Valorizar o trabalho das mulheres do campo, promover o consumo consciente e estimular a economia solidária por meio da agricultura familiar. Os princípios da Cooperativa da Agricultura Familiar de Itapajé (Copita), apesar de desafiadores, levaram ao seu crescimento.
Com o reconhecimento dos produtores, a Copita atraiu cada vez mais cooperados e diversificou seu mercado, conta Marli Oliveira, de 45 anos, fundadora e diretora financeira da cooperativa.
A associação reúne 53 agricultores familiares de Itapajé e sete municípios vizinhos, com foco na produção sustentável, sem perder a qualidade dos alimentos. Entre as culturas, destacam-se banana, caju, mamão, tomate, feijão, milho e mandioca.
Há oferta também de produtos beneficiados e artesanais, como doces, bolos, geleias, biscoitos e outros itens produzidos por grupos de mulheres da cooperativa.

“São produtos sustentáveis e agroecológicos, que refletem o compromisso da Copita com a segurança alimentar, o respeito com o meio ambiente e a valorização da produção local”, defende Marli.
Esta é segunda parte da reportagem especial ‘Cooperativismo: união que transforma o Ceará’, em que o Diário do Nordeste aborda o crescimento do cooperativismo agrícola no Ceará e a sua importância para o desenvolvimento econômico-social do Estado.
A Copita é uma das cooperativas que abastece programas institucionais, como o Programa de Aquisição de Alimentos (PPA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE).
Em 2024, as compras de alimentos produzidos pela agricultura familiar para a merenda escolar totalizaram R$ 77,2 milhões.
A legislação estadual define que a alimentação escolar deve ter pelo menos 30% de alimentos produzidos pela agricultura familiar. Em 2026, o porcentual mínimo passará para 45%.
A obrigatoriedade traz estímulo às mais de 70 cooperativas aptas a comercializar para a gestão pública, aponta Regma Queiroz, titular da Coordenadoria de Desenvolvimento Territorial, Cooperativismo, Comercialização e Economia Solidária (Codece), da SDA.
Frutas, verduras e legumes representam a maior parte da mercadoria comprada. Carnes, aves, peixes, massas alimentícias, ovos e laticínios também estão os produtos fornecidos. A maior parte dos itens é orgânica e agroecológica.
O cooperativismo é fundamental para que esses alimentos cheguem à mesa dos cearenses, já que o modelo de negócio permite estratégias de escoamento da produção, exalta André Fontenelle, gerente jurídico do Sistema OCB CE.
“Sozinhos, eles não conseguiriam chegar a esse mercado. O produtor teria que acessar um edital das prefeituras, fazer toda a documentação e o contrato. E isso é só o começo do trabalho: tem que ver a questão de embalagens, com todas as questões sanitárias, a entrega”, lista.
Sem fins lucrativos, o cooperativismo permite uma segurança maior aos produtores, que arriscam reservas necessárias para subsistência ao investir em novas produções.
“Os custos da cooperativa são rateados pelos próprios agricultores. E, quando a gente diz que ‘deu sobra’, por exemplo, é porque se calculou um gasto de 100% e só se gastou 90%. Essa sobra é devolvida para os associados”, esclarece.
Mulheres são maioria entre cooperados
Com iniciativas voltadas ao combate das desigualdades de gênero, as mulheres são maioria nas cooperativas do Ceará. Elas representam 59,5% dos cooperados no Ceará – enquanto os homens correspondem a 40,5%.
A participação feminina do Estado é maior que a média nacional, em que as mulheres representam 41% dos cooperados, conforme balanço do Sistema OCB.
O cooperativismo é um negócio de negócio mais atrativo às mulheres por proporcionar a coexistência do trabalho com o respeito à vida, aponta Nazaré Soares, professor do Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Políticas Públicas da Universidade Federal do Ceará.
“É muito cruel para a mulher viver dentro do setor privado. A burocraria promove a padronização de tudo e todos, e acaba não entendendo especificidades da vida da mulher na sociedade. Então, o cooperativismo vai ser esse lugar onde as mulheres vão produzir com o bem viver. O cooperativismo vai entender a carga do trabalho doméstico, a tripla jornada”, analisa.
Nazaré Soares destaca que as cooperativas permitem a chegada das mulheres aos cargos de gestão, posto historicamente negado na organização empresarial formal. “As mulheres podem viver, sem adoecer. Claro que existem desafios e contrastes, mas os desafios são entendidos como aprendizagem, a partir de resolução coletiva, entendimento coletivo”, aponta.
Ferramenta contra insegurança alimentar
O cooperativismo é responsável por 53% da produção de grãos do País, segundo o anuário da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB).
Além de ofertar alimentos em quantidade suficiente para a subsistência, essas produções costumam seguir preceitos de qualidade defendidos pelo Guia Alimentar Para a População Brasileira: policulturas, liberdade na escolha de sementes e uso reduzido de defensivos agrícolas.
Frente aos ultraprocessados e alimentos de grandes monoculturas com uso indiscriminado de químicos, os alimentos oriundos de cooperativas contribuem para a segurança nutricional da população, comenta Iury de Melo, mestrando em ciência e tecnologia dos alimentos.
“A produção de cooperativas com responsabilidade socioambiental permite a permanência e dignidade das pessoas trabalhadoras na produção e extração de alimentos que atendam não só as necessidades nutricionais, mas que também estejam vinculados às nossas práticas alimentares”, aponta.
