Nos últimos anos têm se tornado uma missão constante a busca por um modelo de produção que consiga suprir a demanda alimentar ao mesmo tempo em que renova o solo e possibilita a longevidade das áreas de plantio. É fato que hoje o país vive um momento de expansão de sua produção, realidade que é confirmada pelo status do país diante do cenário mundial, onde desempenha um papel fundamental na garantia da segurança alimentar.
Safra após safra, produtores do país todo buscam formas de recuperar o solo, de modo que no próximo ciclo, não seja necessário buscar novas áreas para garantir a produção. Além disso, o campo atrai novos olhares, e tornou-se necessário ainda buscar modelos que integrem mais pessoas, trazendo novas oportunidades para aqueles que estão se voltando para o campo em busca de um novo propósito.
Diante de tudo isso, surgiu o formato ILPF – ou Integração Lavoura-Pecuária-Floresta, que vem ganhando, ano após ano, cada vez mais espaço no país. O modelo, que já possui um histórico no país, traz inúmeros benefícios que vão além de uma produção maior. Trazendo para si conceitos relacionados à agroecologia, a ILPF desponta na frente, em um cenário onde a adoção de uma alternativa mais sustentável deixou de ser uma opção, para se tornar uma mudança necessária e urgente.
Criado para viabilizar a utilização do solo durante todo o ano, o sistema ILPF vai de encontro com um desejo antigo de produzir mais, sem aumentar os impactos ao meio ambiente. Através de um modelo que realiza uma rotatividade no uso do solo, o formato que vem ganhando adeptos em todo o país, uma vez que possibilita não apenas resultados maiores, mas principalmente um alinhamento com a agenda ESG mundial, onde a preocupação social e ambiental vai de encontro com a necessidade de atendar às demandas produtivas da sociedade.
Tal oportunidade, não passou longe do radar das cooperativas, e a Cocamar, fundada em Maringá (PR) em 1963, possui um forte histórico ligado a essa prática. O projeto de buscar um novo modelo remete às décadas de 1980 e 1990, como revela à MundoCoop o diretor-presidente da Cocamar, Luiz Lourenço. Inicialmente apostando em projetos que envolviam a criação do bicho-da-seda e posteriormente um programa de citricultura, a cooperativa deu vários passos antes de chegar ao modelo que hoje já é consolidado entre os cooperados. No caminho, apostou fortemente na capacitação de seus produtores, de forma a viabilizar um modelo que até então, era inédito.
“A cooperativa treinou e mobilizou toda a sua equipe técnica para prestar assistência aos produtores, instalou estruturas para o recebimento da produção, realizou inúmeros dias de campo e outros eventos técnicos para fazer a difusão entre os produtores, forneceu todos os insumos necessários e garantiu apoio à pesquisa”, revela Lourenço, que atualmente é uma das referências nacionais quando o assunto é o modelo ILPF.
Renovação
Hoje os benefícios da integração lavoura-pecuária-floresta são comprovados, uma vez que o sistema tem sido adotado em várias culturas ao longo do país. Mas porque ele foi necessário?
Em seu cerne, a agropecuária consiste em uma atividade estritamente extrativista. Ao longo dos anos, a reposição dos nutrientes do solo nunca foi uma real preocupação, algo que ao longo do tempo se revelou um equívoco. Com o passar dos meses, o solo perdia sua capacidade produtiva, impactando diretamente no volume de produção na ponta da cadeia. Além disso, até tempo atrás, havia uma noção errônea de que a agricultura era uma atividade isolada, dependente única e exclusivamente do uso de químicos para entregar resultados. Hoje, a visão é outra, e a união entre lavoura e floresta é encorajada, à medida que a proteção das florestas ganha uma nova camada de importância na missão de garantir alimentos saudáveis para todo o mundo.
Com a adoção do ILPF, uma nova forma de tratar o solo é adotada, garantindo seu uso e renovação constante, independente da mudança do clima, como Lourenço explica a seguir.
