Itens que para muitas pessoas não são nada mais do que lixo, ou seja, têm como destino o descarte, para muitos se tornam uma oportunidade de negócio e chance para uma vida mais digna por meio do trabalho. É o que a reportagem do O SÃO PAULO constatou em dois projetos de reciclagem de instituições católicas e em uma empresa que atua no ramo de logística reversa de resíduos.
Reciclázaro: Uma iniciativa voltada à dignidade humana e ao meio ambiente – por Roseane Welter
O descarte impensado de resíduos causa prejuízo ao ser humano e ao meio ambiente como um todo, a nossa Casa Comum. Atenta a essa realidade, a Associação Reciclázaro, fundada em 1997, contempla em suas ações o projeto Coleta Seletiva, pelo qual os materiais recolhidos em prédios, escolas, igrejas e empresas são classificados e repassados às cooperativas parceiras para que sejam comercializados, tornando-se, assim, fonte de renda para os associados da Cooperativa Vitória do Belém, no Belenzinho, na zona Leste.
A obra é uma iniciativa do Padre José Carlos Spínola, que via em frente à Paróquia São João Maria Vianney, na Água Branca, onde era Pároco, o crescente aumento de pessoas em situação de rua e a exploração do trabalho daqueles que recolhiam materiais recicláveis para sobreviver.
Olhar para o meio ambiente e o ser humano
O nome Reciclázaro forma-se da conjugação do verbo reciclar com o substantivo Lázaro. Assim, a missão do projeto é reciclar materiais, mas, fundamentalmente, “reciclar” o ser humano. Por isso, há o empenho em preservar a natureza, reciclar vidas e reduzir a violência, a fim de promover em seus centros a mudança e a transformação por meio de atividades socioeducativas, construindo oportunidades e alternativas para a reinserção das pessoas no mercado de trabalho e a preservação do meio ambiente.
“Queremos restituir a dignidade humana às pessoas carentes, oferecendo uma forma digna de trabalho e, também, atividades socioeducativas”, afirmou o idealizador, destacando que a Reciclázaro busca transformar o que é jogado no lixo e o ser humano: “A lata volta a ser lata e a pessoa volta a ser gente por meio do resgate e reinserção ao mercado de trabalho”, salienta o Padre José Carlos.
Ação e conscientização
Atualmente, a Reciclázaro desenvolve programas e projetos vinculados à reintegração por meio de diversas ações: Centro de Acolhida Especial para Idosos – Casa de Simeão; Centro de Acolhida e Inserção Produtiva – Casa São Lázaro; Centro de Acolhida Especial para Mulheres – Casa de Marta e Maria; Centro de Formação Profissional e Educação Ambiental (Cefopea); Programa de Intervenção Comunitária; Programa de Coleta Seletiva e Geração de Renda (Cooperativa Vitória de Belém).
Camille Carletti, 48, assistente social e coordenadora de projetos da Reciclázaro, frisou que os programas e as unidades são de passagem, para que o acolhido encontre sua autonomia: “Trata-se de uma ideia que gera bons resultados e proporciona, com pequenos gestos, a garantia dos direitos à dignidade de inúmeras pessoas agregadas e atendidas pela Associação”, afirma.
As linhas diretivas desenvolvidas pelas unidades e programas do projeto são de integração ao sistema educativo, a inclusão no mercado de trabalho formal, a criação de alternativas de geração de emprego e renda adaptáveis à realidade da pessoa, a orientação para o acesso à Previdência Social, o cuidado da saúde física, psicológica e emocional e o apoio na retomada dos vínculos familiares e comunitários.
Coletiva seletiva
O Projeto Coleta Seletiva, por meio da Cooperativa Vitória de Belém, recebe por mês uma média de 18 a 20 toneladas de recicláveis para triagem. Assim, em torno de 240 toneladas, por ano, são retiradas do meio ambiente e recebem o destino correto.
Juliana da Silva, 38, é a coordenadora da cooperativa. Ela enfatiza que o projeto é construído nos moldes sustentáveis da cidade, que realiza a captação, triagem e prensagem de resíduos sólidos urbanos, como papel, plástico, vidro, metais, eletrônicos e óleo de cozinha usado.
No espaço são oferecidas visitas monitoradas para conscientizar sobre o descarte adequado do lixo, o processo de retorno dos resíduos e a importância desta atividade para geração de emprego e renda.
