Quando se fala em blockchain, ainda é comum associá-la exclusivamente ao sistema financeiro ou às criptomoedas. Essa percepção, embora compreensível, acaba limitando o olhar sobre uma tecnologia que pode ser aplicada de forma muito mais ampla — inclusive no cotidiano das cooperativas, em praticamente todos os ramos de atuação.
Depois de entendermos como a blockchain funciona e por que ela é considerada disruptiva, o passo seguinte é olhar para o problema que ela resolve. Em essência, a blockchain nasce para lidar com desafios recorrentes nas organizações: dificuldade de rastrear informações, registros dispersos, necessidade de conferência constante e, principalmente, confiança entre diferentes partes. Esses desafios não são exclusivos do mercado financeiro — estão presentes também no dia a dia cooperativo.
No ramo agropecuário, por exemplo, a blockchain pode ser utilizada para registrar etapas da produção, origem de insumos, certificações e padrões de qualidade. Cada informação registrada passa a compor um histórico confiável, compartilhado entre cooperados, cooperativa e parceiros, reduzindo disputas e aumentando a transparência ao longo da cadeia produtiva.
Em cooperativas de saúde, a aplicação pode estar no controle de autorizações, no registro de procedimentos ou no compartilhamento seguro de informações sensíveis, respeitando limites de acesso e preservando a integridade dos dados. Não se trata de expor informações, mas de garantir que registros sejam confiáveis, auditáveis e protegidos contra alterações indevidas.
Já em cooperativas de trabalho, transporte ou serviços, a blockchain pode apoiar o registro da prestação de serviços, critérios de repasse e distribuição de resultados. Isso contribui para reduzir conflitos, aumentar a previsibilidade e reforçar a confiança entre os cooperados, especialmente em modelos mais distribuídos de atuação.
Até mesmo nas cooperativas de consumo, a tecnologia pode apoiar programas de benefícios, registros de participação e histórico de operações, criando mecanismos mais transparentes de relacionamento com o cooperado.
Em todos esses exemplos, o ponto central é o mesmo: a blockchain não substitui pessoas, nem a relação cooperativa. Ela atua como uma camada adicional de confiança, ajudando a organizar informações, reduzir assimetrias e fortalecer a transparência — valores que já fazem parte da identidade cooperativista.
Talvez o maior equívoco seja imaginar que adotar blockchain exige grandes projetos ou mudanças radicais. Muitas vezes, o caminho começa com pequenos usos, projetos-piloto e aprendizado interno. A tecnologia já está disponível. O desafio, agora, é olhar para o cotidiano da cooperativa e perguntar: onde a confiança pode ser ainda mais fortalecida?
Fernando Lucindo é advogado especialista em direito cooperativo

Coluna exclusiva publicada na edição 127 da Revista MundoCoop












