Na porta de entrada do agronegócio gaúcho, um grupo de jovens pesquisadores estrangeiros se deparou com algo que não estava nos livros, nem nos relatórios que eles conheciam. Vieram ao Brasil buscar respostas sobre produtividade, clima, inovação e gestão – e saíram carregando na bagagem uma descoberta que, para eles, ainda não tem igual em outras partes do planeta: o jeito brasileiro de cooperar.
Em junho, bolsistas da Austrália, Canadá e Chile – todos participantes do Programa de Foco Global da rede internacional Nuffield – cruzaram os portões da Cotrijal, em Não-Me-Toque (RS), para entender de perto como o cooperativismo rural se organiza para dar suporte a milhares de famílias, conectar tecnologias, transformar grãos em alimentos e renda, e ainda devolver parte do resultado para dentro das propriedades.
Ao longo de seis semanas no Brasil, o grupo percorreu fazendas, institutos de pesquisa, indústrias e centros de inovação para conhecer práticas de manejo, sistemas produtivos e soluções criadas para contornar os gargalos que ainda marcam a realidade de quem produz no país. Mas foi no interior do Rio Grande do Sul, dentro de uma das maiores cooperativas agropecuárias da região Sul, que os jovens perceberam o quanto o modelo brasileiro de cooperativa vai além da simples soma de produtores.
Um sistema que surpreende
Para muitos, o cooperativismo é uma associação de agricultores para ganhar escala na compra de insumos ou na venda da safra. Mas a visita à Cotrijal mostrou que, na prática, o alcance é muito maior. Hoje, a cooperativa está presente em 53 municípios, com uma rede integrada que soma 79 unidades de recebimento de grãos, Unidade de Beneficiamento de Sementes, Fábrica de Rações, complexo de 32 lojas, 15 supermercados, um atacado e o projeto de intercooperação Soli3, que reúne Cotrijal, Cotripal e Cotrisal para instalar uma indústria de processamento de soja com planta para produção de biodiesel em Cruz Alta (RS).
No campo, isso significa que a cooperativa atua como parceira direta do produtor em praticamente todas as etapas: do planejamento da safra ao escoamento da colheita, passando pela assistência técnica, acesso a crédito, pesquisa, armazenagem e logística. Nas cidades, a presença das lojas e supermercados reforça o vínculo com as comunidades e ainda devolve parte do resultado para o caixa da cooperativa, que reinveste na base produtiva.
“Eles conseguiram absorver muito conhecimento de como o cooperativismo funciona aqui no Brasil, especialmente no Rio Grande do Sul, e como agrega aos produtores rurais”, explicou Guilherme Oliveira, bolsista brasileiro da Nuffield, que acompanhou a delegação internacional durante o giro pelo estado.
O que eles viram – e não viram em outros lugares
No final da visita, o estudante Thanh Troung, da Austrália, resumiu o sentimento do grupo. “Eu acredito que as cooperativas brasileiras se unem para prosperar. Eu nunca vi esse tipo de cooperativismo no mundo, onde os lucros são reinvestidos para ajudar os agricultores a crescerem ainda mais”, relatou. Troung também destacou que, em seu país, não existe uma estrutura equivalente capaz de entregar simultaneamente insumos, assistência técnica, canais de comercialização, rede de varejo e benefícios para as famílias rurais. “É realmente incrível, eu vou voltar para casa pensando em como poderíamos ter uma Cotrijal”, disse.
Essa percepção não é isolada. Em outras regiões do mundo, o cooperativismo agropecuário costuma ter foco restrito à compra coletiva de insumos ou à comercialização conjunta, mas muitas vezes sem a estrutura integrada de armazenagem, transformação industrial, distribuição varejista e reinvestimento local. Para quem vive isso no Brasil, a força da intercooperação parece natural; para quem chega de fora, o modelo soa quase disruptivo.