“Com a ILPF, a soja entra para revitalizar os pastos e, com isso, acaba financiando a reestruturação da atividade pecuária. A base desse programa é o plantio do capim braquiária, no outono, logo após a colheita da soja. A braquiária oferece uma série de benefícios: entre outros, rompe a camada de compactação do solo com seu enraizamento agressivo, abrindo canais que favorecem a infiltração de água, além de ciclar nutrientes das camadas mais profundas e repor matéria orgânica. No inverno, quando os pastos comuns praticamente desaparecem sob as baixas temperaturas, a braquiária viceja normalmente, garantindo alimento em abundância para o gado ao longo de 100 dias do período mais crítico do inverno. Por fim, quando o gado é retirado, o pasto passa por uma dessecação química, formando a proteção de palha que possibilitará o plantio direto da soja. Essa camada, entre outras vantagens, inibe o desenvolvimento de ervas de difícil controle e preserva a umidade por mais tempo após a chuva, o que favorece o desenvolvimento da lavoura”, conclui.
Com essa renovação, os benefícios são inúmeros, a começar pela não utilização de um grande volume de agroquímicos, proporcionando uma produção mais orgânica e eficiente. Além disso, com a recente integração da floresta ao modelo, propõe-se um sistema onde a integração entre a lavoura e a mata nativa possibilitam uma produção que se afasta do conceito de monocultura. Desta forma, uma mesma área pode produzir grãos, carne, leite e ainda, madeira.
É neste ponto, que diferentes vertentes se complementam. Vivemos uma revolução verde, e integrar agricultura e meio ambiente de forma eficiente passou a ser uma preocupação não apenas do Brasil, mas de outros países conhecidos por sua produção agropecuária. Nesta agenda, práticas ecologicamente desenvolvidas são encorajadas a todo momento, uma vez que não apenas se faz necessário produzir mais, mas também melhor. Para alguns, tal cenário pode parecer uma utopia. Tal sonho, porém, já é uma realidade. Modelos como a ILPF mostram que é possível criar um ecossistema onde haja produção em abundância, manutenção de florestas e solo, além da criação de animais de forma mais humanizada. E no processo, integrando pessoas em toda a cadeia, reconectando o produtor com o solo em que ele pisa.
Tais benefícios não ficam apenas na teoria, e a Cocamar vivencia essa mudança há muito tempo. “O sistema ILPF potencializa a pecuária e a produtividade de carne pode passar de 25 arrobas por hectare/ano. Com alimento em suficiência, o rebanho engorda mais rápido, sendo terminado com 24 a 30 meses, assegurando assim um fluxo de caixa mais rápido em relação ao modelo tradicional. A carne, consequentemente, é de melhor qualidade, sobretudo em sistemas de terminação mais precoces. Há, também, uma modernização da gestão da propriedade, a qual fica mais bonita e valorizada”, afirma Lourenço.
Como resultado da adoção deste sistema, a cooperativa hoje observa uma produção 13x maior do que a vista em áreas que ainda não abraçaram o novo conceito. Em números mais concretos, tal mudança na forma de olhar para o campo resulta em um salto de faturamento de R$1,3 mil por hectare/ano, para R$18 mil no mesmo período.
Com mais faturamento, cria-se a possibilidade de expansão de negócios. Não apenas no campo, mas também nas próprias cooperativas. Além disso, com um sistema que cria novos processos, oportunidades são abertas, originando um mercado que pode agregar milhares de novos colaboradores, levando o impacto da lavoura para a sociedade, na forma mais pura da missão e do propósito das cooperativas.
Consolidação
O sucesso do modelo ILPF é inquestionável, e os números apresentados pela Cocamar são apenas uma amostra do potencial que há no setor agropecuário através de uma reformulação daquilo que já conhecemos. De fato, buscar novas alternativas requer um trabalho árduo nos estágios iniciais. Porém, as últimas décadas têm mostrado que tal esforço é vital para sobrevivência de um setor do qual todos dependemos. Somado a isso, tais mudanças no campo são o reflexo de uma mudança já em curso, que busca uma reconexão do homem com a natureza, criando um agro que utiliza das melhores condições que o ambiente nos dá, para desenvolvermos técnicas de cultivo que irão, de fato, revolucionar a forma como nos relacionamos com o campo.
