A presença feminina no meio rural catarinense deixou de ser invisível e passou a ocupar espaços de decisão, gestão e geração de renda. Em diferentes localidades, mulheres assumem propriedades, organizam grupos, lideram associações e participam ativamente de cooperativas que fortalecem a agricultura familiar e ampliam as oportunidades dentro das comunidades.
Essa mudança aparece tanto na rotina das produtoras quanto nos resultados alcançados em grupo, reforçando um movimento consistente de profissionalização e autonomia.
Os números ajudam a dimensionar essa transformação. A Organização Internacional do Trabalho aponta que as mulheres representam 40% da mão de obra agrícola no mundo, e o Brasil registrou crescimento de 38% nos estabelecimentos administrados por mulheres entre 1998 e 2020.
Em Santa Catarina, mais de 1,8 milhão já são cooperadas, o que mostra como a participação feminina se incorporou às estruturas produtivas e associativas do estado.
Gestão própria e avanço dentro da cooperativa
Em São Joaquim, a trajetória de Marilene Castelo Branco ilustra a força e a responsabilidade assumidas por muitas produtoras. Aos 64 anos, ela se tornou a única mulher a presidir uma cooperativa do agro no estado, mas sua relação com a atividade começou décadas antes, quando ficou viúva e assumiu a propriedade para sustentar os dois filhos adolescentes.
Passou a aprender, executar e administrar todas as etapas do pomar. Como ela mesma relata: “A gestão do pomar era 100% minha, aprender tudo o que se passa dentro de uma propriedade”.
O ingresso na cooperativa ocorreu quando ainda não havia nenhuma mulher associada. Houve resistência, mas o desempenho na gestão e a postura profissional abriram caminho para sua participação na diretoria.
Em um período de crise, ajudou a buscar novos cooperados, organizar a compra de frutas de terceiros e ampliar áreas replantadas para recuperar o volume necessário para manter a operação saudável. Ao mesmo tempo, quadruplicou a área do próprio pomar e adotou práticas orientadas por técnicos e produtores experientes, mantendo o foco na sustentabilidade da propriedade.
Essa atuação também estimulou outras mulheres da região. Ivonete, por exemplo, divide a gestão da propriedade com o marido, cuidando da parte administrativa e de recursos humanos. Para ela, participar da cooperativa ampliou a segurança, o conhecimento e a autonomia na organização das tarefas e no planejamento do pomar, reforçando a importância do reconhecimento feminino dentro das propriedades.
Da produção ao empreendedorismo rural
Em Alfredo Wagner, a história de Denice de Oliveira mostra outra forma de construção de autonomia no campo. Ela decidiu trocar a cidade pela vida rural para produzir os próprios alimentos e manter uma rotina mais saudável.
Com o marido trabalhando fora durante a semana, assumiu sozinha a lida cotidiana da propriedade, cultivando uma grande diversidade de legumes, verduras, hortaliças, leguminosas e frutas. O manejo cuidadoso, a preservação da fertilidade do solo e a produção das próprias sementes são pilares do trabalho que ela desenvolve.
Com o tempo, passou a transformar excedentes em panificados, criando receitas que começaram a ser procuradas por vizinhos e conhecidos. A demanda crescente levou à criação de uma agroindústria de panificação, construída há três anos, e à entrada em uma cooperativa que reúne 28 mulheres.
No grupo, a troca de conhecimentos, o apoio mútuo e a estrutura coletiva ajudaram a consolidar o negócio e fortalecer a confiança das participantes na capacidade de gerir, decidir e empreender dentro do campo.
Associação feminina como base para futura cooperativa
Em Campo Belo do Sul, um grupo de mulheres formou uma associação que se tornou referência local em organização, geração de renda e fortalecimento comunitário.
Criado em 2009, o grupo reúne artesãs e produtoras rurais que trabalham com crochê, bordado, lã, hortaliças, morangos e produtos da agricultura familiar. A rotina inclui encontros semanais, divisão organizada das horas trabalhadas — registrada em livro-ponto — e busca constante por capacitação em instituições como Senar, Sindicato Rural e Epagri.
A estrutura criada pela associação favorece tanto a produção quanto o escoamento. Parte do que é feito nas propriedades e no artesanato chega à Casa do Agricultor, no centro da cidade, onde produtoras de várias localidades encontram um canal estável para vender e se aproximar dos consumidores.
A experiência acumulada ao longo dos anos fortaleceu o grupo e abriu espaço para um novo passo: transformar a associação em cooperativa, ampliar o número de integrantes e criar uma agroindústria capaz de beneficiar excedentes, garantindo que tudo o que as famílias produzem encontre destino e gere renda.
Esse movimento conecta o presente às expectativas do grupo. A organização coletiva, construída no dia a dia, ajuda mulheres que antes trabalhavam de forma isolada a consolidar negócios, dividir responsabilidades e conquistar autonomia.
O que nasce das trocas, dos cursos feitos em conjunto e da rotina compartilhada vira aprendizado prático, amplia a renda e sustenta a permanência no campo, mostrando como a união feminina altera a lógica produtiva e aprofunda as possibilidades do cooperativismo em Santa Catarina.
Fonte: Portal ND+ com adaptações da MundoCoop