Disseminar, dividir e multiplicar
Para a equipe da Cotrijal, abrir as portas para grupos estrangeiros é também uma forma de colocar em perspectiva o caminho percorrido pelo cooperativismo no estado, um sistema que nasceu para dar força aos pequenos e médios produtores, em um cenário de terras fragmentadas, propriedades familiares e condições de mercado desiguais.
“Foi um momento muito interessante e uma oportunidade de falar para eles sobre a experiência do cooperativismo na Cotrijal, assim como nossos resultados. Nós também identificamos que eles não acessaram experiências semelhantes à nossa nos outros lugares em que estiveram. Então apresentar o case da Cotrijal gera uma perspectiva, uma possibilidade de que, a partir do entendimento do nosso modelo, eles possam disseminar, dividir e compartilhar o que viram aqui, construindo novas propostas de parcerias ou novos modelos cooperativos, gerando diferentes resultados, especialmente no campo de estudo deles, que é o agronegócio”, enfatizou Benísio Rodrigues, gerente de marketing da Cotrijal.
A recepção aos bolsistas contou ainda com a presença do vice-presidente da Cotrijal, Enio Schroeder, do superintendente de Produção Agropecuária, Gelson de Lima, da gerente de Produção de Sementes, Marcela Lange Schiochet, do coordenador do Departamento Técnico (Detec), Alexandre Nowicki, e do coordenador de Validação Agrodigital, Leonardo Kerber. Além das reuniões na sede, o grupo percorreu a Unidade de Beneficiamento de Sementes, visitou o Parque da Expodireto Cotrijal, conheceu a Área de Pesquisa e Validação e a Fábrica de Rações, encerrando o circuito com uma visão prática do que faz a engrenagem cooperativa girar todos os dias.
Modelo que exporta ideias
Nos corredores da Expodireto, o evento anual que se tornou vitrine de tecnologia, negócios e conexão para produtores de todo o Brasil, o assunto volta à tona: até onde o modelo cooperativo gaúcho pode inspirar outras regiões e outros países? Para quem observa de fora, não é só uma questão de faturamento ou estrutura física. É a cultura de disseminar conhecimento, dividir recursos e multiplicar resultados, alinhando pequenas propriedades a grandes indústrias e encurtando a distância entre o campo e o mundo.
O que para Thanh Troung pode ser uma semente para plantar na Austrália, para a Cotrijal é, todos os dias, a própria essência de existir. E para o cooperativismo brasileiro, cada visita como essa é um lembrete de que o caminho percorrido em décadas de organização, mutualismo e intercooperação segue vivo e, ao que tudo indica, cada vez mais observado lá fora.
Soli3
As cooperativas agropecuárias Cotrijal, com sede em Não-Me-Toque, Cotripal, de Panambi e Cotrisal, de Sarandi, vão construir uma nova indústria para processamento de soja, com planta para produção de biodiesel. Com a presença de autoridades e imprensa, o lançamento ocorreu em maio, em Cruz Alta (RS), município onde o empreendimento será instalado. O anúncio é um marco importante na história das três instituições e também para o desenvolvimento do setor agro em nível estadual e nacional. O investimento estratégico visa fortalecer a cadeia produtiva de soja, agregando valor à commodity que tem o Brasil como seu maior produtor e exportador no mundo.
Com capacidade para processar 3 mil toneladas de soja por dia (50 mil sacas de soja/dia), a nova planta industrial será responsável pela produção de óleo degomado, biodiesel, glicerina, farelo de soja e casca peletizada. Estes produtos são amplamente utilizados nas indústrias de alimentos, rações e biocombustíveis e devem abastecer tanto o mercado interno quanto o de exportação. No caso do farelo de soja e da casca peletizada, a produção da indústria deve abastecer, inclusive, a demanda das três cooperativas responsáveis pela iniciativa. No total, o volume anual de processamento deve chegar a cerca de 1 milhão de toneladas do grão (aproximadamente 16,5 milhões de sacas). O faturamento projetado é de R$ 2,2 bilhões por ano e a operação deve iniciar em 2028.
