É cada vez mais raro o trabalhador ter de sair de casa para procurar emprego. Grande parte das vagas está disponível online. E é comum a empresa anunciar uma vaga e receber centenas de currículos. Os profissionais de RH ficariam dias focados apenas na análise de currículos, e possivelmente um bom candidato, mas com o currículo no final da ‘pilha digital’ nem chegasse a ser considerado. As dinâmicas de seleção continuam as mesmas, mas agora a visão humana supervisiona uma inteligência artificial, que é capaz, por exemplo, de avaliar todas as centenas de currículos entregues para uma única vaga em um período de tempo humanamente impossível. As inovações tecnológicas voltadas à área de gestão de pessoas trazem ainda muitas outras inovações que podem ajudar a tornar mais estratégica essa área essencial das empresas.
As chamadas RH tech (ou HR tech, em inglês) vão além da aplicação de inteligência artificial para maior assertividade na seleção e admissão digital de novos empregados, aplicando também soluções como automatização das tarefas rotineiras, a exemplo do controle e gestão da jornada de trabalho, apoio a análises de dados de perfil e rendimento, até capacitação pelas plataformas de educação corporativa, as trilhas de desenvolvimento. Assim, os profissionais da área ganham agilidade e podem focar seu trabalho em estratégias que resultem em equipes mais eficientes e pessoas mais satisfeitas no trabalho. No Brasil, há 408 startups voltadas para soluções em recursos humanos, sendo que mais da metade delas foi criada a partir de 2015, conforme identificado pelo Distrito, plataforma de inovação para startups, empresas e investidores.
A partir de 2020, a pandemia acelerou as atualizações nos meios de relacionamento entre empresas e empregados, e as tecnologias passaram a ser ainda mais relevantes aos processos organizacionais. “A tecnologia é uma grande aliada, tanto no processo de gestão de dados, quanto na automatização de tudo o que for repetitivo”, reforça Cezar Almeida, vice-presidente do Conselho Deliberativo da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH Brasil).
E a tendência é de que as empresas sigam automatizando aos poucos seus processos de RH. “A gente enxerga que nos próximos anos, essa velocidade vai ser bem acelerada pela questão dos custos da tecnologia virem caindo e da necessidade de melhorar a experiência do trabalhador”, opina Almeida. “Com a tecnologia, o trabalhador não precisar ir ao setor de pessoas para tirar uma dúvida, ele pode acessar a informação na plataforma, receber comunicações no computador, no telefone, tudo isso diminui a burocracia, gera mais possibilidade de colaboração e velocidade nas respostas às demandas”, enumera.
O DIGITAL PODE APROXIMAR E HUMANIZAR
O uso da tecnologia pode até mesmo tornar as relações mais humanizadas, próximas e personalizadas, na visão de Almeida. Além de ser o meio que permite ao RH ser mais estratégico, as tecnologias voltadas ao RH também aceleram, facilitam e melhoram a jornada do colaborador (da seleção, passando pelo processo de integração, até desenvolvimento de competências), tudo online. “O que a gente precisa é desenvolver como se comportar nesse ambiente, como se adaptar, entender o que é possível automatizar e o que precisa ser cuidado por humano, pessoa para pessoa”, pontua Almeida.
Mas, adoção de RH techs no dia a dia da organização é um processo. “Um bom começo seria olhar os processos internos e avaliar quais deles poderiam ser agilizados e os que podem gerar melhor experiência para as pessoas que trabalham com a gente, como os processos burocráticos ou que não são amigáveis para o colaborador, e buscar no mercado soluções tecnológicas para torná-los mais rápidos e fáceis”, sugere Almeida. “A ABRH tem realizado eventos e levado esse conteúdo sobre transformação digital em RH, discutido opções. Para além da automatização, há o como a gente pode trabalhar esse ambiente, a cultura, as pessoas para essa transformação digital”.
“Não há uma jornada única para fazer a transformação digital no RH, o importante é começar. Dar pequenos passos constantes é mais interessante que ficar esperando para dar um passo grande” – Cezar Almeida, vice-presidente do Conselho Deliberativo da ABRH Brasil
Cada nova tecnologia exige mesmo tempo de adaptação, por isso, seguir uma sequência de adoção dessas soluções pode ser mais produtivo do que investir em muitas ferramentas de uma única vez, avalia Marcello Porto, vice-presidente da LG lugar de gente, empresa especializada em soluções de tecnologia para gestão de pessoas. “É melhor subir degraus mais sólidos e constantes”, diz.
