A revolução digital no agro, que começou levando ao campo tecnologia para agricultura de precisão, agora provoca mudanças em toda a cadeia de valor do setor.
A presença on-line cada vez maior entre os produtores rurais tem reinventado a jornada de compra e atraído investimento em modelos de negócios que funcionam como marketplaces de nicho.
Segundo o relatório AgTech Pocket Report 2022, elaborado ela Distrito, plataforma que reúne dados de negócios digitais, das 366 startups agro do Brasil, 49 (13,4%) são marketplaces.
São plataformas de vendas multimarcas semelhantes às utilizadas no varejo, mas especializadas em produtos e insumos para produção rural, como defensivos, máquinas e ferramentas.
Há ainda canais on-line mais abrangentes, que oferecem crédito e serviços, como gestão da safra e cursos de capacitação, além de clubes de fidelidade com trocas de pontos.
“A pandemia acelerou a digitalização do agronegócio e ajudou a tracionar marketplaces de vendas de insumos e de commodities. Hoje, vemos que os produtores estão mais dispostos a testar soluções nesse formato”, afirma José Tomé, CEO do AgTech Garage e sócio da PwC Brasil.
Agilidade
Pesquisa da Mckinsey aponta que 71% dos agricultores usam canais digitais em sua jornada de compras, seja para pesquisar preços (em plataformas de compras ou mensagens instantâneas) ou efetivamente comprar ou vender produtos agropecuários e produção.
Reecentemente, as startups Agrofy e Clube Agro Brasil anunciaram o início de uma parceria. As empresas vão unir forças como canal on-line (Agrofy) e programa de fidelidade (Clube Agro Brasil), com o objetivo de expandir a atuação de ambas no país.
A proposta é unir a agilidade de transações da plataforma de vendas com a expertise de relacionamento com o cliente do clube de vantagens.
Criada há sete anos na Argentina, a Agrofy atua em oito países da América Latina e está no Brasil desde 2019. A startup atua como uma “vitrine on-line” para distribuidores de diversos portes e ramos de atuação, com o intuito de capilarizar as vendas e facilitar a troca de informações entre produtor e vendedores.
“Com a expansão dos canais, aumentam as possibilidades para todos os envolvidos. A plataforma promove a liberdade de escolha do produtor, ao mesmo tempo que viabiliza diferentes modelos de negócios aos vendedores. Não é uma concorrência com as revendas”, afirma Diego Arruda, diretor de negócios da Agrofy no Brasil.
O executivo revela que o país está entre os principais focos de crescimento da companhia. “Atualmente, o Brasil lidera o ranking de crescimento da empresa, com ampliação de 78% no volume de compras, quando comparamos 2022 e 2021″.
No mesmo período, a média para a América Latina foi de 68%. “É um potencial a ser explorado”, avalia. O balanço anual de 2022 da Agrofy apontou US$ 28 bilhões (R$ 145 milhões) em oportunidades de negócios geradas nos oito países.
No Brasil, a Agrofy conta com portfólio digital de 1.000 lojas. De acordo com dados fornecidos pela startup, o canal de vendas recebe entre 600 mil e 800 mil visitas mensais, 59% delas no formato mobile.
O número de leads (pedidos) gerados fica em torno de 40 mil por mês. Sobre perfil do consumidor, pequenos e médios produtores das regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul são a maioria.
Entre as categorias mais visitadas, estão máquinas e implementos agrícolas e veículos (caminhões, caminhonetes e pickups). Mas o maior percentual de crescimento foi nsumos agrícolas (sementes, defensivos e fertilizantes), que contribuíram para 45% de aumento nas visitas.
Desde sua primeira série até hoje, a Agrofy já levantou mais de US$ 66 milhões em rodadas de investimentos. No fim de 2021, recebeu US$ 30 milhões para expansão das atividades no Brasil e desenvolvimento do e-commerce na América Latina.
Os investimentos contemplaram aperfeiçoamento do sistema e implementação do AgrofyPay, plataforma de processamento de pagamentos e créditos, também disponível no canal online.
O Clube Agro, mais novo parceiro da Agrofy, foi criado há três anos, como programa multimarcas pioneiro na fidelização de clientes. Simone Rodrigues, sócia fundadora da startup, destaca o papel do pré e pós-venda (virtuais) como diferencial do programa.
“Os produtores rurais buscam segurança nas transações. Investimos no relacionamento com o cliente em um novo formato de fazer negócios”, aponta. De acordo com a executiva, trata-se de acompanhar toda a jornada da compra do produtor, desde a pesquisa online até benefícios pós-venda.
Segundo Simone, a expectativa é que em 2023 o número de produtores cadastrados no Clube Agro cresça 20%, impulsionando as vendas das empresas parceiras. Hoje, a base de clientes conta com 90 mil registros, além de 100 canais associados e 1.200 pontos de troca.
A expectativa é crescer também no volume de pontos resgatados. Enquanto 2021 e 2022 somaram R$ 6 milhões em resgates, a perspectiva para 2023 é de R$ 10 milhões.