Os alimentos orgânicos e de base agroecológica advêm de uso sustentável dos recursos naturais, são livres de contaminantes e implicam em maior diversidade de nutrientes. Além disso, respeitam as variedades regionais de legumes, verduras e grãos.
“Fora isso, o modelo de cooperativismo estimula o fortalecimento econômico de quem planta, colhe e coleta, impactando diretamente na melhora de sua segurança alimentar e de suas famílias.” – Iury de Melo, especialista em Negócios em gastronomia
Consumo consciente, sustento garantido
“Das mãos que trabalham a terra para as suas mãos”. A Terra Conquistada, marca que reúne produtos de cinco cooperativas do Movimento Sem Terra (MST) no Ceará, quer chegar cada vez mais longe.
O propósito vai muito além do comercial: os produtos simbolizam a resistência dos trabalhadores rurais, defende Carla Braga, que atua no setor comercial da Cooperativa Central das Áreas da Reforma Agrária do Ceará (CCA-CE).
Entre os frutos do trabalho nos assentamentos estão lácteos, castanha de caju, polpas de frutas, derivados de mandioca, como farinha e fécula, e cortes especiais de ovinos.
“Priorizamos métodos de cultivos sustentáveis, como o policultivo, que planta junto milho, feijão, batata, melancia. Usamos tecnologias simples, como irrigação de gotejamento e sistemas agroflorestais”, explica.

Carla ressalta que a principal técnica utilizada é o respeito à natureza e aos trabalhadores envolvidos. A venda dos produtos é fundamental para o crescimento dos assentamentos.
“São em torno de 600 famílias beneficiadas por todas as cooperativas. Contribui para o sustento, mas ainda não é o suficiente para ter uma renda integral. Hoje, não é o único meio de subsistência”, comenta.
Entre os pontos de venda estão feiras agroecológicas, padarias de bairro e supermercados da rede Uniforça. A inserção em mais redes varejistas e na alimentação de instituições depende da expansão saudável da produção e do beneficiamento.
Público geral precisa ser sensibilizado
Outro desafio é sensibilizar o público geral sobre a necessidade de consumir da agricultura familiar.
“É uma conscientização do que se está colocando a mesa, na bolsa, vai muito além dos benefícios nutricionais. É o trabalho dos agricultores e agricultoras que se dispõe diariamente a construir a produção de alimentos saudáveis”, aponta Carla Braga.
Desenvolver essa conscientização é um dos objetivos do Mercado AlimentaCE, que tem a Terra Conquistada e outras cooperativas entre os fornecedores.
O equipamento, instalado dentro do Complexo Estação das Artes, é um polo de valorização da gastronomia e cultura alimentar cearense. Todos os produtos têm 100% da cadeia de produção no Ceará.
O objetivo é aumentar a visibilidade de itens artesanais em um centro cultural com visitação mensal de 9 mil pessoas. Glauber Uchoa, coordenador de Loja e Restaurantes do Mercado AlimentaCE, aponta que um dos principais objetivos é fazer com o público entenda que o produto de cooperativas pode ter tanto valor quanto o de marcas famosas supermercados.
“Em vez de consumir um arroz de sequeiro, você consegue comprar aqui um arroz sertanejo de produção familiar. Pode ter uma farinha de uma casa de farinha tradicional, uma rapadura de um engenho. Tudo dentro de um padrão de qualidade”, aponta.
O gestor reitera que a organização em cooperativas é imprescindível para que as famílias agricultoras acessem políticas públicas.
“As cooperativas proporcionam para esses produtores uma organização mínima de mercado: podem emitir cupom fiscal, fazer a rotulagem adequada e explicar nutricionalmente o produto, para que possa chegar ao público”, explica.
O Mercado também está desenvolvendo uma cesta de produtos orgânicos produzidos em cooperativas. A seleção de frutas, verduras e legumes deve ser entregue na casa dos consumidores.
Difusão da agricultura familiar no hábito alimentar cearense
Uma das estratégias da Copita para alcançar um público maior é a fundação da Cafeteria Nativa, no município de Ocara, voltada para a gastronomia sustentável.
Marli Oliveira aponta que essa é a realização de um sonho de todos os cooperados. O desdobramento da produção decorre da profissionalização na gestão da cooperativa — tema pesquisado pela fundadora em seu mestrado.
“A proposta é valorizar os produtos regionais como caju, mel e banana, que serão utilizados nas receitas, reforçando o compromisso da cooperativa com a gastronomia sustentável. Dessa forma, unimos o sabor e a identidade local à geração de renda e ao fortalecimento da agricultura familiar.” – Marli Oliveira, Fundadora da Copita
Iury de Melo avalia a difusão de lojas, mercados e feiras voltadas para a agricultura familiar é importante para fortalecer a cultura de consumo de produtos de cooperativas.
“É necessário conhecer, reconhecer e difundir. Conhecer nossa diversidade, pois tem muita coisa boa sendo feita em nosso Estado. Reconhecer por meio de apoio e fomento público e privado. E difundir por meio de diferentes estratégias, dentre elas a promoção de circuitos de comercialização”, aponta o pesquisador.
Fonte: Diário do Nordeste com adaptações da MundoCoop