Cruz Alta foi escolhida de forma estratégica para a construção do empreendimento, por conta de sua localização logística, proximidade com ferrovia e canais portuários. A indústria ocupará uma área de 138 hectares, localizada na zona rural, às margens da rodovia Luciano Furlan. A área construída será de 62 mil metros quadrados, com previsão de início das obras em janeiro de 2026, gerando aproximadamente mil empregos diretos. Está previsto o investimento de cerca de R$ 1,25 bilhão para a iniciativa – serão buscados recursos junto ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), em linhas específicas que oferecem incentivos para projetos de inovação e transformação. Com relação à armazenagem da indústria, deverá ser de 160 mil toneladas de grãos, além da capacidade disponível nas três cooperativas envolvidas no projeto. Além disso, o complexo será preparado para realizar o transbordo de soja própria, serviço que também será prestado para outras empresas e cooperativas, fortalecendo ainda mais a cadeia logística e comercial da região.
“A intercooperação é tanto uma realidade quanto uma necessidade. Com a união de três cooperativas, podemos aumentar significativamente nosso volume de produção, adquirir insumos em maior escala e negociar melhores preços. Isso nos permitirá comercializar nossos produtos com maior valor agregado, contribuindo para o desenvolvimento regional. Esse passo inicial pode impulsionar a criação de um parque industrial, abrindo caminho para novas oportunidades de industrialização na cadeia produtiva”, explica o presidente da Cotrijal, Nei César Manica.
Com o nome Soli3, a intercooperação entre as cooperativas dará origem a uma central, que será presidida, no primeiro ano de atividades, pelo presidente da Cotrisal, Walter Vontobel; no segundo ano, pelo presidente da Cotripal, Germano Döwich; e, no terceiro ano, por Nei César Manica, presidente da Cotrijal.
“Estamos vivendo um momento histórico, em que a união com outras grandes cooperativas do RS nos permite agregar valor ao que é do nosso associado. A criação de uma Central é um passo firme e decisivo, que fortalece os nossos negócios, impulsiona a sustentabilidade e leva desenvolvimento para toda a nossa região”, reforça Germano Döwich, presidente da Cotripal.
Para Walter Vontobel, presidente da Cotrisal, “a parceria entre as cooperativas é o alicerce para o sucesso deste empreendimento, pois fortalece o setor e impulsiona o desenvolvimento sustentável. A união entre Cotrisal, Cotrijal e Cotripal na criação da nova indústria exemplifica como a intercooperação pode gerar novos mercados e agregar valor à produção”.
“A Soli3 muda definitivamente a história e o futuro de Cruz Alta”, destacou a prefeita Paula Rubin Facco Librelotto, durante o anúncio oficial. Ela enfatizou ainda o potencial logístico, a força na produção de grãos e o capital humano da cidade como fatores determinantes para escolha de Cruz Alta como sede empreendimento, além da importância da nova indústria para o desenvolvimento regional, bem como para a geração de empregos e renda.
“O empreendedorismo e a capacidade de associação e articulação entre as cooperativas envolvidas são um exemplo para todo o estado. Trata-se de um investimento concreto, que trará efeitos econômicos, como geração de empregos e riqueza, mas também um impacto que não pode ser medido, que é o poder do exemplo. Isso inspira, injeta ânimo e mostra que, a partir desse exemplo de empreendedorismo, outras cooperativas, empresas e os gaúchos como um todo possam olhar com confiança para o futuro do nosso estado”, destacou o governador do Rio Grande do Sul, Eduardo Leite.
Juntas, as três cooperativas somam mais de 100 municípios em sua área de atuação e cerca de 35 mil associados, além de 2,8 milhões de toneladas (mais de 46 milhões de sacas) em capacidade de armazenamento de grãos.
Fonte: O Presente Rural com adaptações da MundoCoop