“Estamos passando pela mudança de gerações dos tomadores de decisão, que estão cada vez mais digitalizados. Com essa mudança de perfil, o setor digital deve passar por crescimento exponencial”, avalia Simone.
Leandro Van Ass, produtor rural de Panambi (RS), comenta que há duas safras utiliza o programa de pontos. “Temos sempre que fazer investimentos na produção e os gastos apertam nossas margens. Poder negociar com as distribuidoras e acessar um programa de descontos ajuda a rebater esses custos”, afirma.
Cristiano Corazza, assessor de grãos e fomento da Cotriel, relata que o programa de pontos tem atraído os produtores da cooperativa do Rio Grande do Sul. “É um diferencial na negociação, um incentivo para os pequenos e médios produtores, que têm vindo nos procurar, buscando orientação e informações sobre a parceria”.
Concorrência
De olho no potencial do setor, a concorrência está acirrada. Em fevereiro, a plataforma Orbia, um dos principais marketplaces agro do país, anunciou novo produto na categoria de cessão de recebíveis, o Orbia Pag, fruto de parceria com o Itaú BBA.
“Na prática, o distribuidor entrega ao produtor rural o insumo comprado e recebe o valor do produto à vista por meio do Orbia Pag, enquanto o produtor só paga no vencimento da operação diretamente ao banco em um prazo de até 12 meses”, explica comunicado da empresa.
A solução busca trazer agilidade nas negociações de insumos para o produtor rural que tiver limite pré-aprovado na plataforma, que pode chegar, na etapa de lançamento, a até R$ 500 mil, sem necessidade de apresentação de garantias.
Uma vez que o produtor rural já esteja cadastrado na plataforma e tenha aceitado os termos de uso, não há necessidade de envio de documentos para ativar a solução. Para os produtores rurais que ainda não são clientes da Orbia, é preciso fazer o cadastro.
“Além de tornar a experiência de compra mais fácil para o produtor, o Orbia Pag também trará um grande benefício aos distribuidores que hoje vendem insumos no marketplace, porque eles poderão receber o pagamento das vendas à vista, melhorando o fluxo de caixa e reduzindo os riscos da própria operação”, diz Guilherme Pereira, head de Planejamento e Transformação da Orbia.
A entrada do banco como sócio da Orbia já foi aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), mas ainda depende de uma aprovação do Banco Central.
Até lá, a operação do meio digital de pagamentos estará sob um contrato de prestação de serviços financeiros.
Com o Orbia Pag, o Itaú BBA passa a operar dentro do marketplace com um produto financeiro próprio. Mas não será o único. Para operações de crédito, a Orbia fechou no ano passado uma parceria com a Agrolend, em que é possível a tomada de crédito de forma 100% digital, e também mantém parceria com o Sicredi desde 2020.
A Orbia foi criada em 2019 a partir de um programa de relacionamento da Bayer, em que negócios geravam pontos para trocas por produtos e serviços. A multinacional agrícola firmou parceria, na ocasião, com a Bravium, startup especializada e-commerce, fidelização e marketplace.
Em 2022, a Yara passou a ser acionista da empresa e, agora, o Itaú BBA completa o quadro. Desde 2021, a Orbia atua também na Argentina, México e Colômbia.
No ano passado, o número de distribuidores do serviço passou de 240 para 304. A base de produtores cadastrados aumentou de 170 mil para 235 mil, e o volume de transações passou de R$ 900 milhões para R$ 2,4 bilhões.
A empresa não revela as projeções de faturamento para este ano, mas estima crescer em número de clientes e distribuidores dentro da plataforma, além de aumentar o volume de vendas.
Comportamento do produtor
Guilherme Pereira, head de Planejamento e Transformação da Orbia, comenta que o crescimento é suportado pela mudança de comportamento do agricultor. “Percebemos maior predisposição por parte dos produtores à digitalização dos processos de compra”, avalia.
Essa é a mesma percepção de José Tomé, CEO do AgTech Garage, após implantação do programa For Farmers. Na ocasião, empresários da suinocultura clientes da multinacional Cargill testaram a solução da Grão Direto, plataforma de venda de commodities, sob orientação do AgTech Garage.
“Os resultados foram muito positivos em termos de diversificação de fornecedores, qualidade do produto entregue e acesso a preços mais atrativos. Após vencer a barreira inicial do canal de compra on-line, os produtores devem seguir com essa prática”, comenta.
Na linha de marketplaces especializados, o AgTech Garage também realiza parcerias com a Agritrade (plataforma de negociação de açúcar e etanol), Global Pulses (que comercializa itens como grão de bico, lentilha e outros pulses), Caffeexx (que interliga os agentes da cadeia do café) e Seedz (programa de fidelidade e soluções que atendem o produtor na gestão da sua operação).
“O objetivo que essas iniciativas têm em comum é levar para o digital um relacionamento que começou no presencial, é dar continuidade e conferir agilidade a uma relação já existente, e não substituí-la”, resume Tomé.
Fonte: Globo Rural
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