A automação da empresa depende também do grau de maturidade em que ela se encontra em relação a processos, inovação e abertura para uso de tecnologias. Porto sugere que essa transformação digital no RH comece por ferramentas que automatizem o atendimento à legislação (recolhimento de impostos, pagamentos etc.), o autoatendimento do trabalhador (que pode incluir ele mesmo gerar seu holerite, agendar férias, apresentar um atestado médico etc.) e o ponto online, por exemplo.
PERSONALIZAÇÃO VISA MELHORAR A EXPERIÊNCIA DO EMPREGADO
As RH techs permitem ao departamento de recursos humanos, com base em dados, refinar análises e, junto aos gestores, desenvolver estratégias mais eficientes de gestão de talentos. Mas elas não representam apenas soluções para facilitar a vida do profissional de recursos humanos, também transformam a relação do colaborador com a empresa. O relacionamento entre colaborador e a gestão de pessoas no dia a dia da organização torna-se diferenciado a partir das RH tech. “É na experiência suportada por tecnologia ao longo dos diversos pontos de contato da jornada do colaborador que a tecnologia está impulsionando as soluções RH”, reflete Porto.
A personalização pode se dar, por exemplo, no suporte da inteligência artificial à seleção de sugestões de estudos e aperfeiçoamentos de acordo com critérios relevantes ao empregado, até alternativas de acesso às plataformas, como a opção de registrar o ponto pelo celular, pelo computador, ou quem sabe até por meio de um assistente virtual. A variedade na oferta de soluções em ferramentas de RH e interação por multicanais é importante para a adesão às tecnologias.
“A nossa estratégia é investir em tecnologia para contribuir com a personalização e a melhor experiência do colaborador em todos os seus processos na empresa. E temos, enquanto fornecedor, de estar atentos aos desejos das pessoas, para disponibilizar serviços que tragam facilidades, e por multicanais, para que haja adesão à tecnologia. Esse é o diferencial”, acrescenta Porto.
“A jornada tem que ser inteira satisfatória para o colaborador, e essa experiência para ser boa precisa ser personalizada, porque as pessoas são diferentes” – Marcello Porto, vice-presidente da LG lugar de gente
INSTRUMENTO ESTRATÉGICO PARA O CRESCIMENTO DO NEGÓCIO
Independente do tamanho da empresa, tecnologias em RH trazem rentabilidade e até melhor clima organizacional. A tecnologia permite que dados amparem as ações corporativas. “A gente dá ferramentas para que o RH e consiga traduzir as necessidades e análises estratégicas para a linguagem dos gestores de negócios. Por meio da tecnologia, ele consegue, com dados, se fazer ouvir, porque a linguagem se torna única”, avalia Ana Meneguini, chief Revenue Officer (CRO) [diretora de Receitas, em inglês] da Sólides.
Focada em pequenas e médias empresas (PME), a Sólides, organização que promove soluções tecnológicas em RH, desenvolvidas a partir de pesquisas, análise de tendências e combinadas inclusive com testes internos, leva ao mercado PME soluções tecnológicas para auxiliar gestores e RHs. Uma expertise que permite, em poucos minutos, apresentar um descritivo detalhado do perfil do trabalhador, resultando, por exemplo, em menor tempo gasto em processos seletivos e maior assertividade nas contratações.
O mapeamento comportamental do time implica maior produtividade, ao indicar o cargo mais alinhado com os projetos profissionais do trabalhador e as necessidades da empresa, assim como em menos custos por rotatividade de pessoal, por exemplo. “E comportamento não tem certo ou errado, tem momento. É legal quando você encaixa a pessoa certa no lugar certo, porque o negócio ganha competitividade e a pessoa satisfação”, reforça Ana.
“A gestão de pessoas é um instrumento estratégico de crescimento da rentabilidade da cooperativa. Quando as pessoas profissionalmente se sentem bem atendidas, sentirem-se valorizadas e mais engajadas com as lideranças e conectadas com seu propósito de marca, o negócio gera mais riqueza e impacta a economia”, defende a executiva. E essa automatização do RH é inevitável no mercado atual.