O resultado, de fato, é gratificante para todos os envolvidos na produção. Contudo, assim como ocorre diante de qualquer mudança em um modelo tradicional, levar o produtor a adotar novas técnicas ainda é um desafio. Mas no que se refere à Cocamar, esta é uma luta da qual a cooperativa não foge.
“O incentivo à ILPF, desde o seu início, passou a ser uma das principais bandeiras da Cocamar, que exerce uma posição de liderança e vanguarda em sua região. Já são mais de 250 mil hectares com diferentes formatos de integração nas regiões atendidas pela cooperativa”, afirma. Para ele, o principal desafio no momento é convencer o produtor a aceitar novas parcerias, ainda mais quando há investimento de capital no processo. “Um dos maiores desafios ainda é fazer com que o pecuarista compreenda as vantagens da integração e seja receptivo a parcerias com produtores especializados no cultivo de grãos. Geralmente o pecuarista quer cobrar muito caro pelo arrendamento, o que acaba não atraindo interessados”, acrescenta. Contudo, inúmeros são os fatos que coloca a ILPF à frente, que tal resistência por parte de alguns associados não é motivo para que a cooperativa desista em expandir o modelo em questão. “Os benefícios são muitos. A ILPF desbrava novas fronteiras agrícolas preservando o meio ambiente, contribuindo diretamente para o desenvolvimento e a economia das regiões”, conclui.
Diante da magnitude e potencial que a ILPF apresenta, a adoção do sistema tem se firmado como uma das grandes tendências do agronegócio brasileiro, sendo de fato um dos primeiros expoentes de uma nova era na forma como produzimos e ainda, tratamos o nosso solo. Com mais de 17 milhões de hectares cultivados através de formatos de integração, o Brasil é hoje um celeiro de inovação quando o assunto é a produção no campo. E por esse motivo, desponta como a concretização de um projeto que muitos países desejam, mas que não possuem condições climáticas para colocarem em prática.
“[O sistema ILPF] representa inovação, sustentabilidade e um setor altamente produtivo, que se reflete no fortalecimento da economia do país. Com a integração podemos ampliar nossas fronteiras agrícolas sem promover desmatamento. Até 2050, de acordo com a FAO, o mundo precisará ampliar em 50% a produção de alimentos, para atender a uma população em crescimento e com aumento de renda. Ao menos 40% desse volume será proveniente do Brasil, que possui extensas áreas de pastagens com potencial para serem aproveitadas em programas de integração. Por seus inúmeros benefícios, não há dúvida: a ILPF é o futuro da agropecuária brasileira”, ressalta Lourenço.
Para os próximos anos, é esperado que o modelo penetre de forma mais incisiva no país, abrigando não apenas as demandas alimentares do mundo, mas também agregando conceitos, técnicas e processos de uma agroecologia cada vez mais necessário a sustentabilidade do vasto sistema que possuímos.
Perante isso, o trabalho de players como a Cocamar são provas reais e irrefutáveis de que há espaço e futuro para um modelo que preserve a floresta, impacte vidas e claro, se utilize do solo da forma mais nobre possível. Para aqueles que esperam adotar o modelo, Lourenço deixa um importante recado, que reafirma o comprometimento necessário para que tal modelo seja implementado de forma efetiva e real.
“Para entrar na integração é preciso seguir rigorosamente todas as orientações técnicas. Não se admite fazer pela metade, de qualquer jeito, sob o risco de os resultados serem comprometidos e as expectativa frustradas. O acompanhamento técnico é fundamental. Ou se faz bem feito ou não se faz. A integração pode ser introduzida em propriedades de todos os tamanhos, mesmo em pequenas áreas. E não apenas em solos arenosos”, finaliza.
Seja em pequenas propriedades ou em grandes extensões de lavoura que compõe a paisagem brasileira, já uma realidade que o sistema ILPF é o passo que o setor precisa dar. E através do apoio de grandes players, órgãos públicos e cooperativas, podemos dar um novo significado para a produção nacional, mantendo a posição de destaque do país. Não apenas como referência em volume de produção, mas principalmente como um modelo para o futuro agro sustentável que todos queremos.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop
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