No último dia 3 de novembro de 2025, o Banco Central do Brasil (BCB) e o Conselho Monetário Nacional (CMN) publicaram a Resolução Conjunta nº 14/2025, acompanhada da Resolução BCB nº 517/2025, que detalha seus procedimentos complementares.
Essas normas instituem uma nova metodologia para o cálculo do capital social mínimo integralizado e do patrimônio líquido exigido das instituições financeiras e demais entidades autorizadas a funcionar pelo Bacen — entre elas, as cooperativas de crédito.
Mais do que uma simples atualização, as resoluções marcam um avanço na política prudencial brasileira, ao adotar um modelo de cálculo proporcional à complexidade, porte e tipo de atividade de cada instituição. No caso das cooperativas, a nosso ver esse novo regime dialoga com o princípio da proporcionalidade previsto na Lei Complementar nº 196/2022, que modernizou o Sistema Nacional de Crédito Cooperativo (SNCC).
Da fixação por categoria à metodologia por atividades
Historicamente, a Resolução CMN nº 4.434/2015 (artigos 19 e 20) definia valores fixos de capital e patrimônio líquido mínimo conforme a categoria da cooperativa — como “clássica”, “plena” ou “de capital e empréstimo”. O novo modelo introduzido pela Resolução Conjunta nº 14/2025 (art. 3º) não altera diretamente a Res. 4.434/2015, mas passa a coexistir com ela, aplicando-se novas exigências prudenciais relativas ao capital mínimo das instituições.
A grande diferença é que o cálculo deixa de ser padronizado e passa a considerar atividades operacionais, de investimento e de captação, além de uma parcela de custo associada à estrutura e à infraestrutura tecnológica (Anexo I, Res. Conj. nº 14/2025). Com isso, a exigência se torna mais aderente à realidade de cada cooperativa, respeitando suas especificidades e o nível de sofisticação de seus serviços.
Resolução BCB nº 517/2025: o passo a passo da aplicação
A Resolução BCB nº 517/2025 (art. 2º a 8º) detalha os procedimentos de comunicação e transição das instituições (inclusive as cooperativas de crédito) para o novo modelo. Entre os principais pontos:
- Parcela de custo: R$ 2 milhões por categoria de atividade operacional informada, acrescida de até R$ 10 milhões para instituições com serviços intensivos em infraestrutura tecnológica (Anexo I, item 2.1).
- Atividades operacionais: variam de R$ 1 milhão (serviços administrativos) a R$ 7 milhões (concessão de crédito).
- Atividades de investimento: R$ 5 milhões (categoria restrita) e R$ 8 milhões (categoria livre).
- Fator de captação: multiplicador entre 60% (recursos próprios) e 200% (depósitos do público).
- Adicional de denominação “banco”: instituições que utilizem o termo “banco” acrescentam R$ 30 milhões ao mínimo exigido.
- Cooperativas de capital e empréstimo: mantêm valor mínimo específico de R$ 150 mil, conforme cronograma de transição até 2027 (art. 8º, §1º).
Conforme defende a autoridade reguladora, esses parâmetros buscam equilibrar segurança e proporcionalidade, ajustando as exigências conforme o risco e a natureza das operações.
Impactos práticos para as cooperativas de crédito
- Exigência proporcional e individualizada
O novo modelo permite reconhecer as diferenças estruturais entre cooperativas, aplicando níveis de exigência adequados à complexidade das operações. Cooperativas com atuação mais ampla, digital ou de maior captação terão obrigações patrimoniais maiores — enquanto estruturas menores terão encargos proporcionais à sua atividade. - Planejamento e adequação patrimonial
Será essencial às cooperativas revisarem planos de capitalização, reservas e quotas-partes (Res. CMN nº 4.434/2015, art. 21) para atender à nova metodologia. A expansão de serviços digitais — como contas eletrônicas, Pix e crédito online — exigirá demonstração prévia de suficiência patrimonial conforme a Resolução BCB nº 517/2025 (art. 4º). - Governança e gestão de riscos
A adequação ao novo regime implica aprimorar controles internos, políticas de governança e acompanhamento contínuo do capital. O conceito de patrimônio líquido ajustado, já previsto na Resolução 4.434/2015 (art. 20), continua sendo referência para o monitoramento da saúde financeira. - Transição e adaptação
As cooperativas já em operação poderão seguir o regime anterior até 30 de junho de 2026, devendo migrar integralmente até 31 de dezembro de 2027 (Res. BCB nº 517/2025, art. 8º). Esse período é crucial para revisar estruturas patrimoniais e estratégias de expansão, garantindo conformidade sem comprometer a sustentabilidade financeira.
Pontos de atenção específicos ao SNCC
Embora as normas tenham escopo geral, o Bacen reconhece as particularidades das cooperativas de crédito. As cooperativas de capital e empréstimo mantêm exigência mínima específica (R$ 150 mil), enquanto as centrais e confederações deverão observar parâmetros mais rigorosos quando prestarem serviços de liquidação, custódia ou tecnologia para suas filiadas (Res. Conj. nº 14/2025, art. 5º). Esse cenário reforça a necessidade de planejamento sistêmico dentro do cooperativismo, especialmente no relacionamento entre bases e centrais.
Conclusão: um novo paradigma prudencial
A nosso ver, as Resoluções Conjunta nº 14/2025 e BCB nº 517/2025 inauguram um modelo prudencial mais moderno, técnico e proporcional, alinhado às melhores práticas internacionais. Para as cooperativas, a mudança representa maior rigor regulatório, mas também maior coerência com a diversidade operacional do sistema.
Antecipar a adequação — com planejamento financeiro, atualização estatutária e fortalecimento da governança — será essencial para que o cooperativismo de crédito siga crescendo de forma sustentável e segura, reafirmando sua capacidade de inovação dentro do sistema financeiro nacional.
Fernando Lucindo é advogado especialista em direito cooperativo