Buscar informação sobre os produtos disponíveis e como eles podem auxiliar no dia a dia é basilar, assim como investir em cultura de gestão tecnológica. Nesse caminho, Ana Meneguini aconselha ainda se evitar a adoção de soluções compartimentadas, para evitar possuir tecnologias distintas e difíceis de conversar entre si, o que pode ser um complicador especialmente a organizações menores, com times e receitas mais enxutos. “Prefira uma plataforma completa, mas que possa ser adotada por módulos”, indica. Desse modo, é possível ir acrescentando aos poucos as ferramentas digitais de que a empresa necessita.
“Permita-se esse novo olhar da gestão de pessoas como instrumento estratégico para o crescimento do negócio” – Ana Meneguini, CRO da Sólides
DEPOIMENTOS DAS COOPS
COOPERATIVAS ATUALIZAM GESTÃO DE PESSOAS COM RH TECHS
De seleção de novos empregados a plano de capacitação, as tecnologias facilitam o dia a dia do RH
“Não é possível imaginar práticas de RH hoje em dia sem pensar na tecnologia. Tecnologia para facilitar a vida do candidato, para facilitar a vida do colaborador, para permitir uma experiência fluida em sua jornada”, diz Alexandre Cyriaco, gerente de RH da Coop Cooperativa de Consumo.
De acordo com Cyriaco, as soluções digitais permitem reforçar a cultura organizacional, desde o processo de seleção, ambientando o candidato sobre o jeito de ser e fazer da cooperativa, e fazendo uso de inteligência artificial (IA) para maior assertividade na contratação ao analisar aspectos culturais, a produtividade e a propensão de acidente no trabalho, além de trazer mais agilidade, do recebimento de currículos à transmissão de documentos para contratação, tudo de forma online.
“O uso da IA aumenta a produtividade, a assertividade, mas a decisão é sempre do humano”, garante Cyriaco, que acrescenta “um detalhe é que eu não preciso só treinar a IA, preciso treinar também os gestores para aceitarem o diferente, aceitarem as pessoas que estão sendo atraídas”. Inclusive a comunicação interna também é ampliada por uma plataforma colaborativa, na qual tanto empregados quanto RH trocam informações.
A Cresol declara que, acompanhando o mercado, tem investido em ferramentas à gestão de pessoas. São mais de 15 plataformas integradas voltadas à área de Gente e Gestão. “Buscamos essas tecnologias para dar celeridade e/ou apoiar diretamente nos vários subprocessos de RH”, justifica Katiuce Ferrari, gerente de Gente & Gestão da Cresol. “A tecnologia é um meio que nos apoia na condução das ações, mas transformamos esse meio para que ele seja humanizado, então toda customização de plataforma tem a essência da Cresol, para valorizar o relacionamento humano como base de toda ação”.
Entre as plataformas já em operação estão ferramenta recrutamento e seleção; de gestão do ponto; e em implantação a plataforma de universidade corporativa, que proporcionará a cada colaborador definir sua trilha de aperfeiçoamento na carreira. “É uma tendência tornar o recursos humanos mais tecnológico, trabalhando cada vez mais com dados gerenciais e tornando as ferramentas mais sólidas para gerarem condição de gestão a partir dos dados. Assim tornamos o RH mais estratégico e parceiro do negócio, pois conseguimos focar no que deveria ser a essência das organizações, as pessoas”.
Nelson Paulo Rossi, gerente corporativo Gestão de Pessoas da Aurora Coop, destaca que a cooperativa vem investindo em soluções que reduzam o tempo gasto com atividades meramente burocrático-operacionais e nas que propiciem às pessoas uma experiência com foco em satisfação. As plataformas digitais empregadas pela Aurora Coop incluem atração de profissionais desde divulgação de vagas e seleção de currículo ao alinhamento de expectativas com as demandas da cooperativa. Da assinatura de contrato de trabalho a serviços como entrega de holerites, informes de rendimentos, espelhos de registro de ponto, programação de férias entre outro são todos realizados online.
Parte das indústrias aderiu inclusive a registro da jornada de trabalho por leitura facial. A Universidade Corporativa UniAurora Coop capacita os profissionais também por meio de ambiente digital. “Toda esta evolução, impulsionada principalmente pelas dificuldades impostas por uma pandemia, nos ofereceu alternativas para que pudéssemos avançar, e foi feita com o uso de tecnologia disponível no mercado e uma grande dose de ousadia e aproveitamento das oportunidades trazidas pela crise”, avalia Rossi.
Por Nara Chiquetti– Matéria publicada na edição 108 da Revista MundoCoop
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