No Brasil, país com apenas 4% dos resíduos reciclados, a startup SOLOS surge como uma força transformadora para o desenvolvimento das cooperativas de reciclagem. A startup não apenas tem reconhecido o papel fundamental do setor para o pós-consumo de recicláveis, mas tem fortalecido o seu trabalho por meio de um modelo que valoriza a organização coletiva e a gestão compartilhada.
O êxito do trabalho realizado pela startup gerida por Saville Alves pode ser traduzido pelos R$ 4,5 milhões em renda gerada para catadores e pela 1,5 milhão de toneladas de resíduos reciclados em 9 estados brasileiros, com destaque para um aumento histórico na reciclagem durante o Carnaval de Salvador, saltando de 5% para 40%.
Nesta entrevista, Saville revela como a SOLOS está construindo uma economia circular que dialoga diretamente com o cooperativismo. Seja por meio de grandes parcerias ou pelo reconhecimento como uma das startups mais inovadoras do país, a iniciativa prova que a união entre tecnologia e a cooperação não apenas apoia as cooperativas, mas coloca a sustentabilidade social no centro de uma transformação que atende vidas e o meio ambiente.
Como surgiu a ideia de criar a SOLOS?
Olhando para trás eu vejo que a SOLOS é fruto de muitas vivências e oportunidades que eu tive. Minha introdução na educação formal foi em uma escola Montessoriana. Ou seja, quando criança eu fui incentivada a atribuir significado nas coisas do mundo a partir da minha própria perspectiva.
Depois já adolescente, eu tive contato pela primeira vez com o conceito de empreendedorismo, mas até então as pessoas ao meu redor tinham carreiras tradicionais.
Eu então decidi fazer comunicação e consegui passar na Universidade Federal da Bahia. E foi decisivo eu estar neste ambiente tão intrigante e experimentativo justamente durante o meu adultecimento aos 18 anos, onde além do conceito de empreender, eu tive a experiência de liderar um time e olhar para um negócio de maneira sistêmica e integrativa.
Desde ali eu sabia que queria estar nesse lugar de olhar com complexidade para questões sociais. Mas foi ao entrar no mundo corporativo em que eu conheci um universo ainda maior e mais complexo. Uma grande corporação tem estrutura de cidadão e recursos de país. E foi também lá que eu aprendi sobre o valor do relacionamento e atuei pela primeira vez com projetos de reciclagem.
Essa combinação de vivências e meu momento de vida, onde além de tudo, eu estava mudando hábitos, me tornei vegetariana, parei de usar cosméticos, por exemplo, foi a chave para eu fazer uma transição e convencer uma grande amiga, Gabi Tiemy, a entrar nessa de empreender com impacto.
O lixo nos pareceria ser um problema óbvio, especialmente porque morávamos em Salvador, uma cidade marcada por desigualdades, dentre elas, o difícil acesso ao saneamento. A SOLOS nasce com o objetivo literal de proporcionar que tudo que vem dos SOLOS possa para os SOLOS voltar. Inclusive nosso nome é um palíndromo, ou seja, pode ser lido de trás pra frente e de frente pra trás com a mesma fonética. Justamente para despertarmos essa percepção de circularidade.
“Criar senso de pertencimento e responsabilidade coletiva é o nosso maior objetivo”
Como a startup tem utilizado a reciclagem para mudar a realidade dos catadores e catadoras e gerar mobilidade social?
O Brasil é o quarto maior produtor de lixo do planeta e recicla apenas 8% das 80 milhões de toneladas que gera ao ano. Cerca de 45% disso são resíduos sólidos secos, ou seja, vidros, plásticos, metais e papéis que podem servir de insumo para a criação industrial de novos produtos, diminuindo ainda a necessidade de uso de matéria-prima virgem. No momento de crise climática que estamos enfrentando, a reciclagem e circularidade dos materiais pode significar a preservação de áreas de floresta, uma vez que diminui a
necessidade de extrairmos da natureza novos recursos. Floresta de pé significa mais biodiversidade e menos poluição. Além de toda a conservação étnica e cultural dos povos que nela vivem.
Quando olhamos pela perspectiva social, a circularidade ainda significa o sustento de mais de 2 milhões de pessoas que vivem diretamente da catação. Inclusive é por essa perspectiva que o Brasil tem se destacado na reciclagem do alumínio, sendo um caso de sucesso global. Qual o ponto que olhamos na SOLOS: para além dos índices de reciclagem, queremos também que a cadeia esteja mais profissionalizada e que a reciclagem funcione de fato como uma ferramenta de mobilidade social.
Por isso, o nosso sonho grande é fazer a reciclagem acontecer, de forma justa e inclusiva.
Apenas 4% do lixo é reciclado no Brasil – e, desse total, 90% passa pelas mãos de catadores de recicláveis. São esses trabalhadores que sustentam, na prática, a cadeia da reciclagem no país. Reconhecendo esse cenário surge o nosso sonho grande: fazer a reciclagem acontecer de forma justa e inclusiva.
Na SOLOS, trabalhamos em colaboração com o setor público e privado para desenvolver projetos que envolvam diretamente as cooperativas de catadores com foco na inclusão produtiva. Para isso, oferecemos infraestrutura, equipamentos de segurança (EPIs) e capacitação técnica para as cooperativas de reciclagem. As capacitações são feitas antes do início das operações, onde realizamos treinamentos presenciais com as equipes participantes, abordando temas como o manuseio adequado dos resíduos, a logística da coleta e uso correto dos EPIs. Além disso, oferecemos remuneração acima do valor de mercado pelos materiais coletados, com bonificações por desempenho, incentivando a produtividade e ampliando a renda dos catadores.