“Atuo na Vitória de Belém desde sua fundação, em 2013. No momento, somos 16 cooperados atuando diretamente de forma sustentável e promovendo, com a coleta e triagem, impactos positivos na preservação do meio ambiente”, diz, evidenciando que as ações realizadas têm como principal viés a redução do desperdício de itens passíveis de reciclagem, amenização da poluição do solo, da água e do ar; e que ajudam a prolongar a vida útil dos aterros sanitários.
A coordenadora ressaltou que ao lado da cooperativa há um biodigestor responsável pela primeira etapa do tratamento de esgoto, que fortalece a recuperação do ecossistema natural; um sistema de energia fotovoltaica, para transformar energia solar em elétrica; e um sistema de aquaponia urbana, que associa a criação de peixes ao cultivo de plantas e à horta urbana.
“A cooperativa é a minha fonte de renda. Daqui levo comida para dentro de casa, pago as contas de água, luz e aluguel”, conta Luis de Paula, 65, assegurando que “o dinheiro contribui para as despesas mensais, mas ajudar a cuidar do planeta é minha maior alegria”.
Detalhes sobre a Associação Reciclázaro podem ser vistos aqui.
A incidência da reciclagem
- 1.000 kg de vidro reciclado = 1.300 kg de areia extraída poupada;
- 1.000 kg de alumínio reciclado = 5.000 kg de minérios extraídos poupados;
- 1.000 kg de plástico reciclado = milhares de litros de petróleo poupados;
- Uma única latinha de alumínio reciclada economiza energia suficiente para manter um aparelho de televisão ligado durante 3 horas;
- 1 tonelada de papel reciclado economiza 98 mil litros de água, 2.500 kWh de energia e 50 árvores.
Fonte: Associação Reciclázaro
No Recifran, a preocupação ambiental e a restauração de vidas caminham lado a lado – por Daniel Gomes
Integrar as pessoas em situação de rua ao mercado de trabalho, ajudar que se libertem de vícios e que refaçam laços familiares são alguns dos objetivos do Serviço Franciscano de Apoio à Reciclagem (Recifran), criado na década de 2000, e instalado no bairro do Glicério, na região central da capital paulista.
Atualmente, o Recifran atende entre 40 e 50 pessoas em seu centro de acolhida temporário. Além do trabalho com a separação de recicláveis, elas contam com serviços de assistência social e saúde.
Após participar de uma capacitação inicial, com duração de cinco dias, o acolhido pode ingressar na atividade e participar de formações sobre o tema da reciclagem e a comercialização de itens passíveis de ser reciclados.
“O objetivo final é reorganizar a vida das pessoas. Há um acompanhamento individualizado, e buscamos por vagas de trabalho para elas não só em reciclagem, mas em outros ramos. Quase todo mês, indicamos pessoas para virarem cooperadas em cooperativas com as quais temos contatos”, explica Rubens Lyra, engenheiro ambiental e coordenador do Recifran.
No geral, o tempo de permanência no projeto é de 6 meses a um ano, período em que as pessoas, a partir da renda obtida com a venda de recicláveis, já conseguem alugar um local para morar ou obter um emprego fixo, não voltando, portanto, à vida nas ruas.
Materiais recebidos
Atualmente, o Recifran faz o processo de reciclagem dos resíduos que recebe do Instituto Muda, o qual promove práticas sustentáveis em condomínios residenciais de São Paulo, coletando cerca de 350 toneladas mensais recicláveis.
“O Instituto doa esse material para as cooperativas. Eles próprios fazem a separação dos itens nos condomínios, associado a um processo de educação ambiental com os moradores. Desse modo, o que recebemos aqui é um material de boa qualidade, que não vem muito contaminado. Um papel cheio de óleo, por exemplo, é o que chamamos de um item contaminado, pois não dá para reciclar”, detalha Lyra, explicando o quanto essa triagem interfere na qualidade do reciclável.
“Hoje, de maneira geral, o município faz a coleta nos bairros, mas, antes, não promove uma boa campanha sobre como realizar o descarte desses materiais. Além disso, mesmo quando o caminhão recolhe plástico, papel e papelão que estejam separados, tudo acaba sendo misturado para compactar e, assim, este material já chega com pouca qualidade para a reciclagem”, prossegue o coordenador do projeto.
A cada mês, o Recifran recebe cerca de 20 toneladas de resíduos, mas como cerca de 20% é de rejeito, são comercializadas, em média, 16 toneladas mensais de recicláveis. A maior quantidade de itens é de embalagens, mas eventualmente chegam eletrônicos, que o Recifran comercializa com outras empresas que reciclam tais itens. Também não é incomum que entre os resíduos estejam lâmpadas fluorescentes, pilhas, toner de impressoras e materiais hospitalares, que deveriam ser descartados em locais específicos.
