Partindo de Campo Grande, a BR-262 dá acesso à estrada de terra que leva ao lugar onde se formou o assentamento batizado com o nome da protetora das mães: Santa Mônica. No povoado de Terenos, lar para mais de 1.000 famílias, a chegada da Cooplaf (Cooperativa da Agricultura Mista, Pecuária de Corte e Agricultura Família), onde mulheres são maioria, fez mudar a realidade do vilarejo que deixou para trás a dependência de projetos de assistência social e entrou no radar de competitividade do mercado sul-mato-grossense.
“O assentamento vivia em uma região muito vulnerável e não se enxergava muita perspectiva, mas com a chegada da cooperativa a vida mudou. Junto com a Cooplaf apareceram oportunidades de emprego, o bem-estar de vida do agricultor melhorou e conseguimos ocupar espaços, inserir nossos produtos no mercado e sair de uma situação de renda precária para uma condição que mudou para melhor nossa renda”, explica Maria Nelzira.
Pedagoga e mãe de um menino de 10 anos, Maria é a mulher que preside a Cooplaf há quase 4 anos. Além do maior cargo na cooperativa, mulheres também são maioria na estrutura da organização, tanto entre os 541 associados, quanto na composição do quadro de funcionários. “Entre os sócios 75% são mulheres, já entre os funcionários a representação feminina é de 60%”, detalha.
Com formação majoritariamente feminina, a Cooplaf fez alavancar produção e vendas de trabalhadoras e trabalhadores que dedicam dia e noite na lida do campo.
Atualmente, a produção de leite do assentamento gira em torno de 200 mil litros de leite por mês, enquanto a de hortifrútis ultrapassa 200 caixas. No último ano, o faturamento de produção do Santa Mônica foi de R$ 7 milhões.
Através da cooperativa, vendas que antes eram limitadas se ampliaram e agora abastecem mais de 44 redes de supermercados e fornecem itens da merenda escolar de mais de 100 escolas da rede pública de ensino.
“Nossa produção atende Terenos, Jaraguari, Dois Irmãos do Buriti, Sidrolândia, Nioaque e Campo Grande. Os impactos positivos foram tão grandes que até pessoas de outros municípios nos procuram para se associar e também serem beneficiados por nossa rede. A cooperativa que começou com 40 produtores sócio-fundadores, hoje passa de 500”, conta a presidente.
Além de assistência em todas as etapas da produção, vendas e entrega das mercadorias, a Cooplaf auxilia os trabalhadores rurais na negociação do que é produzido, fator que elevou a competitividade de mercado e aumentou a margem de lucros. “Hoje não é mais o produtor que vai negociar o seu leite com os lacticínios, por exemplo, é a cooperativa que faz esse serviço. Isso garante um valor atrativo e que dá condições de lucro e de ampliação da produção”, pontua.
Com destaque positivo para o negócio onde elas são protagonistas, Maria Nelzira diz que a intenção é inspirar outras mulheres.
“Vejo nossa história como um rompimento de barreira e do preconceito de que a mulher só tem que ficar em casa, no fogão. É uma conquista para nós mulheres ocupar esse espaço no empreendedorismo, na produção do leite, dos hortifrútis. É mais uma prova de que todas somos competentes e demonstra a força da mulher no cooperativismo”, finaliza.
Em 2016, a Cooplaf trouxe para Mato Grosso do Sul destaque internacional após ser reconhecida pela ONU (Organização das Nações Unidas) como uma das forças para mudar o mundo.
Mulheres que cooperam
No dicionário, cooperar é definido como o ato de unir esforços para um mesmo fim. Para a produtora Cássia Alexandre Pancoti, é a motivação para acordar todos os dias antes mesmo do sol despontar no céu de Terenos. Esposa e mãe de dois filhos, ela é uma das centenas de mulheres que produzem no assentamento a 40 quilômetros de Campo Grande.
No ramo do leite há 15 anos, Cássia diz que viu a vida da família mudar desde que decidiu entrar para o cooperativismo.
“Quando eu não fazia parte da Coopaf tudo era mais difícil. A gente tinha que ficar correndo atrás do preço do leite, brigando com lacticínios e ainda tinha o risco da falta de pagamento. Isso era muito complicado. Hoje mudou completamente, temos muito mais segurança”, relata.
Além da certeza de boas negociações com o mercado, Cássia conta que na cooperativa conseguiu acesso a especializações e assistências nas áreas técnica, veterinária, de gestão e nutrição dos animais. Com isso, as vacas leiteiras aumentaram de 15 para 21 e a produção triplicou, saltando de 50 para até 170 litros de leite por dia.
“Antes nós éramos leigos, agora temos mais informação graças a assistência que temos na cooperativa. Temos a loja, o benefício de parcelamento, tratores e implementos que podemos alugar, assistência para inseminação e reprodução, veterinário à nossa disposição e tudo isso mudou radicalmente nossa realidade, trouxe progresso para a região. Além disso, o escoamento da nossa produção, que era muito escasso, aumentou”, avalia.
