ideia de aumentar a geração de renda e a qualidade de vida dos moradores.
O agricultor João Marcos Vicente, 27 anos, diz que a proposta é criar melhores condições para a comunidade produzir e vender seus produtos, por meio da cooperativa, o que poderia contribuir para fixar os mais jovens na região e, consequentemente, assegurar a manutenção das tradições e identidade quilombolas.
“A ideia da cooperativa não é de hoje, mas a gente não sabia como funcionava e, com o tempo, fomos aprendendo. Estamos fazendo isso para os mais novos não irem embora e trazer os demais que já foram, para agregar valor à nossa comunidade, gerando emprego e fornecendo produtos maravilhosos para cada município”, diz o jovem, que é produtor de alface hidropônica.
Irmã do agricultor e uma das mulheres à frente da Padaria Quilombola, a auxiliar administrativo Jamile Vicente, 22, explica que, atualmente, as famílias da comunidade estão organizadas como uma associação de pequenos produtores rurais sem fins lucrativos. E, com essa configuração, não podem ter lucro. Assim, há um certo limite na forma como negociam tanto os produtos de panificação quanto a produção agrícola.
“A cooperativa pode abrir espaço para outras pessoas da região para vender os produtos deles para as escolas, por exemplo. Seria melhor”, avalia Jamile.
Para a artesã Maria Lúcia Nascimento dos Santos, 65 anos, seria uma oportunidade de comercializar tanto seu artesanato quanto a produção de mandioca, couve, chuchu, feijão, café — tudo sem veneno, como faz questão de frisar — e biscoitinhos.
Como associação, João Marcos conta que, além dos produtos da padaria, são fornecidos alface, farinha, feijão, canjiquinha, fubá, mas ele acredita que a comunidade tem capacidade para aumentar a oferta, com a participação de mais produtores e formalizando contratos maiores nos municípios.
Diferenças
Do ponto de vista de organização, há grande diferença entre associação e cooperativa. Enquanto a primeira é sem fins lucrativos e, portanto, não dá resultados, a segunda dá lucro para os cooperados.
“A associação existe para representar ideias, não para comercialização. Não é um organismo legal que comercializa algo. A função da associação é reunir pessoas em torno de ideias para defesa de posições comuns, como a de moradores e de classes. Os atos constitutivos de uma associação estão em um cartório”, explica Valdemar Fonseca dos Santos, gerente de Desenvolvimento Cooperativista do Sistema OCB-ES.
Por outro lado, continua ele, a cooperativa é um modelo societário atípico — não é baseado em capital, mas em pessoas — que existe para exploração de nicho de mercado para fins comerciais. E seus atos constitutivos estão em uma junta comercial.
“A cooperativa existe para explorar um mercado, emite nota fiscal. A associação não emite nota, não pode. Aí, já começa a primeira vantagem porque a cooperativa é um modelo que existe justamente para colocar produtos e serviços no mercado”, reforça Valdemar dos Santos.
O gerente da OCB-ES afirma que o CNPJ da cooperativa existe como uma caixa de passagem: o cooperado entrega a produção, a cooperativa comercializa e remunera o cooperado proporcionalmente ao que produziu. “Quem produz mais, recebe mais. Não sobram resultados; o resultado vai para a cooperativa. É dinheiro no bolso.”


Formalização
Mas, para tirar a ideia da cooperativa do papel, há uma série de etapas a serem cumpridas. O Sistema OCB é a entidade que representa o cooperativismo e toda cooperativa, para ter conformidade legal, precisa estar registrada.
“O Sistema OCB vai verificar se aquela sociedade de fato é cooperativa. Não adianta falar que é, é preciso olhar atos constitutivos, estatuto, se documentalmente está resguardado para ser e se o funcionamento na ponta é o modelo societário cooperativista”, pontua Valdemar dos Santos, acrescentando que a entidade presta assessoria para orientar sobre o passo a passo correto.
A primeira etapa, ressalta o gerente da OCB, é ter consciência do modelo, saber como funciona. Ele sugere que as pessoas interessadas façam um curso antes de formalizar uma cooperativa que precisa ter, no mínimo, 20 pessoas para começar a operar.
A segunda fase é analisar a viabilidade econômica. É importante fazer um plano de negócios para avaliar se, ao constituir uma cooperativa, o grupo vai conseguir ter resultados financeiros.
Caso seja viável, o terceiro passo é elaborar um estatuto, como se fosse um contrato entre cooperado e cooperativa. Existe uma lei, mas ela é geral. O estatuto, entre outras normas, vai determinar a governança daquele grupo e vai tratar das atividades que serão desenvolvidas. Somente com a aprovação do estatuto, são registrados os atos na junta comercial e aberto o CNPJ.
“Nem sempre as pessoas têm paciência para esse rito, mas é melhor segui-lo para dar sustentabilidade e constituir a cooperativa com a documentação perfeita. O modelo pode atuar em qualquer segmento do mercado e, de fato, possibilita às pessoas uma distribuição igualitária de renda, crescimento e independência. Mas, para montar uma cooperativa, é preciso ter consciência e preparação. Nascendo com sustentabilidade, o céu não é o limite, é só mais uma fronteira”, destaca Valdemar dos Santos.
Em São Pedro, a proposta de se tornar uma cooperativa está sendo discutida desde o ano passado e os produtores estão em busca da formalização. A analista do Sebrae de Aracruz, Geísa Almeida Moreira, conta que no início do ano a comunidade quilombola solicitou à instituição um plano de negócios para a criação da cooperativa. A consultoria já foi realizada, bem como foram feitos contatos com a OCB nesse processo.


Fonte: A Gazeta