Lyra vê com certa preocupação o futuro de oportunidades de emprego para os catadores diante das políticas de logística reversa que preveem que todo o processo seja controlado pelo próprio gerador do resíduo.
“Do ponto de vista ambiental, isso pode trazer bons resultados e até diminuir os custos, mas há o risco de que se descarte as pessoas que estão na base deste processo de reciclagem, como os catadores”, pondera, lembrando, ainda, que se for tentar comercializar individualmente o que coletou, o catador receberá muito pouco, pois os intermediários do processo, como os sucateiros, também buscam lucrar com o resíduo que será revendido à indústria. Assim, acrescenta Lyra, é fundamental o papel das cooperativas, para que os catadores recebam mais pelo reciclável.
Conheça detalhes do Recifran no site.
Green Mining: logística reversa inteligente e inclusão social – por Daniel Gomes
Com atividades em seis estados, incluindo São Paulo, onde opera na capital paulista, em Embu das Artes, Carapicuíba e Ilhabela, a Green Mining é uma startup de logística reversa inteligente, com foco em reaver embalagens descartadas pós-consumo para que sejam devolvidas ao ciclo de produção.
“Buscamos trazer eficiência a esse processo de logística reversa de embalagens, pois hoje o formato de como é feito no Brasil é ineficiente, seja em relação à separação e logística, seja no que se refere a quem está à frente dessas operações. A grande consequência disso é que no Brasil se recicla muito pouco, apenas 2,1% de tudo que é gerado de resíduo”, comenta Rodrigo Oliveira, CEO da Green Mining. A startup tem atuação especial no mercado B2B, ou seja, de empresa para empresa, voltado para a gestão de recicláveis em bares, restaurantes, hotéis e padarias, estabelecimentos que, na cidade de São Paulo, por gerarem mais de 200 litros de lixo por dia, são considerados Grandes Geradores de Resíduos Sólidos e, conforme determina a lei municipal 13.478/2002, têm a obrigação pela coleta, transpor- te, tratamento e destinação final destes resíduos.
“Nós analisamos a venda que a indústria faz para estes estabelecimentos. Depois, vamos até eles e pedimos que façam a separação dos materiais, para que realizemos uma coleta sem custo algum, já que somos contratados pelas indústrias”, detalha Oliveira.
Durante o auge da pandemia de COVID-19, com o fechamento dos estabelecimentos comerciais, a Green Mining passou a oferecer seus serviços para condomínios, que chegaram a perfazer 75% do volume de recicláveis coletados pela empresa.
Atualmente, a maioria dos resíduos recolhidos, considerando todas as unidades de atuação da startup no Brasil, são vidro, plástico e papel cartão. Grande parte dos colaboradores da Green Mining é de ex-catadores de resíduos, que recebem por serviço realizado e não por quilo coletado, como é o padrão do mercado.
Estação Preço de Fábrica
Em novembro de 2021, a Green Mining iniciou o projeto “Estação Preço de Fábrica”, cuja meta principal é remunerar a quem entrega o resíduo reciclável direto no contêiner de coleta o valor integral que é pago pela indústria.
“Na Estação Preço de Fábrica, o dono da marca custeia a operação e a logística para que o material chegue na porta de uma usina de reciclagem, e assim, esse material é vendido em seu valor real, o que chamamos de valor justo, que é pago a todo aquele que entrega um quilo de material reciclável na nossa estação”, detalha Oliveira.
O CEO da Green Mining destaca que mais de 80% das pessoas que entregam os materiais na estação são catadores e carroceiros. Ele cita o exemplo de uma catadora de Carapicuíba que recebia, em média, R$ 0,06 pelo quilo do vidro coletado, enquanto na Estação Preço de Fábrica recebe entre R$ 0,42 e R$ 0,62. “Naturalmente, isso incentivou o aumento dessa coleta e o pedido dos catadores para que as comunidades comecem a separar vidro, algo que antes não era muito coletado. Hoje, na maior parte dos lugares, o catador fica com 20% a 25% do valor do material, e o que nós fizemos foi colocar uma operação que permita a ele ficar com praticamente 100% do valor que é pago pela indústria”, detalha.
Em 19 de outubro foi inaugurada uma segunda estação em Embu das Artes, na fábrica da Ibema, empresa que recicla papelão e papel cartão. O local também recebe vidros para reciclagem.
Conheça mais sobre a Green Mining aqui.
Fonte: O São Paulo
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