Além das melhorias sentidas no dia a dia de serviço e comprovadas por números, Cássia comemora por olhar ao redor e atestar a independência e liderança de mulheres produtoras que cooperam no para o desenvolvimento da comunidade. “Entre os funcionários da cooperativa só dois são homens e o restante são mulheres, entre os cooperados também somos maioria. Saber disso é gratificante e vejo que somos exemplo para outras mulheres e outras cooperativas”, comenta.
De geração para geração
Assim como na vida da Cássia, a agricultura familiar também é rotina para tantas outras mulheres de perfis e idades diferentes, em um legado que passa dos velhos para os mais novos.
Com apenas 18 anos, Beatriz Nunes Garcia é quem ordenha as vacas leiteiras da família que também vive no Assentamento Santa Mônica, fazendo cair por terra o pensamento de que o trato com o gado é um trabalho para homens.
“Eu acordo bem cedo e vou para mangueiro tirar leite. Também dou remédio, ração e faço todo tipo de serviço. Me sinto bem e mexer com os animais é uma coisa que gosto desse pequena”, comenta.
Para ela, recompensa para o trabalho diário é garantir alimento na mesa de tantas pessoas. Gente que ela sequer conhece, mas que é beneficiada pelo serviço que faz. “Me sinto feliz em saber que meu esforço ajuda outras pessoas. Isso faz valer a pena”, finaliza.
Nas redes sociais, Beatriz compartilha a rotina de trabalho. Confira:
O despertar de novas lideranças
Entre as cooperativas de Mato Grosso do Sul, histórias de protagonismo feminino, assim como as do Assentamento Santa Mônica, se repetem e são incentivadas.
Há 4 anos, a cooperativa de crédito Sicred criou o Comitê Mulher, implementado após a constatação de que a presença feminina em cargos de liderança era muito inferior à dos homens.
“Começamos a ter esse olhar para dentro das nossas cooperativas e percebemos que o número de colaboradoras e associadas era grande, mas muito pouco dentro dos conselhos de composição. Então notou-se a necessidade de fazer algo para estimular essas mulheres e aproximá-las desses cargos”, explica Mirtes Moreno Assessora de Desenvolvimento do Cooperativismo do Sicred.
A partir da constatação, o Comitê passou a realizar ações presenciais e virtuais para incentivar e preparar essas associadas e funcionárias.
“Nas ações elas recebem treinamento de fala, oratória, diversidade inclusão, empreendedorismo e são preparadas e incentivadas para que se desperte o interesse na liderança dentro do cooperativismo”, detalha.
A partir da iniciativa, o que se viu foi o surgimento de novas e potentes lideranças no setor. “Hoje temos mulheres que são coordenadoras de núcleo, outras que descobriram seu potencial e agora querem ocupar lugares de destaque. Muitas associadas não sabiam o que era a cooperativa, como funcionava o sistema financeiro e movimentações bancárias e, por isso, deixavam que o esposo movimentasse a conta da família. Agora, elas têm o interesse de se posicionar, a liberdade de falar em público, dentro da cooperativa e até de liderar ações na comunidade”, revela.
“Acredito que o empoderamento feminino vem através da educação. Quando a mulher tem informação ela se empodera, vê que é capaz, que pode sim ser gerente de uma empresa, que pode ter voz, ocupar um cargo de liderança e é por isso que investimos nessas ações que levam formação para elas”, finaliza.
Incentivo à elas
Além do apoio dentro das cooperativas, o estímulo às mulheres também ganha incentivo institucional promovido pela OCB-MS (Sindicato e Organização das Cooperativas Brasileiras no Mato Grosso do Sul)
“Temos uma forte inclusão feminina nas atividades do setor e isso é resultado da competência das mulheres, que hoje assumem as posições mais elevadas da gestão administrativas, operacionais e de governança dentro do cooperativismo do campo e na cidade. Mas abemos que isso pode avançar ainda mais, por isso, temos trabalhado para fortalecer e preparar essas mulheres para que cada vez mais assumam essas atividades do mercado”, comenta o presidente da OCB-MS, Celso Ramos Régis.
Como exemplo, ele cita a implantação do Programa Elas pelo Coop, que promove capacitação para o público feminino. Atualmente, coordenadora nacional do projeto é de Campo Grande, evidenciando mais uma vez o destaque da atuação da mulher sul-mato-grossense. “Além disso diversas cooperativas mantêm comitês que trabalham e dão ênfase à essa área”, acrescenta.
13% do PIB de MS
Atualmente, a OCB-MS agrupa mais de 130 cooperativas responsáveis que movimentam 13% do PIB (Produto Interno Bruto) de Mato Grosso do Sul. Ao todo, são quase 500 mil associados e mais de 15 mil empregos diretos gerados nos ramos de agropecuária, consumo, crédito, infraestrutura, saúde, transporte e trabalho e produção de bens e serviços.
“Em 45 anos de criação temos contribuído de forma impactante no crescimento e desenvolvimento da economia de Mato Grosso do Sul. Oferecemos oportunidades de melhoria para os negócios, fortalecendo a distribuição de renda e a economia local”, explica.
“Em um momento onde várias dificuldades se apresentam no mercado, o modelo de cooperativismo é uma das melhores alternativas para transpor os maus momentos. Para as próximas décadas um crescimento ainda mais forte para o setor”, conclui o presidente.
Fonte: Midiamax
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