Nosso modelo conecta cidadãos, órgãos públicos, grandes empresas e cooperativas em um ecossistema sustentável que valoriza quem está na base da cadeia e impulsiona a reciclagem com rastreabilidade, eficiência e impacto social.
Na prática, como a economia circular promovida pela SOLOS atua no benefficiamento dos catadores e das cooperativas em comparação com o sistema tradicional?
No carnaval de Salvador pagamos R$2,00/kg pelo plástico PET coletado enquanto o mercado paga em média R$1,00. Para estimular a produtividade e geração de renda, além da compra dos materiais coletados, implementamos uma metodologia de gamificação que paga R$50,00 a cada 10 kgs de plástico coletado e cada catador autônomo pode receber até quatro vezes a bonificação por meta batida. Já as cooperativas recebem uma diária de R$180,00 por pessoa e todo o material comprado pela SOLOS, prefeitura e AMBEV permanece sob posse da cooperativa após a operação, gerando renda para além do trabalho pontual. Com esse novo modelo a porcentagem de plástico reciclado aumentou de 5% para 40% no carnaval. Como resultado, já geramos mais de R$4,5 milhões em renda para cooperativas.
“Colocamos a dignidade dos catadores no centro da nossa solução”
Quais são as principais difficuldades para atuação da SOLOS visto a necessidade do desenvolvimento de soluções e o impacto social e econômico das ações?
Um dos desafios é conseguirmos a taxonomia do setor. Afinal, os negócios de impacto promovem soluções que tornam a vida das pessoas melhor, mais justa, inclusiva; preserva o ambiente do nosso planeta. Então nesta logística, por exemplo, deveríamos ter linhas de crédito incentivadas ou benefícios fiscais. Assim como, estimular mais os clientes a fazerem contratações para empresas enquadradas nessa taxonomia.
Uma empresa de gestão de resíduos tradicional não parte dos mesmos princípios de valorização do trabalho do catador ou da construção de uma cadeia ética e justa. Isso não está no DNA da companhia tradicional. Então um dos desafios que hoje mais temos debatido é como criar uma regulamentação para que negócios como a SOLOS possam ser reconhecidos; como nossos clientes podem ser estimulados a nos contratar e quais os benefícios econômicos gerados para todos. É muito difícil competir com preços de quem está explorando a mão de obra do trabalhador; ou que não pensa numa cadeia de fornecedores mais inclusiva e sustentável. Ao mesmo passo que entendemos que nossas soluções precisam continuar partindo dessas premissas.
Apesar dos desafios, temos visto o avanço do entendimento de nossos clientes e seguimos avançando com casos de sucesso com grandes corporações como Ambev, Braskem, iFood e Nubank que demonstram a eficácia do nosso modelo. Além dos reconhecimentos pela inovação e impacto socioambiental gerados em premiações como da CNI que nos elegeu como a pequena empresa que mais inova em sustentabilidade no Brasil e o ranking do Pequenas Empresas & Grandes Negócios que nos selecionou como uma das 100 startups mais promissoras do Brasil.
Como uma empresa direcionada para impacto socioambiental, como os princípios ESG são integrados nas operações e decisões do dia a dia da SOLOS?
Na SOLOS, esses princípios estão integrados na essência da nossa operação:
- E de Environmental: atuamos diretamente na redução da extração de matéria-prima virgem por meio da reciclagem de embalagens pós-consumo, promovendo economia circular em territórios e grandes eventos. Nossos sistemas reduzem emissões com logística de baixa pegada de carbono e rastreabilidade dos resíduos.
- S de Social: colocamos a dignidade dos catadores e catadoras no centro da nossa solução. Geramos renda acima da média de mercado, oferecemos infraestrutura, capacitação e bonificações por produtividade, contribuindo para mobilidade social real e a valorização de quem sustenta a base da cadeia de reciclagem no Brasil. Como resultado, já geramos mais de R$4.4 milhões em renda para catadores e cooperativas, mobilizamos mais de 2 milhões de pessoas para fazer o descarte correto e 1.5 toneladas de resíduos reciclados em 9 estados do Brasil.
- G de Governança: nossa estrutura de governança é construída com base na diversidade, representatividade e transparência. A SOLOS tem um time diverso, seguro e feliz, e atualmente é 100% composta por mulheres e 38% LGBTQIA+
Além da geração de renda, como o trabalho de educação ambiental da SOLOS impacta as comunidades nas quais a startup está inserida?
O trabalho de educação ambiental da SOLOS transforma a relação dos cidadãos com os resíduos e com o território em que vivem. Por meio de campanhas interativas, formações práticas, ações culturais e linguagem acessível, promovemos a mudança de comportamento que estimula o descarte correto e valoriza o trabalho dos catadores. Nosso objetivo é ir além do conhecimento, mas criar senso de pertencimento e responsabilidade coletiva em torno da economia circular.
Com iniciativas como exposições educativas e experiências em espaços públicos, já mobilizamos mais de 2 milhões de pessoas, a diferentes contextos e faixas etárias. O resultado é a melhoria da qualidade de vida local por meio de um ambiente mais consciente, colaborativo e preparado para sustentar práticas circulares no longo prazo.
Por João Victor Rezende – Redação MundoCoop

Entrevista exclusiva publicada na edição 124 da Revista MundoCoop